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Esta tese é desenvolvida numa perspectiva epistemológica em que fenômenos individuais e coletivos caracterizam o universo das organizações em termos de conflitos e contradições e na própria razão de ser da sociedade.

Horkheimer (1980), em seus estudos, diferencia a teoria tradicional (de bases cartesianas) da teoria crítica (de base marxista). Esta última busca não extinguir a tradicional, mas, sim, inserir alguns de seus aspectos, sob um olhar mais analítico. A teoria tradicional é centrada na formulação de conceitos universais, condenando a contradição, sob argumentos indutivos e dedutivos. A percepção social se volta a critérios estritamente utilitários, havendo forte positivação do mundo, que passa a ser reduzido a equações matemáticas.

O mérito da teoria crítica está no exercício de unir teoria e prática; em outras palavras, ser capaz de incorporar o pensamento reflexivo a uma tensão presente. O pensamento crítico elimina barreiras e a separação entre indivíduo e sociedade. O indivíduo que adota a postura da teoria crítica, ao contrário daquele da postura tradicional, reconhece-se como “sujeito do instante histórico”, segundo Horkheimer (1980).

Dado que o objetivo desta tese consiste em examinar dimensões da gestão social, relacionadas aos princípios da Economia Solidária, que se manifestam em práticas organizacionais de empreendimentos econômicos solidários, as concepções da Teoria Crítica trazem a vantagem de reconhecer o historicismo e o papel social dos indivíduos perante a realidade social que vivem. Todavia, reconheço que não se trata de uma teoria fácil de ser trabalhada, pois, exige a capacidade do pesquisador de se libertar de amarras do positivismo, pelo fato de este estar imerso e influenciado por bases epistemológicas utilizadas nas ciências naturais. Talvez pela necessidade de se impor às ciências naturais, acaba por impulsionar as ciências humanas à adoção de bases epistemológicas positivistas, para seus estudos, porém, esquecendo que, às vezes, os objetos estudados, ou objetivos almejados, não são suportados por essa base, como no caso desta tese.

Assim, com esta pesquisa desejo oferecer uma contribuição inerente ao fenômeno estudado, partindo da perspectiva da construção do conhecimento pela acumulatividade, resgatando trabalhos passados e avançando na construção do conhecimento.

Ressalto que utilizo o referencial teórico de vários autores, alguns com perspectivas distintas, entretanto, isto ocorre porque da base epistemológica da Teoria Crítica e faço uso do

materialismo dialético, principalmente, utilizando as ideias de unidade e luta dos contrários, ligado ao princípio da conexão universal. Neste sentido, Richardson (2009) afirma que:

Os aspectos, elementos ou forças internas de um fenômeno ou objeto excluem-se mutuamente, são contrários. Mas não podem existir uns sem os outros. O movimento é produzido devido a essa contradição (Ex.: sociedade capitalista, oposição entre burguesia e proletariado).

Desta forma, há a presença de teóricos que compõem pares dialéticos ou paradoxais, em que um não vive sem o outro, a exemplo da presença de concepções distintas de solidariedade abordadas no referencial teórico. Ouso conceber que a economia solidária existe devido a tensões entre lógicas capitalistas e não-capitalistas, neste caso, fundadas em resistências de trabalhadores e, no campo teórico em perspectivas retratadas por Marx (1982).

Esta opção percorre um caminho tortuoso, porém, frutífero, que pode trazer elementos a outros campos teóricos (sociologia, economia, entre outros) e a consciência de que a pesquisa científica deve aprimorar o aparato teórico existente, não somente reafirmando sua utilidade. As críticas teóricas devem propor correções ou novas alternativas ao instrumental vigente e aceito. Como pesquisador, devo compartilhar a responsabilidade e a habilidade de propor reflexões ao processo de construção, desconstrução e reconstrução do saber.

Quanto ao plano metodológico, a tese partiu de uma triangulação, envolvendo a combinação de abordagens quantitativas e qualitativas. Para tal intento foi adotado o banco de dados governamental, denominado Sistema de Informações da Economia Solidária (SIES), desenvolvido de acordo com o Mapeamento da Economia Solidária realizado pela Senaes/MTE, a partir do qual efetuei um recorte de amostragem para efeitos da análise de conglomerado ou cluster e grupo focal, dos empreendimentos econômicos solidários do Oeste Potiguar.

Num primeiro momento da pesquisa foi utilizada abordagem quantitativa com análise exploratória de dados através de frequências, dos quais foram escolhidas questões que alcançaram percentuais válidos (respostas positivas acima de 11,5%) como forma de tratamento e filtragem dos dados, visando à manutenção de variáveis relevantes ao estudo.

Posteriormente, realizei uma análise de clusters ou conglomerado. Trata-se de técnica estatística que busca, por meio da observação de um conjunto de variáveis, reunir objetos (ou organizações) baseados em suas características (POHLMANN, 2007). Segundo Pohlmann (2007), ela permite classificar objetos (organizações) de acordo com características similares

em grupos/tipologias, juntando objetos com alto grau de homogeneidade de comportamento, com a possibilidade de geração de mais de um grupo/tipologia.

Para a formação dos grupos deste estudo utilizei o Método BIRSCH (Balanced Iterative Reducing and Clustering using Hierarchies), como passos de pesquisa devidamente testados em estudos anteriores de Culti, Koyama e Trindade (2010), o que permitiu o agrupamento de variáveis numéricas como categorias de empreendimentos econômicos solidários do Brasil. Saliento que, na análise quantitativa, usei o pacote estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 16 em todos os procedimentos.

A análise de cluster foi empregada no intuito de criar grupos/tipologias de empreendimento econômico solidário (EES) de comportamentos similares, de acordo com cada dimensão, conforme Quadro 7.

Quadro 7 – Possíveis Dimensões e Respectivas Categorias de Análise

Dimensões Categorias de Análise

Sociopolítica

- Efetivação da democracia autogestionária na tomada de decisões, no nível interno (participação e engajamento);

- Participação institucional (redes e articulações); Econômica - Economia Mercantil; - Economia Não-Mercantil;

- Economia Não-Monetária; Organizacional

- Infraestrutura;

- Estrutura organizacional e Habilidades gerenciais e técnicas;

- Acesso aos meios de produção e ao crédito; Ambiental

- Padrão de apropriação, utilização e gestão dos recursos naturais;

- Consciência ambiental através de ações.

Fonte: Elaboração do autor a partir de Sachs (2004), Reis (2005), Reis e Meira (2005), Reis e França-Filho (2005), Andion (2007) e Golusin e Ivanovic (2009).

Assim, foram criados, para cada dimensão, grupos/tipologias de práticas organizacionais presentes nos EES’s do Oeste Potiguar e, em seguida, foram listadas diferenças de perfis de cada grupo e respectivas relações com os princípios da economia solidária.

Para efeitos desta pesquisa, tal método auxiliou na verificação dos perfis de EES preponderantes em cada dimensão. Com o resultado, determinei as categorias e variáveis de cada dimensão que exibiam alta relevância ou que geraram inquietações, e, então, aprofundei o conhecimento destas manifestações no cotidiano dos empreendimentos tendo em vista uma análise qualitativa, após filtragem dos EES’s do Bando de Dados do SIES/MTE para o Oeste Potiguar que apresentaram as principais características presentes na análise de cluster.

Esta etapa teve o papel fundamental para a averiguação tanto do comportamento dos EES’s através de características homogêneas como dos perfis com maiores percentuais de empreendimentos existentes e suas relações com os princípios da economia solidária. Isto permitiu a seleção de categorias e variáveis com maior relevância nas práticas organizacionais dos EES’s que mereceriam exame na abordagem qualitativa.

Na segunda etapa da pesquisa, de caráter qualitativo, utilizei a técnica de grupo focal16 (FLICK, 2002) para melhor esmiuçar as dimensões da gestão social relacionadas aos princípios da Economia Solidária, constatadas na análise de conglomerado dos grupos/tipologias com percentuais relevantes (por dimensão) e manifestas na rotina das práticas organizacionais dos empreendimentos contemplados no estudo. Assim, foi feita uma combinação de observação direta, análise documental e grupo focal junto aos EES’s selecionados, a partir da amostra social, para a realização da pesquisa qualitativa, cujos critérios de escolhas são delineados no início da análise qualitativa.

Na análise dos dados obtidos, depois da análise documental e do grupo focal, foi empregada a análise de conteúdo numa perspectiva de compreensão, e, descrição e análise para atribuir um significado à complexidade do tema, sem apego a aspectos quantitativos, o que não traria colaborações significativas ao debate teórico pretendido nesta etapa da pesquisa (DELLAGNELO e SILVA, 2006).

Desta forma, a análise de conteúdo, de natureza categorial, foi desenvolvida sob o estrito foco de categorias com maiores cargas fatoriais no âmbito das dimensões selecionadas: sociopolítica, econômica, organizacional e ambiental. Tais dimensões foram, então, adotadas como categorias analíticas.

3.1. Estratégia de Pesquisa

A pesquisa teve como estratégia, o estudo de caso porque o objetivo do trabalho foi a abordagem de experiências organizacionais de empreendimentos econômicos solidários, no Oeste Potiguar, inseridas num contexto particular (YIN, 2002).

16 Os grupos focais conforme Trentini e Gonçalves (2000) apóiam-se em entrevistas grupais voltada num

processo de interação e participação dos envolvidos, no qual o pesquisador torna-se moderador enfatiza a compreensão dos problemas do ponto de vista do grupo em estudo. Segundo Leopardi et al (2001) o foco não se encontra na análise dos conteúdos manifestos nos grupos, mas sim no discurso que permite inferir sobre o foco da pesquisa.

Conforme Yin (2002), trata-se de uma investigação empírica centrada em um fenômeno contemporâneo dentro do contexto real, especificamente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidos.

Na seleção da amostra social para a abordagem qualitativa, por não se referir à generalização estatística, como, por exemplo, a amostragem probabilística, “não é necessária, nem mesmo justificável” a adoção de técnicas estatísticas para a definição da amostra social (MERRIAM, 1998). A escolha da amostra social não foi randômica, mas, intencional, com vistas a deparar-se com casos ricos em informações. Determinou-se uma amostra social com a qual se pudesse aprender e, com base nesta, elaborar uma generalização teóricas-analítica.

A seleção dos casos, em sentido amplo, considerou os seguintes critérios: caracterizar o fenômeno como experiência viva; representar fatos densamente contextualizados; ser histórico e relacionalmente embasado; possibilitar a compreensão de aspectos processuais e interacionais; ser estranho em relação ao que já é conhecido; incorporar um atendimento a priori do fenômeno; e, finalmente, produzir entendimento (DENZIN, 1989).

3.2. Instrumentos de Coleta de Dados

Quanto aos instrumentos e técnicas de coleta de dados do estudo contou com dados secundários por intermédio de pesquisa documental obtidos na abordagem qualitativa, visto que documentos foram investigados a fim de descrever e comparar usos e costumes, tendências, diferenças (RUDIO, 1992). Elaborei uma pesquisa bibliográfica, como base em material publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral (VERGARA, 1998).

A obtenção de dados primários foi realizada, na primeira fase da pesquisa, a partir do banco de dados governamental, o Sistema de Informações da Economia Solidária (SIES), criado a partir do Mapeamento da Economia Solidária e realizado pela Senaes/MTE, cujo instrumento aplicado para obtenção dos dados foram questionários compostos de questões fechadas qualitativas e quantitativas. Na segunda fase da pesquisa foram confrontadas as categorias nos quais os perfis dos grupos tiveram maiores percentuais, bem como as questões que tiveram respostas inquietantes, com aporte teórico em gestão social de empreendimentos econômicos solidários. A partir disto, defini um roteiro semiestruturado (Apêndice C) utilizado no desenvolvimento do grupo focal junto aos membros dos grupos selecionados para essa fase.