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MAPA 5 Planta de Facundo

3 O CAMPESINATO E OS COSTUMES – A DISCUSSÃO QUE OS PERMEIA

3.2 Breve historicização: a discussão teórica em torno do campesinato

3.2.2 Campesinato – “O outro lado da moeda”

Por outro lado, destacam-se os estudos de Chayanov (1974), que mostra a produção camponesa, não como uma forma de produção em extinção, mas em processo de reprodução, centrada na relação entre o trabalho e o consumo familiar.

Tal abordagem materializa-se em seu livro “La Organización de la Unidad Económica Campesina” (1974), no qual a unidade de exploração camponesa é fonte criadora de seu próprio modo de vida, fato perceptível no assentamento Ingá/Facundo, principalmente

nos relatos dos camponeses durante as entrevistas, o que nos permite concordar-se com Castells (1979) e Bernardes (1996) quando afirmam que “a riqueza da teoria reside na sua constatação prática” (BERNARDES, 1996, p. 325-326).

Em sua continuidade, o campesinato realiza-se na relação trabalho-consumo, sendo necessário que haja, conforme o autor, um equilíbrio entre o consumo da família e a auto-exploração do trabalho realizável no período de um ano, participando das atividades produtivas todos os membros da família (pais, crianças, primos, sobrinhos, avós...). O camponês teria por objetivo geral atender a demanda de sua família, sendo que cada integrante contribuiria com sua força de trabalho para garantir a sua própria sobrevivência, sem receber remuneração.

Chayanov (1974) parte da análise de um modo de produção camponês não capitalista, cujas unidades elementares são constituídas por famílias de trabalhadores, no qual a sua produção é destinada principalmente à auto-subsistência da família, sendo voltada ao comércio apenas uma parte desses produtos. Percebemos, assim, que o pequeno produtor camponês não é um empresário capitalista, não procura maximizar os lucros, mas sim viver na e da terra. Evidentemente que não se pode tomar tal assertiva como uma generalização nesse início de Século XXI.

O que se apreende no campo, com as novas gerações, é que os agentes sociais têm desenvolvido novas “necessidades”, impostas ou não pelo sistema capitalista, mas que são fatos em áreas rurais e como tais promovem uma perspectiva de vida diferente dá idílica que fora defendida por Chayanov (1974) ou mesmo por Wanderley (2000; 2006). Pois a “bela” equalização da ‘aldeia global’, citada anteriormente, não se realiza num mundo cada vez mais dividido pelo acesso diferenciado aos ‘benefícios’ da modernidade (MORAES, 2005), mas possibilita reflexos nas classes sociais inevitavelmente, inclusive no espaço agrário.

O viver na e da terra essencialmente materializa-se por meio de ocupações, acampamentos, embates, resistências na terra, seja tentando garantir tanto sua permanência nela, quanto o acesso aos que já foram expulsos ou se encontravam na iminência de expulsão. Também se destacam os pequenos proprietários que lutam por sua sobrevivência, que é ameaçada por contratos de integração com as agroindústrias, pelas dívidas com bancos e pela falta de apoio das políticas públicas, condenando-os a uma concorrência, sempre desvantajosa, com os produtores capitalizados.

Nessa perspectiva, a composição familiar determinaria a quantidade de trabalho necessário à sua sobrevivência e manutenção da propriedade no transcorrer do período que antecede a próxima colheita.

Mas é preciso destacar que a insuficiência de terras e meios de produção, na unidade de exploração camponesa, pode levar a família camponesa a empregar parte de seus trabalhos em atividades não agrícolas.

Vemos aquí que cuando la tierra es insuficiente y se convierte en un factor mínimo, el volumen de la actividad agrícola para todos los elementos de la unidad de exploración se reduce proporcionalmente, en grado variable pero inexorablemente. Mas la mano de obra de la familia que explota la unidad, al no encontrar empleo en la explotación se vuelca...a actividades artesanales comerciales y a otras actividades no agrícolas para alcanzar el equilibrio económico con las necesidades de la familia...(CHAYANOV, 1974, p.101).

Todavia, uma questão essencial que deve ser extraída sobre a organização da economia camponesa, à luz de Chayanov (1974), é o padrão de vida tradicional estabelecido pelos costumes e hábitos do homem do campo, refletindo esses na dimensão das exigências de consumo à aplicação da força de trabalho.

Chayanov (1974) parte de uma perspectiva microeconômica para explicar a lógica camponesa. O inverso ocorre com Marx e os que lhe sucederam, cuja perspectiva parte do sistema econômico para a análise da relação campesinato/capitalismo. É assim formulada a teoria do investimento camponês.

Para Chayanov a família é o fundamento da empresa camponesa – na sua condição de economia sem assalariamento, uma vez que é tanto o ponto de partida quanto o objetivo da sua atividade econômica. Como única fonte de força de trabalho a família é o suposto da produção, cujo objetivo nada mais é [que] o de garantir a própria existência da unidade camponesa é, pois, a um só tempo unidade de produção e unidade de consumo e encerra, concomitantemente, as funções das esferas de produção e reprodução de tal modo que ‘(...) a família e as relações que dela resultam têm que ser o único elemento organizador da economia sem assalariados (CHAYANOV, 1923, p. 9, apud CARVALHO, H., 2005, p. 18)

Ao analisar a obra de Chayanov (1974), apreende-se que este busca explicar o que os marxistas não conseguiam ver ou não tinham visto, ou mesmo, uma definição de camponês que apresenta como base a própria família e as determinações que a estrutura familiar impõe sobre o comportamento econômico.

O que se percebe, ao analisar os estudos dos clássicos, é que o sistema capitalista não destruiu a unidade camponesa. Os processos sociais que determinam suas existência são mais contundentes do que aqueles que proporcionam a sua extinção. Evidentemente, que as

mudanças sobre essa classe social devem ser consideradas historicamente, posto que tais mudanças caracterizam-se por processos contínuos intencionais ou não do capitalismo.

Nessa ocasião, remetemo-nos às palavras de Teodor Shanin, que friza o seguinte: “Se os camponeses continuam existindo nos dias de hoje é provável que continuem a existir por muito tempo” (SHANIN,1980 apud MOURA, 1986, p. 17).

Moura (1986, p. 17) complementa tal afirmação colocando que

A importância dessa afirmação reside no fato de que se o sistema capitalista dominante, que determina a organização do trabalho e da apropriação da terra em muitas formas sociais espalhadas pelo mundo, não erradicou o camponês. Em outras palavras, os processos sociais que viabilizam a existência do camponês têm sido mais expressivos e fortes do que aqueles que o levam à extinção.

Assim, torna-se mais fácil falar em (re) criação e mesmo redefinição do campesinato do que afirmar terminantemente que o camponês está próximo de ser extinto.

Esperamos, assim que a Dissertação contribua para o conhecimento de uma questão ainda não resolvida na sociedade brasileira: a questão agrária discutida sob os aspectos socioculturais.

3.3 Conceitos e características do camponês: seus elementos constitutivos, seu espaço e