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Capítulo II – Gêneros do discurso: bases teóricas

2.6. Conteúdo temático

Para Bakhtin/Valochínov em Marxismo e filosofia da linguagem (2009) o sentido da enunciação completa o seu tema. O tema deveria ser único. Se o tema não for único, não há uma base sólida para definir a enunciação. Ele está indissoluvelmente ligado à enunciação.

O tema da enunciação é individual e é também uma expressão concreta da historicidade. Na expressão: “Que horas são?”, por exemplo, sua significação está relacionada a cada palavra que compõe essa pergunta. O tema relaciona-se ao contexto socio-histórico em que essa pergunta se efetua. Se o marido faz essa pergunta à mulher de manhã antes de sair da cama, ele pode estar atrasado para ir trabalhar. O advogado, ao fazer essa pergunta, pode estar esperando uma testemunha importante para o caso em que trabalha. O menino que joga bola na rua pode fazer a pergunta por ele julgar estar perto da hora de jantar. O aluno pode perguntar a hora por estar se aproximando do momento do intervalo e assim por diante....

O tema da enunciação é determinado não somente pelas formas linguísticas, as palavras, a morfologia ou a sintaxe, mas principalmente pelos elementos que não são verbais na situação.

“O tema da enunciação é concreto; tão concreto como o instante histórico ao qual ele pertence” (2009, p. 134).

Somente a enunciação efetivamente tomada como fenômeno essencialmente histórico possui um tema.

O tema e seu interior são constituídos sem sua enunciação de significação. Por significação, diferentemente do que entendemos por tema, são elementos idênticos e reinteráveis cada vez que forem repetidos. Complementa Bakhtin/Valochínov que

o tema da enunciação é na essência irredutível à análise. “A significação da enunciação, ao contrário, pode ser analisada em um conjunto de significações ligadas aos elementos linguísticos que a compõem” (2009, p.134).

Por exemplo, no enunciado “Que horas são?”, a significação se relaciona às relações morfológicas e sintáticas das formas de entonação interrogativas e é idêntica em todas as instâncias históricas em que é pronunciada. Diferente do enunciado “Porque não ensinar gramática na escola”, que, embora haja uma digressão em torno da palavra “não”, que pode pressupor significação mesmo que de ordem semântica por propor duplo sentido, só é possível compreender sua significação a partir de um contexto socio-histórico de quem propôs essa discussão, em que esfera de atividade humana e para qual interlocutor. A digressão em torno da palavra “não” é um aparato técnico para que se entenda e se realize o tema do enunciado. É perfeitamente possível concluir não haver tema sem significação e significação sem tema. Se o tema não se apoiar na significação pode perder sua ligação com o compreensível. É perfeitamente cabível a afirmação de Valochínov de que “a multiplicidade das significações é o índice que faz de uma palavra uma palavra” (2009, p. 135).

O tema é uma atribuição dos enunciados completos em sua significação e em seu conteúdo extralinguístico constituído sócio-históricamente podendo pertencer a uma palavra isolada se essa palavra pertencer a uma enunciação global, como são os casos dos enunciados “fogo” ou “silêncio”, considerando-se que este último seja enunciado em um corredor de hospital, por exemplo.

Fica claro que há uma inter-relação entre significação e tema e esta inter- relação se dá pela palavra e pelo discurso, considerando haver um estágio superior que corresponde ao tema, que é a capacidade real de significar e um estágio inferior correspondente à significação, que nada quer dizer em si mesma e significa no interior de um tema constituído, concreto, claro e materializado. O estágio superior, o tema, constitui-se, nesse caso, na investigação de determinada palavra no âmbito da significação contextual, nas condições de uma enunciação concreta. No caso do estágio inferior, o da significação, a investigação da significação da palavra no sistema da língua acontece, em outras palavras, por intermédio de um dicionário.

Relembremos as condições relacionadas ao enunciado monológico. Trata-se de ser possível fazer uma analogia entre a significação e o enunciado monológico, considerando que qualquer tipo de compreensão ativa deve pressupor uma resposta. Apenas essa compreensão ativa permite que compreendamos o tema. A nossa compreensão submete-se a outrem, a relação locutor-interlocutor buscando adequação em um determinado contexto. A cada processo enunciativo que estamos para compreender elaboramos palavras nossas para o processo responsivo.

A significação tem uma relação intrínseca com o signo linguístico e o tema com o signo ideológico. O tema correlaciona-se diretamente com o discurso e especificamente com a enunciação quando a correlação da significação, que envolve a construção de sentidos, assim como os efeitos de sentidos, se dá por intermédio da palavra. Trata-se do sentido do signo e do enunciado, da significação e do tema, reiterando que seja impossível para a construção de sentido ou de efeitos de sentido dissociar tema e significação. Os elementos linguísticos enunciativos relacionados à palavra, ou seja, a significação, podem ser fonéticos, sintáticos, podem ocorrer por entonação. O tema ocorre pela identificação do locutor, do interlocutor, pelo momento histórico-ideológico, pela intenção da enunciação, sua finalidade, pelos enunciados anteriores que perpassam o discurso e pelo próprio discurso em um enunciado concreto. O gênero é ligado ao discurso por meio do tema.

Embora tenhamos optado por falar de estilo, composição e tema em três grandes blocos, esses conceitos evidentemente dialogam entre si e se imbricam para delinear e materializar um conceito maior que é o conceito de gênero. Para Bakhtin (1992), a ampliação da linguagem literária que ocorre através da linguagem extraliterária está de forma inerentemente relacionada à penetração da linguagem literária em todos os gêneros (literário, cientifico, publicístico, conversacional etc.); o que vai acarretar em uma reconstrução e uma renovação dos gêneros do discurso.