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Capítulo 3 Aspectos da historicidade: o Retrato do Brasil tematizado em

3.1 Caminhos e escolhas no estudo dos periódicos

Podemos refletir a respeito das possibilidades da historicidade própria à escrita e leitura do ensaio de Paulo Prado a partir dos periódicos (jornais, revistas, almanaques, etc.) que abordaram muitas das suas questões. Neste sentido, ensaios e periódicos (que muitas vezes também utilizam o gênero ensaio) se encontraram em determinadas constituições do passado e são, ambos, importantes aspectos para a compreensão de parte de determinada historicidade.

Não pretendo realizar uma história da recepção do livro Retrato do Brasil. Partindo de um esforço mais modesto, o que tento neste texto é discorrer a respeito de como alguns integrantes das comunidades letradas no início do século XX brasileiro debateram, no interior de seus limites, alguns tópicos, questões, argumentos e enunciados tratados no ensaio de Prado. E ainda, como produziram suas próprias leituras, narrativas e conteúdos sobre os processos históricos que foram e estavam sendo vivenciados e tematizados. Se compreendermos os ensaístas como intelectuais, pressupondo intelectual como “(...) uma categoria sócio-profissional de contornos pouco rígidos, ou seja, como produtores e mediadores de interpretação da realidade social que possuem grande valor político”, também entendemos deste modo aqueles que escreveram para tais periódicos, exercendo simultaneamente as mais diversas atividades (polígrafos). Enquadram-se, na mesma categoria, aqueles que produziam trabalhos em outros gêneros, mídias, outras áreas de conhecimento e saberes diversos, das artes, militâncias, etc.191

O espaço público, portanto, é entendido também como aquele onde se realiza a política a partir, dentre outras possibilidades, da imprensa e dos

191 Destaco que, com exceção de Cecília de Lara, no ano de 1977, os autores dos textos os quais

trataram o ensaio em questão são homens. Mesmo a entrevista com a poetisa Gilka Machado é assinada por Godin da Fonseca. Dito isto, é preciso frisar a existência de um grande número destas intelectuais que, resistindo às constituições machistas violentas de sua historicidade, escreveram ricos e diversos trabalhos. As referências dos textos de muitas destas autoras podem ser encontradas nos três volumes do livro Escritoras Brasileiras do Séc. XIX´, organizados por Zahidé Lupinacci Muzart e no livro Ensaístas brasileiras: mulheres que escreveram sobre literatura e

impressos.192 Como aponta Elías Palti, a respeito do novo léxico político que

surge na América Latina, por meio da intensificação e ampliação da imprensa no início do século XX:

O jornalismo aparecerá, ao mesmo tempo, como uma maneira de discutir e fazer política. E isso também infunde uma nova consciência sobre a performatividade da palavra no sentido de sua "criatividade": a imprensa periódica não só buscava "representar" a opinião pública, mas tinha a missão de constituí- la como tal.193

Como parte deste momento histórico, muitos intelectuais se preocuparam, assim como Prado e Querino, em refletir mediante perspectivas ético-políticas, partilhando um clima melancólico. Deste modo, o campo intelectual se encontra conectado à ação política.194 Dito de outro modo,

(...) uma das premissas da reflexão é que, no Brasil de fim do século XIX e das primeiras décadas do XX, não é consistente (empírica e teoricamente) assumir uma separação entre campo intelectual e político, embora seja possível reconhecer uma relativa e crescente autonomia na dinâmica de cada um deles.195

Os periódicos aqui estudados foram consultados na web, no interior da plataforma da Biblioteca Nacional. Buscamos na hemeroteca as ocorrências das categorias “Retrato do Brasil” e “Paulo Prado Retrato do Brasil”, utilizando os recortes de 1920-1929 e 1930-1939. Estes recortes foram escolhidos devido à forma como a plataforma disponibiliza automaticamente em sua busca, sempre a partir de grupos de décadas (1910-1919; 1920-1929; 1930-1939; etc.). A hemeroteca da Biblioteca Nacional também permite escolher o local e periódico específico no qual o pesquisador quer rastrear suas categorias. Nestas seções

192 Segundo Habermas, o surgimento das ideias de “causas públicas” e “interesse público”

tornaram-se parte de uma linguagem política apenas quando diversos processos históricos constituíram o confronto entre “Estado” e “sociedade” na modernidade ocidental. “Esse pano de fundo histórico forma também o contexto para o interesse específico em uma esfera pública que somente é capaz de assumir funções políticas na medida em que possibilita aos cidadãos da economia, na qualidade de cidadãos do Estado, estabelecer compromissos ou universalizar seus interesses e torna-los tão efetivos a ponto de o poder do Estado se transformar no medium fluido de uma auto-organização da sociedade”. HABERMAS, 1984, p. 51.

193 “El periodismo aparecerá así como al mismo tiempo un modo de discutir y hacer política. Y

esto infunde también una nueva conciencia a respecto de la performatividad de la palabra en el sentido de su ‘creatividad’: la prensa periódica no sólo buscaba ‘representar’ la opnión pública, sino que tenía la misión de constituirla como tal.” PALTI, 2007, p. 197.

194 Apesar da grande importância de tratarmos das filiações políticas e principais perspectivas dos

editoriais destes periódicos e dos seus autores, nosso foco aqui serão os textos, as concepções semânticas acerca de determinados passados e especialmente de sua contemporaneidade a partir de explanações a respeito do ensaio de Prado.

procuramos por todas as localidades e periódicos disponíveis a partir dos recortes escolhidos no banco de dados.

Na busca a partir do recorte 1920-1929, foram disponibilizados vinte e sete localidades e quatrocentos e setenta e seis acervos de jornais, revistas e almanaques específicos para a pesquisa, cada um com muitos periódicos importantes para nosso estudo. Obtivemos cento e vinte e um resultados através da categoria “Retrato do Brasil” e dezesseis ocorrências com “Paulo Prado Retrato do Brasil”. A busca entre 1930-1939 resultou em vinte e sete localidades e trezentos e noventa e oito títulos. A partir disto encontramos trezentos e trinta e três ocorrências da categoria “Retrato do Brasil” e quatorze na busca por “Paulo Prado Retrato do Brasil”. Deste modo o recorte foi traçado entre 1928 (ano da publicação da primeira edição do Retrato do Brasil) e 1939.

No interior da pesquisa, pudemos vislumbrar os mais diferentes periódicos e certa variedade de lugares (a maioria dos jornais sediados no Rio de Janeiro), onde se realizaram debates, reflexões, leituras e representações do ensaio e suas temáticas ou onde ele foi, ao menos, mencionado. São eles: Movimento

Brasileiro: Revista de Crítica e Informação (Rio de Janeiro; uma ocorrência); Jornal do Brasil (Rio de Janeiro; sete ocorrências); Correio da Manhã (Rio de

Janeiro; dezenove ocorrências); Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro, três ocorrências); O Jornal (Rio de Janeiro; dezessete ocorrências); Jornal do

Commercio (Rio de Janeiro; oito ocorrências); O Campo (Rio de Janeiro, uma

ocorrência); Movimento: Revista de Crítica e Cultura (Rio de Janeiro; três ocorrências); A.B.C.: Política, Actualidades, Questões Sociais, Lettras e Artes (Rio de Janeiro; seis ocorrências); Diário Carioca (Rio de Janeiro; cinco ocorrências); O Paiz (Rio de Janeiro; cinco ocorrências); O Imparcial (Rio de Janeiro; uma ocorrência); Boletim de Eugenia (Rio de Janeiro, uma ocorrência); A

Ordem (Rio de Janeiro; quatro ocorrências); Crítica (Rio de Janeiro; uma

ocorrência); A Cigarra (Rio de Janeiro; duas ocorrências); A Manhã (Rio de Janeiro; cinco ocorrências); Fon Fon: Semanario Slegre, Político, Crítico e

Espusiante (Rio de Janeiro; duas ocorrências); A Noite (Rio de Janeiro; três

ocorrências); Publicações do Archivo Público Nacional (Rio de Janeiro; uma ocorrência); Diário de Notícias (Rio de Janeiro; quatro ocorrências); Diário da

Noite (Rio de Janeiro; duas ocorrências); Hierarchia, (Rio de Janeiro; uma

Janeiro; uma ocorrência); O Malho (Rio de Janeiro; uma ocorrência); Diretrizes:

Política, Economia, Cultura (Rio de Janeiro; três ocorrências); Revista O Que Há

(Rio de Janeiro; uma ocorrência); Jornal Pequeno (Recife; uma ocorrência);

Diário de Pernambuco (Recife; nove ocorrências); A Província (Recife; uma

ocorrência); Alagoas: Mensário Ilustrado (Alagoas; duas ocorrências); O Matto-

Grosso (Cuiabá; uma ocorrência); A República (Curitiba; uma ocorrência); Diário da Tarde (Curitiba; uma ocorrência); A Federação (Porto Alegre; uma

ocorrência); O Estado (Florianópolis; uma ocorrência); Vida Capichaba (Vitória, uma ocorrência); Verde: revista de arte e cultura (Cataguases; uma ocorrência); O

Triângulo (Araguari; uma ocorrência); Notícias (São Luís do Maranhão; uma

ocorrência); Correio Paulistano (São Paulo; quatorze ocorrências); Diário

Nacional: a democracia em marcha (São Paulo; oito ocorrências); Ilustração brasileira (São Paulo; uma ocorrência); O Clarim (São Paulo; uma ocorrência); Moscone: Operazioni di Credito Commerciale Agricolo e Popolare (São Paulo;

uma ocorrência); Correio de São Paulo (São Paulo; uma ocorrência). Selecionamos cento e sessenta e dois periódicos, onde cento e quarenta e nove contemplam nosso recorte. Entre eles, verificamos a relevância do conteúdo de cada uma das ocorrências, de modo que nos dedicaremos a algumas das que foram consideradas mais adequadas e interessantes para este trabalho.