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Capítulo II – Gêneros do discurso: bases teóricas

2.2. Campo/esfera

Bakhtin afirma que os três elementos, ou seja, conteúdo temático, estilo e

construção composicional estão indissoluvelmente ligados ao enunciado igualmente de maneira indissolúvel ligado a campo ou esfera de comunicação. Algumas considerações sobre esfera ou campo são relevantes. No artigo Esfera e campo do livro “Bakhtin outros conceitos-chave” organizado por Brait, Grillo (2006) comenta que Bakhtin e seu círculo deram origem aos pensamentos mais influentes do século XX e destaca a natureza interdisciplinar de diversos domínios das ciências humanas (a Filologia, a Filosofia da Linguagem, a Linguística,, a Sociologia, a Estética, a História, a Antropologia) e por isso o grupo orientado por Bakhtin foi capaz de realizar uma linha teórica e de pesquisa inesgotável em uma única disciplina acadêmica; a da Comunicação Discursiva. Para a autora (2006) o conceito de esfera da comunicação está presente por toda a obra de Bakhtin e seu círculo, ora discutindo sobre a perspectiva da teorização dos aspectos sociais nas obras literárias, ora a natureza de domínio verbal da linguagem humana.

A obra do círculo bakhtiniano reflete sobre a inter-relação entre as diversas esferas de produção ideológica e a posição do circulo se constrói no diálogo com o marxismo e com o formalismo russo, que são duas correntes teóricas da época. Bakhtin se opõe às ideias do formalismo russo de um núcleo imanente de estudos literários, que escaparia da influência socioeconômica e das outras esferas ideológicas (religião, educação, ciência etc.) Em seus estudos acerca da obra de Dostoiévski (capítulo presente na coletânea de Estética da criação verbal, 1992) Bakhtin mostra que as relações sociais expressas em seus personagens não são inventadas, mas apreendidas da realidade de sua época. Essa “reelaboração” se dá através da polifonia em que as ideias advêm da interação dialógica. A obra literária como produto ideológico, não é uma copia do real ou criação, mas um modo próprio de refração, abstração e obtenção de realidades sociais segundo a esfera de atividade artística.

Em “Marxismo e filosofia da linguagem”Bakhtin/Voloshínov acrescentam com relação a esfera ideológica que:

No domínio dos signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da formula cientifica, da forma jurídica, etc. Cada campo da criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação para a realidade e refrata a realidade a sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua própria função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos os fenômenos ideológicos sob a mesma definição geral (2009, p. 33).

O círculo bakhtiniano admiti, por um lado as especificidades de cada campo ou esfera, e por outro lado a constituição semiótica em particular; o signo linguístico. Segundo Grillo“ a onipresença social da palavra, ou seja, a sua influência a todos os campos ideológicos( ciência, religião, literatura, etc.) confere-lhe o estatuto privilegiado para o estudo da organização dos diversos campos” (2006, p. 144).

Na interação verbal tomam forma os signos ideológicos, a língua, a intersubjetividade, fatores externos e internos à esfera. O circulo ao tratar de interação verbal estabelece uma diferença entre os sistemas de esferas ideológicas constituídas e a ideologia do cotidiano. A ideologia do cotidiano liga-se a palavra interior e os atos da consciência humana.

Bakhtin/Voloshiniov (2009) faz distinção entre as duas modalidades de caráter ideológico, ou seja, esferas constituídas e a ideologia do cotidiano, que segundo o autor possuem no cotidiano um forte fator biográfico e biológico sendo constituídos por atividades mentais. Essas atividades mentais e seus contextos de produção é o que Van Dijk em Discurso e contexto chama de modelos mentais, relacionados a contexto, e afirma que “contextos são experiências únicas” (2011, p.34) e acrescenta ainda:

Os contextos são modelos mentais. Teoricamente, os construtos subjetivos dos participantes serão explicados em termos de modelos mentais de um tipo especial, a saber, os modelos de contexto. Esses modelos representam as propriedades relevantes do entorno comunicativo na memória episódica (autobiográfica) e vão controlando passo a passo os processos de produção e compreensão do discurso (2011, p. 34).

Bakhtin/Valoshinov (2009) falam dessas atividades mentais como sendo pensamentos confusos acendendo e apagando em nossas almas, gerando palavras inúteis ou fortuitas, e seu contato direto com as esferas ideológicas constituídas tornam-se mais suscetíveis a sua influência.

Os tipos de discurso da vida cotidiana ou gêneros cotidianos tais como a ordem, um relato autobiográfico de acontecimentos do dia, as conversas de operários à hora do almoço, a entrevista em um talk show, as conversas de salão ou da mesa de um bar sofrem distinção, de acordo com a perspectiva do círculo bakhitiniano, na teorização das esferas, pois esses tipos de discurso da esfera cotidiana ocorrem na ideologia do cotidiano, por intermédio das interações, diferentemente dos gêneros que ocorrem nas esferas ideológicas constituídas, como acontece com a literatura por exemplo.

O discurso alheio no romance é analisado por Bakhtin no texto “A pessoa que fala no romance” de 1934/1935 ao mesmo tempo que trata de outros domínios da vida e da criação ideológica, logo de campo e esfera. Assim, seu ponto de partida é a questão da palavra alheia, que desempenha um papel fundamental na construção ideológica do ser humano, ou seja, do outro, e se apresenta como palavra autoritária e persuasiva no interior desse ser humano.A palavra autoritária está obviamente relacionada às posições de poder que exigem reconhecimento e assimilação e estão no discurso de “ autoridades” socialmente reconhecidas como são os casos do discurso do padre, do pai, do professor,do adulto, do cientista, do médico etc. A palavra interiormente persuasiva, das diversas esferas ideológicas, tais como família, escola, religião, ciência, está entrelaçada com o ser humano em formação, sendo para o processo de independência, recurso fundamental.

A palavra está presente em todos os domínios, campos ou esferas da criação ideológica. Bakhtin após essa distinção, passa a analisar a palavra alheia em diversas esferas: política, jurídica, religiosa, da ciência natural etc. “Portanto, as esferas são determinantes para a compreensão da presença e do tratamento dado à palavra alheia” (1992, p.145).

Para sintetizar esta questão de campo/esfera presente em toda obra do circulo de Bakhtin pensemos nas especificidades presentes nas produções ideológicas

(obras literárias, artigos científicos, reportagem de jornal, livro didático etc.). Contudo, Bakhtin sobre esse assunto (campo/esfera) vai acrescentar:

“As esferas dão conta da realidade plural da atividade humana ao mesmo tempo que se assentam sobre o terreno comum da linguagem verbal humana”. Essa diversidade é condicionadora do modo de apreensão e transmissão do discurso alheio, bem como da caracterização dos enunciados e de seus gêneros” (1992,p. 147).

A respeito da diversidade dos gêneros do discurso em cada campo da atividade humana, Bakhtin (1992) ressalta que:

A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se desenvolve e se complexifica um determinado campo. Cabe salientar em especial a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos) (p. 262).