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CAPÍTULO IV PRESENTE, PROFESSOR! A PRESENÇA MARCANTE DO

4.3 Caminhos possíveis para a Formação do Futuro Professor: contribuições apontadas

Nesta seção, abordamos os aspectos que ao nosso ver mais se destacaram neste estudo e os analisamos em maior profundidade, em consonância com a literatura selecionada. Para tanto, ressaltamos que os saberes mobilizados pelos professores que integram esta pesquisa, como já descrito nas seções anteriores, não se apartam dos saberes elencados por Tardif (2014), Gauthier (1998) e Freire (1987,1993,2019).

Em acordo com os relatos apresentados, nossas análises evidenciam que os três professores envolvidos mobilizam de forma simultânea e, muitas vezes, imbricada, saberes decorrentes das relações familiares, das interações ocorridas nas escolas onde estudaram, das apropriações culturais diversas, das experiências do cotidiano docente, das interlocuções com e sobre o currículo e dos estudos realizados durante os cursos de licenciatura, dentre outros. Verificamos, também, que este pequeno grupo é percebido pelos alunos como professores que “ensinam muito bem a matéria” ao mesmo tempo em que cultivam sentimentos e atitudes que agregam um “tempero” a mais às suas aulas, tais como, respeito, afeto, diálogo e autoridade traduzindo a maneira de ser e de estar desses docentes.

E para fomentar as discussões em torno dos saberes e dos conhecimentos que parecem ser atuantes quando o tema abordado diz respeito aos professores marcantes, recorremos à literatura produzida por Nóvoa (2009, 2017) visando a ampliação e o aprofundamento das reflexões até aqui formuladas.

No capítulo dois desta pesquisa, nos valemos de um artigo de Nóvoa (2009) intitulado “Para uma formação construída dentro da Profissão”. No texto, são abordadas cinco (pre)disposições que tomam por referência o entendimento de que é impossível dissociarmos as dimensões pessoais das profissionais, em se tratando dos professores, o que nos parece ser uma abordagem robusta para nossas análises. Por esta razão, citaremos brevemente as referidas disposições visando, através delas, ampliar as reflexões sobre o tema.

As cinco disposições anunciadas e abordadas no referido capítulo denominam-se Conhecimento, Cultura Profissional, Tato Pedagógico, Trabalho em Equipe e Compromisso Social. Ao nos depararmos com este texto no início da pesquisa, saltaram

aos nossos olhos as disposições relacionadas ao conhecimento e ao tato pedagógico, por vislumbrarmos sua potência frente ao tema desta pesquisa. No entanto, deixamos adormecida a nossa expectativa, pois não sabíamos ainda o que os dados sinalizariam. Assim, de posse das informações que emergiram, avistamos que as contribuições de Nóvoa muito têm a nos oferecer sobre o entendimento dos conhecimentos dos professores marcantes em articulação com as considerações até aqui empreendidas, acerca dos saberes que produzem e mobilizam.

Neste interim, buscando outras referências que nos auxiliassem neste debate, revisitamos um artigo do mesmo autor intitulado “Firmar a profissão como professor, afirmar a profissão docente” (NÓVOA, 2017), cuja compreensão nos remeteu ao aprofundamento do pensamento do estudioso em relação às cinco disposições tratadas no artigo anterior (NÓVOA, 2009).

Na segunda parte do artigo mencionado, Nóvoa (2017) apresenta uma proposta de formação de professores pautada por “Cinco posições para uma formação profissional dos professores”, assim delineadas:

1. Disposição Pessoal – Como aprender a ser professor? A primeira posição trata do perfil, da predisposição para o trabalho docente e do conhecimento de si e de ser professor;

2. Interposição Profissional – Como aprender a sentir como professor? Nesta posição Nóvoa (2017) relata a importância de se construir a formação com a presença de professores mais experientes, nas vivências escolares;

3. Composição Pedagógica – Como aprender a agir como professor? Na terceira posição, o pesquisador trata da maneira própria de ser professor;

4. Recomposição Investigativa – Como aprender a conhecer como professor? Esta posição trata do trabalho individual e coletivo, incluindo o planejamento em conjunto realizado pelo professor.

5. Exposição Pública – Como aprender a intervir como professor? Nesta posição, o estudioso evidencia que a escola tem sido um espaço importante para a construção da democracia. Neste sentido, acolher as mudanças e as novas configurações que os tempos atuais nos apresentam é importante por nos oferecerem novas possibilidades educativas. Para isso, a atuação dos professores precisa ultrapassar os muros institucionais, na tentativa de buscar a participação mais ampla da sociedade na reflexão e no encaminhamento das questões educativas.

Embora as cinco posições propostas por Nóvoa (2017) ofereçam um manancial de informações bastante considerável, nos deteremos à primeira e à terceira, tendo em vista que suas especificidades dialogam mais diretamente com o foco de nossas análises.

Na primeira delas - Disposição Pessoal - Nóvoa (2017) alerta que um curso voltado à formação do humano, como é o caso das licenciaturas, requer o conhecimento das motivações do candidato que incluem conhecer seus interesses e trajetórias e sua predisposição para a profissão. Por este motivo, reitera a necessidade de trabalhos na universidade que primem pelo desenvolvimento da autoconstrução e do autoconhecimento, uma vez que nessas profissões as dimensões pessoais se ligam fortemente às dimensões profissionais.

A estas informações o pesquisador acrescenta que a aprendizagem profissional do magistério exige o aprofundamento de três dimensões: a primeira aborda o desenvolvimento de uma vida cultural e científica que permita ao professor manter contato permanente com a ciência, a literatura e a arte. A segunda trata da dimensão ética, no tocante ao compromisso com a educação das crianças e dos jovens. A terceira visa a compreensão da imprevisibilidade e da incerteza que a profissão requisita, isto porque, no cotidiano escolar nos deparamos a todo tempo com a imprevisibilidade dos acontecimentos que exigem soluções urgentes e nem sempre de fácil elaboração. Este cenário, demanda do professor um olhar focado no conhecimento de si, no desenvolvimento do seu próprio ser e da profissão que escolheu (NÓVOA, 2017).

Sob esta perspectiva, o pesquisador recomenda às instituições formadoras que promovam um conjunto de ações que contemplem acompanhamento e reflexões desde os primeiros dias de aula , por meio da adoção de práticas que fomentem o autoencontro e o autoconhecimento do futuro professor. Considera o pesquisador que encaminhamentos dessa espécie o incitarão a fazer escolhas mais conscientes e o ajudarão a minimizar os transtornos causados pelas demandas e agruras da profissão que, por vezes, fazem com que muitos se desinteressem e abandonem a carreira.

Atentos a essas questões, Vasconcellos e Andrade (2019) informam que o envolvimento dos licenciandos em situações reais de ensino, calcadas no estudo da literatura da área, no planejamento e no desenvolvimento de atividades colaborativas tecidas entre professores e futuros professores constituem-se em campo fértil para a produção de aprendizagens pessoais e profissionais que reduzam as dificuldades mencionadas. Recomendam, ainda, que no decorrer e ao final desse percurso, os

professores tenham a oportunidade de refletir sobre suas percepções e analisar os acontecimentos que afloram das práticas planejadas e implementadas coletivamente.

Resultados de pesquisas que contemplam este enfoque têm evidenciado que propostas inspiradas por esta abordagem contribuem para a potencialização do sentimento de autoconfiança, maior clareza sobre o exercício profissional e segurança frente aos desafios do campo pedagógico, seja por parte dos licenciandos ou dos professores envolvidos (REZENDE, 2019; VASCONCELLOS e ALMEIDA, 2019).

Na terceira posição, denominada Composição Pedagógica, Nóvoa (2017) descreve que não há dois professores iguais. Por mais que se trate de um percurso social, cada um carrega consigo as suas particularidades e precisa encontrar a sua maneira própria de ser professor, de realizar a sua composição pedagógica. Acrescenta o estudioso que pensar sobre este tema exige refletirmos sobre a seguinte questão: qual e a quem pertence o conhecimento relevante e pertinente para formar um professor?

O autor reconhece a existência de um terceiro conhecimento que admite a impossibilidade de apartamos a dicotomia redutora entre o conhecimento das disciplinas e o conhecimento pedagógico. Nóvoa (2017) adverte que o conhecimento das disciplinas requer do professor um domínio mais orgânico, histórico, contextualizado e compreensivo da disciplina que vai lecionar do que um especialista da mesma área. Por sua vez, o conhecimento pedagógico contempla questões psicológicas relacionadas ao conhecimento das crianças e dos jovens, à cognição, às aprendizagens, às questões ligadas aos contextos sociais, à história, às políticas educativas e por fim às metodologias, às didáticas e às produções de conhecimento.

Pois bem, se já é sabida a existência do conhecimento específico das disciplinas e do conhecimento pedagógico, de que nos interessam às reflexões de Nóvoa (2017) a respeito do terceiro gênero de conhecimento?

O autor afirma que é impossível assegurar a trilogia necessária à formação do professor, sem assumirmos este terceiro eixo apresentado como conhecimento profissional docente.

Para melhor explicitar este conceito, o estudioso busca defini-lo através de três aproximações distintas. A primeira delas é inspirada pelos trabalhos de Spinoza, abordados por Deleuze (1980-1981) no curso que ministrou na Universidade de Paris VIII- Vincennes.

O terceiro gênero de conhecimento ou o conhecimento intuitivo vai além das relações, da sua composição ou decomposição. É o

conhecimento das essências [...]. Deleuze prossegue afirmando que os gêneros do conhecimento são mais do que apenas gêneros de conhecimento. São modos de existência. São maneiras de viver (DELEUZE,1980-1981 apud NÓVOA, 2017, p.1126).

Com base neste trecho, Nóvoa (2017) esclarece que este terceiro gênero de conhecimento se dá na compreensão da “essência” do ensino, compondo uma maneira de viver, de ser e estar na profissão.

A segunda aproximação que Nóvoa (2017) apresenta refere-se às considerações de J. F. Herbart acerca do que denomina tato pedagógico:

Trata-se de compreender o senso, a inteligência e a compostura pedagógica que definem os professores que, mais naturalmente, exercem a sua acção. A palavra ‘naturalmente’ é perigosa, pois não se trata de algo inato ou espontâneo, nem mesmo de talento, mas antes de um trabalho sistemático de compreensão das relações [...] (NÓVOA, 2017, p. 1127).

Dito de outro modo, o tato pedagógico contempla a capacidade do professor de se relacionar e se comunicar no ato de educar, bem como o respeito que conserva junto aos alunos, ou seja, “[...] refere-se ao saber conduzir alguém para outra margem, [posto que] o conhecimento, não está ao alcance de todos. [Portanto], no ensino, as dimensões profissionais cruzam-se sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais” (NÓVOA, 2009, p. 352).

A terceira aproximação de que trata Nóvoa (2017) refere-se à ideia de discernimento, isto é, trata-se da capacidade de julgar e tomar decisões no dia a dia do trabalho. Afinal, “Ser professor não é apenas lidar com o conhecimento, é lidar com o conhecimento em situações de relações humanas” (NOVOA, 2017, p. 1127).

Este ponto merece ainda mais relevo visto que o cotidiano profissional docente é tomado por incertezas, urgências e imprevisibilidades, haja vista que, embora seja impossível ter respostas prontas para as situações adversas que surgem a todo momento, o ambiente de trabalho do professor exige discernimento para que as experiências refletidas lhes permitam dar significado pedagógico às frequentes decisões.

Nóvoa (2017) afirma, ainda, que as três aproximações citadas nos permitem perceber a complexidade deste conhecimento que não se limita à dimensão específica ou à perspectiva pedagógica, por contemplar uma “maneira de ser professor” construída na compreensão das relações pautadas na essência do humano.

Neste percurso, Nóvoa (2017) afirma que aprender a agir como professor é “Compreender a importância deste terceiro conhecimento, deste conhecimento profissional docente, que faz parte do patrimônio da profissão e que necessita ser alçado ao lugar que merece na formação de professores” (NÓVOA, 2017, p. 1128).

Com base nessas reflexões, deixamos aqui registrada nossa hipótese acerca da ideia de que os professores considerados marcantes, possivelmente, desenvolveram de modo expressivo esse terceiro conhecimento no percurso de suas carreiras.

Vindo ao encontro de Nóvoa temos nas obras de Paulo Freire uma valiosa fonte de informações que enriquece nossas reflexões sobre a prática educativa. Em capítulos anteriores, nos referimos aos saberes que o autor julga necessários a esta prática e aqui o retomamos por entendermos que se trata de um aspecto essencial para a compreensão da principal dimensão que nossa pesquisa aponta: a dimensão humana que atravessa e abraça os saberes, os conhecimentos e as práticas docentes, com atenção especial para os professores marcantes.

Se, as palavras de Nóvoa (2017) nos convidam a enxergar a indissociabilidade entre a pessoa e o profissional docente, em Freire (1987, 1993, 2019) temos a chance de olhar mais a fundo a importância atribuída ao respeito, ao acolhimento, ao afeto, ao diálogo e a tantas outras características que nos constituem como humanos e que, portanto, se fazem presentes nas ações dos professores.

Na obra Pedagogia da Autonomia já relatada neste estudo, Paulo Freire (2019) alinhou e discutiu os saberes que julgou necessários à prática docente crítica e progressista. É fato que a primeira edição deste livro tem várias décadas, mas a opulência do seu conteúdo permanece robusta e atual.

No livro, Freire (2019) aborda o rigor e a doçura, a lucidez e a utopia, a fraqueza do opressor e a fortaleza do oprimido. Nos ensina em cada palavra que o desejo dos educadores precisa ser suficientemente forte para que tenham condições de enfrentar as lutas a serem travadas, frente às dificuldades da profissão, sem perder de vista que toda ação pedagógica precisa ser plena de amor e de vigor.

Por fim, julgamos imprescindível destacar que os resultados dessa pesquisa e os estudos que demandou, para além de nos ajudarem a perceber traços que distinguem e tornam marcantes determinados professores, nos permitem defender com clareza a urgente necessidade de ensaiarmos propostas que contemplem, de modo consistente, a dimensão humana como foco dos processos formativos – incluindo a trajetória escolar, a

formação docente nos mais diversos níveis e o exercício profissional – assumindo-a como requisito indispensável à vida!

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso intuito ao realizar a pesquisa sobre o tema “professores marcantes” se pautou pelo interesse em compreender quais conhecimentos e/ou saberes os professores da educação básica eleitos por seus alunos como marcantes, mobilizam para que assim sejam qualificados.

Sabíamos de antemão que as marcas poderiam se dar de forma positiva ou negativa e escolhemos investigar as marcas positivas por supormos que geram contribuições para os sujeitos, a ponto de mudar suas histórias, rever suas posições, interessar-se ainda mais pelos estudos ou abrir novas perspectivas sobre si e sobre a vida. Ainda que a marca negativa possa ter algum valor, não tínhamos a segurança de que seria algo edificante, uma vez que relembrar episódios angustiantes poderia ser, em alguma medida, prejudicial aos sujeitos investigados. Não sendo este o caminho que escolhemos e entendendo que as polarizações não trariam resultados proveitosos, mantivemos o propósito inicial e nos dedicamos ao estudo das nuances compreendidas pelas marcas que, positivamente, são significativas para os alunos.

Com este enfoque assumido, apartamos ideias referentes ao bem e ao mal, ao bom e ao ruim, ao melhor ou ao pior. Tomamos esta decisão porque nossa intenção não agrega vieses como esses, por termos consciência de que somos seres inacabados e estaremos sempre em construção (FREIRE, 2019). Com base nesta compreensão, desde o início, lançamos nosso olhar sobre cada etapa desta pesquisa comprometidas com a ética, a partilha e a troca de saberes.

Tínhamos e temos a esperança de que, de algum modo, as informações adquiridas possam servir de ensejo para a revisão e a reconfiguração de práticas educativas cada vez mais condizentes com princípios humanos, especialmente, no que tange à formação inicial. Assim sendo, os frutos deste trabalho, longe de apresentarem conclusões, visam contribuir para a compreensão dos desafios que temos enfrentado com relação à formação inicial dos professores. Portanto, investigar os saberes e os conhecimentos que professores considerados marcantes mobilizam foi uma forma de averiguar o que fizeram para que assim fossem eleitos. Ou seja, quais são suas propostas? Como desenvolvem suas aulas? Como tratam e são tratados pelos alunos?

A partir dos dados analisados nesta pesquisa observamos que os registros dos alunos nos mostram a relevância do diálogo, do afeto e do respeito nas relações interpessoais e no trabalho pedagógico. Buscamos elucidar que o professor marcante,

além de “explicar muito bem a matéria”, tece suas aulas com amorosidade, acolhimento, alegria, escuta e encorajamento, integrando seus interesses no contexto da aula. Assim, percebemos que a dimensão humana teve destaque no âmbito desta pesquisa e verificamos que algumas das nossas suposições iniciais não se confirmaram com o seu desenvolvimento. A primeira delas diz respeito à disciplina lecionada, ou seja, os professores eleitos atuam em áreas diferentes do conhecimento, tais como, Geografia, História e Matemática evidenciando que, naquele contexto, não há relação direta entre os professores designados como marcantes e as disciplinas que ministram.

O segundo elemento trata da faixa etária e do tempo de experiência no magistério. A pesquisa mostrou que a idade e o tempo de exercício na docência também não foram fatores sobrepujantes, uma vez que eles têm idades e tempo de experiência no magistério distintos. Pudemos ainda notar que a escola também tem sua importância nessa presença do professor marcante. Ainda que não tenha sido o foco do nosso estudo, o espaço físico e social da escola e o que ela representa para os estudantes e os professores, também pode ter interferido positivamente. Sendo um espaço agradável e socialmente construído pelos professores, estudantes e demais profissionais da escola.

Além das ressalvas citadas, cabe salientar que, apesar de terem sido indicados como marcantes, os três docentes não estão imunes à profunda precarização a qual estão submetidos gerando consequências para sua saúde física e mental e para a convivência familiar. Durante os depoimentos, foram enfáticos ao expressar descontentamento com sucessivos atrasos no pagamento dos salários e com o grande volume de trabalho que exige a continuidade do atendimento das demandas no ambiente doméstico. Também explicitaram a impossibilidade de se alimentarem devidamente em virtude do grande desperdício de tempo investido no deslocamento entre suas residências e as duas, três, quatro ou mais escolas nas quais atuam a fim de tentar arcar com as despesas elementares. Este mosaico, formado por retratos projetados por professores do século XXI, ajudam a entender os motivos pelos quais assinalaram que mais da metade dos colegas de profissão têm poucas horas por dia para dormir e, mesmo assim, só o fazem à base do uso de medicamentos.

O que pensa uma sociedade que fecha os olhos para situações como esta? Será que ainda não compreendemos as relações que existem entre muitas das mazelas sociais que enfrentamos e a falta de investimento e de valorização da educação pública? Até quando seremos coniventes?

Defendemos a urgência de nos posicionarmos contrários a esta configuração exigindo a efetivação de políticas públicas voltadas à reversão deste triste cenário que fragiliza e adoece o magistério e atinge a escola.

Intrigante é observar que, apesar deste quadro, as dificuldades anunciadas não impediram que os três professores se destacassem e fossem eleitos como marcantes. Isso pode ter relação com uma possível busca pela sobreposição (ou mesmo predomínio) de aspectos ligados à dimensão humana e ao compromisso profissional, às dificuldades enfrentadas.

Com o intuito de oferecer novas reflexões sobre o assunto, apresentamos um trecho da obra “O direito à Ternura”, de Restrepo (1998), na qual o autor aponta um caminho que pode nos ajudar a traçar um percurso ainda pouco explorado pela educação:

Os sentimentos não podem continuar confinados ao terreno do inefável, do inexprimível, enquanto a razão ostenta uma assepsia emocional, apatia que a coloca acima das realidades mundanas. A separação entre razão e emoção é produto do torpor e do analfabetismo afetivo a que nos levaram um império burocrático e generalizador que desconhece por completo a dinâmica dos processos singulares (RESTREPO, 1998, p. 37).

Não sabemos se os professores e os estudantes, sujeitos desta pesquisa, concordariam com as palavras de Restrepo (1998), mas reconhecemos em suas declarações que o analfabetismo afetivo de que fala o autor passa longe da natureza das relações que estabelecem na convivência diária.

Em nossa ótica, este mundo que se apresenta na segunda década do século XXI repleto de mudanças, adversidades e imprevistos jamais pensados, requer a retomada e a apropriação das ideias registradas nas diferentes obras de Paulo Freire e uma considerável dose da inspiração de Restrepo (1998), na construção de uma pedagogia que contemple a dimensão humana como fundamental aliada aos processos de ensino.

Sem deixar de lado o rigor científico, nos parece válido apostar num trabalho de autoconhecimento, de autoconstrução e de formação (NÓVOA, 2017) que contemple a pessoalidade do professor e a dimensão humana com vistas a constituir um ciclo virtuoso que envolva as novas gerações e produza um outro modelo de sociedade.

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