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Este eixo exprime 73,45% do corpus total e expressa o preconceito direcionado à Umbanda no decurso da história brasileira, por incluir o transe mediúnico em seu ritual, aliado à memória das perseguições policiais vivenciadas por seus adeptos, até as últimas décadas do século passado, pode ser a explicação para que os umbandistas evitassem expor sua crença nos ambientes sociais cotidianos, como trabalho, escola e comunidade. Com isso, essa dimensão da identidade ficaria camuflada, ou seja, ela permaneceria sobreposta a outras que apresentassem melhor aceitação social. Assim, a identidade umbandista seria ativada e incorporada no terreiro onde haveria segurança e proteção para o exercício da “umbandidade” das filhas e dos filhos de santo.

A classe 1, Prática Umbandista, equivale a 34,39% do corpus e contempla as ações cotidianas realizadas pelos adeptos e que guardam similaridade com a doutrina religiosa que estes professavam. No cotidiano dos adeptos, o aprendizado adquirido com a frequência religiosa é exercido por meio da manutenção da autoconsciência em auxiliar aos próximos, aos familiares ou aos colegas de trabalho.

Pra mim, significa que eu faço parte de um todo, que busca é... melhorar a cada dia, que busca é... evoluir espiritualmente, a cada dia, e que busca amar ao próximo e tentar fazer o melhor pro outro, assim (Filha Kauana, UCE – Cl. 1). Com efeito, o ambiente familiar é o contexto acessível para por à prova os ensinamentos aprendidos: “Procuro sempre. Procuro sempre colocar sempre em prática no meu dia a dia... Eu percebo que eu coloco muito em prática na minha própria família” (Filha Jurema, UCE – Cl. 1).

A prática caritativa seria outra modalidade de exercitar os preceitos religiosos: “Então no meu dia a dia, eu sempre busco levar alegria, amor, ser mais paciente e me

colocar mais no lugar do próximo pra assim conseguir... é... fazer valer mesmo esses valores” (Filha Potira, UCE – Cl. 1). Essa prática é percebida como oportunidade para dar continuidade ao desenvolvimento espiritual, como ilustra a UCE, a seguir.

Pra mim, significa que eu tô fazendo uma porcentagem, talvez, do que eu me propus a fazer, né, do desenvolvimento espiritual e também da caridade de ajudar as pessoas que precisam, ajudar os espíritos que vão lá pedir algum auxílio (Filho Jandir).

A herança kardecista é expressa no estudo de literatura espírita em família: “E também todo, toda semana, a gente faz o estudo lá no culto no lar, que é também lendo alguns livros da área espírita, para poder ter um desenvolvimento melhor para um aprendizado” (Filho Jandir, UCE – Cl. 1).

Apesar de valorizar a prática do acolhimento e da caridade ao próximo, o estudo é apresentado com destaque, como elemento de vinculação com a religião.

Então, durante o dia, realmente, todo o meu dia, a gente procura ajudar essas pessoas com uma palavra amiga, com uma atitude. Mas, se for pensar no culto do lar, essas coisas assim, eu faço, mas não... poderia fazer mais, né. Mas, no dia a dia, é o que acontece (Filho Iberê, UCE – Cl. 1).

A classe 2, Autopercepção Religiosa, constitui 14,39% do corpus e refere-se ao resultado atribuído à comparação social, tendo como referência evangélicos e católicos. Os filhos de santo do Centro se veem como mais concedentes que os membros das outras duas religiões. “Eu acho que nós somos mais tolerantes, porque a gente segue os nossos preceitos e não tem essas barreiras” (Filha Bartira, UCE – Cl. 2). Essa característica é valorizada pelo grupo, conforme UCE: “Somos tolerantes. Posso dizer, eu acredito que, por exemplo, o umbandista ele é ele é mais... ele doa mais a sua, o seu tempo e a sua energia do que as outras religiões” (Filho Jandir).

Para os adeptos, a Umbanda exige maior responsabilidade de seus praticantes. “É, você tem seu livre-arbítrio, que a gente acredita muito, a questão da reencarnação. Então, eu acho que se vai lá, a partir do momento que a cada um é responsável por si” (Filha Bartira, UCE – Cl. 2).

Além disso, para os participantes, os preceitos da religião devem ser exercidos em interação com os demais seres humanos (Filha Bartira, UCEs – Cl. 2): “Eu acho que é uma religião onde você tem os preceitos da fé, da caridade, da humildade, que eu acho que a gente tem que seguir, né, e de ajudar o próximo”; “Eu acho, para mim, ser umbandista é praticar essa, esses três preceitos e não julgar, não ser uma pessoa que fique julgando ou achando que uma religião melhor que a outra”. Somado a isso, há a obrigação de não excluir o semelhante: “Ser umbandista é você, a cada dia, ter a responsabilidade que você tem que praticar a caridade, agir com o ser humano de forma amorosa, fazer o bem, sem olhar a quem, e não julgar qualquer tipo de pessoa”.

Os umbandistas, participantes do estudo, se consideram cristãos: “Somos é... fiéis em... Deus, como essas outras duas religiões são. Acreditamos em Jesus Cristo, como as religiões são, têm os santos, né, a quem somos devotos, como as outras também têm e a gente busca paz interior” (Filha Kauana, UCE – Cl. 2).

Na comparação com os outros grupos, há maior proximidade com os católicos - “Eu acho que tem católicos que também são tolerantes e também são agregadores, porque eles realmente seguem o que a religião deles prega” (Filha Bartira, UCE – Cl. 2). No que tange aos evangélicos, é percebida a intolerância daqueles: “Porque eu sou do lado errado, porque eles entendem que Umbanda é coisa do capeta, é coisa ruim, eles não conseguem entender que a Umbanda é uma religião como a dele” (Filha Araci, UCE – Cl. 2).

A classe 5, Preconceito Social, evidencia 24,6% do corpus e demonstra o reconhecimento pelos membros do centro acerca de como a sua religião, a Umbanda, é interpretada socialmente.

No entendimento dos entrevistados, o preconceito social é contra as religiões que utilizam o transe em suas práticas (UCE – Cl. 5): “Então, essa a ideia que as pessoas têm em relação ao espiritismo em geral, não só Umbanda”; “Existe muito preconceito, né. Eu fico, eu fico até com receio. Eu não costumo falar pras pessoas, assim, que eu sou umbandista, só quando eu vejo oportunidade, quando eu percebo que essa pessoa é também, mas existe muito preconceito” (Filha Jurema). O silêncio social quanto à prática religiosa é uma estratégia de proteção adotada pelo grupo: “Eu não falo, assim, diretamente, para as pessoas que eu sou umbandista porque eu sei que existe esse preconceito” (Filho Jandir).

Para os entrevistados, o desconhecimento em relação à religião alimenta o preconceito - “Porque eu acho que as pessoas tão falando mal, mas não sabem nem como é, entendeu?” (Filha Araci). Além disso, eles identificam que há confusão com outras práticas religiosas.

Acham que a Umbanda é uma religião que faz alguma coisa ruim pras pessoas ou se mistura muito Umbanda e Candomblé. As pessoas acham que é a mesma coisa. Então, eu acho que isso não é muito bem esclarecido, não. E, assim, acho sinceramente que a maioria das pessoas vê não com maus os olhos, com preconceito, mesmo, sabe? (Filha Kauana, UCE – Cl. 5).

Para o grupo, o preconceito se restringe ao aspecto religioso e não racial: “Olha nunca, eu nunca... de todas as coisas que eu escutei sobre, nunca escutei nada a ver com raça”(Filha Guaíra); “bom, nunca aconteceu comigo, nesse caso, assim. Eu só acho que... não é racismo por cor, eu acho. Por ter apresentações africanas, não acho

que seja por isso” (Filha Potira). Contudo, é percebida hostilidade em relação ao suposto baixo nível econômico dos participantes: “Então, eu acredito que existe um preconceito religioso e um preconceito social. Que eles falam, ah são as pessoas mais pobres, são isso, são aquilo e tal” (Filho Jandir, UCEs – Cl. 5).

Para os participantes, a dualidade bem e mal seria o traço mais característico desse preconceito: “Pelo fato de, por exemplo, evangélico prega algumas coisas que são diferentes da Umbanda. Até por conhecimento para as pessoas não terem mais essa imagem de que é Umbanda é ruim, de que faz maldade, faz isso, faz aquilo”; “Eles nunca é... as pessoas que eu ouvi falando mal nunca associam que a raça de..., religião de negro. É sempre religião de diabo, do diabo, eu só escuto essa associação” (Filho Ubiraci, UCEs – Cl. 5).