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1.4 Pensando a canção, do Brasil

1.4.2 Canção e nação

Grande parte das concepções de Shusterman e Gracyk dedicam-se a combater os preconceitos advindos dos critérios das altas artes com relação à cultura popular, procurando garantir um espaço legítimo para esta. Ainda que admitamos que a concentração inicial de boa parte dos trabalhos nacionais em torno dos grandes “gênios” teve como uma de suas intenções a elevação do objeto à dignidade acadêmica, não se pode atribuir a eles o mesmo tipo de preocupação. É absolutamente relevante o fato de que as abordagens iniciais da música popular, no mundo anglófono, tenham se dado – em certa medida – opondo-se a Adorno, naquilo em que procuravam exceções ao quadro de dominação da indústria e passividade do público, enquanto que as nacionais, décadas depois, tenham se dado – em certa medida – apoiando-se

73 Nesse sentido, assinalemos que a partir deste ponto há, se não um fechamento – posto que já falávamos dos cânones – uma espécie de “recusa à abertura” (ou ao “desmanche”) de nossa exposição – posto que continuaremos neles, a despeito da desmontagem a que nos referimos. Isso porque a tradição brasileira mais nitidamente diferenciada caracterizou-se, como vimos e reafirmaremos, por certo poder de unificação, e que, acompanhando-a, terminamos por focalizar a discussão muito mais a partir daquilo que forjou a MPB do que no que a desmanchou. Em outras palavras: a partir de tudo o que se discutiu até aqui, poderíamos, por exemplo, dar mais atenção à música chamada “brega”, pelo fato de dizer respeito a muito mais pessoas que a MPB, ou às manifestações regionais que a MPB antes sufocou que deu apoio, pelo fato de que aquelas foram menos pesquisadas do que esta, uma visão mais completa do quadro nacional carecendo, portanto, de trabalhos nesse sentido. Não será o caso: é definitivamente de dentro dessa tradição e da “linha evolutiva” por ela forjada (quase exceção ou suspensão de juízo feita ao rap, que não deixa de representar, nos casos que analisaremos, certa continuidade dela, ainda que em negativo) e hoje dissipada que passamos a falar agora, não por considerarmos que ela seja superior a visões alternativas, mas sim porque a produção acadêmica a respeito de música popular no Brasil nasceu e prosperou trabalhando sobre ela, porque ela segue sendo importante apesar dos questionamentos contemporâneos (e fatores estéticos certamente cumpriram e cumprem nisso um papel importante), porque – tendo ela mutuamente crescido com o que um dia reconhecemos como sendo a nacionalidade brasileira – coloca-nos diretamente em certo “lugar de fala do trabalho de luto” fora do qual a discussão sobre “o fim da canção” talvez não fizesse muito sentido, e finalmente porque – nesse caminho, por tudo que se disse – vamos nos direcionando aos trabalhos de Wisnik e Tatit (talvez os maiores cânones – acadêmicos – sobre o assunto). Ressalve-se que, se é desse lugar que passamos a falar, não significa que não iremos problematizá-lo. Muito pelo contrário. Aliás, muito do que se disse até aqui não deixa de ser uma problematização a respeito do que qualquer escolha de foco, necessária que seja, inevitavelmente deixa de fora. Parece-nos relevante, ao menos, reconhecê-lo.

em Adorno.74 Independentemente da liberdade com que se interpretou as ideias do pensador alemão (até pela realidade distinta com que se deparava, o resultado dificilmente poderia ser o de uma aplicação pura e simples), o que importa constatar aqui é o alto grau de consideração que a música popular – quiçá também pela ausência de um sistema suficientemente estabelecido pela música erudita – adquiriu no cenário nacional. Em nossa hierarquia sociocultural, o próprio campo da música popular forneceu, via MPB, capital cultural capaz de criar distinções sociais com base no julgamento estético.75

Nesse sentido, certa tensão de fundo pela qual parece possível observar o quadro da produção nacional contemporânea (ainda que longe de defini-lo, trata-se apenas de uma perspectiva que permite ou força uma visão mais ampla, ganhando em generalidade o que perde em precisão): mesmo que hoje posições mais fortemente ligadas às concepções adornianas certamente tenham arrefecido, a oposição entre uma produção de caráter – diremos – mais “artístico”, contra outro mais “comercial”, parece ainda muito mais relevante no cenário nacional que no norte-americano. Em artigo escrito em 1979 e muitíssimo influente para os estudos posteriores,76 Wisnik (2004c, p. 169) já começava fazendo uma distinção entre os modos artesanal e industrial de se produzir canções. O próprio texto já sugeria que a oposição não se dava de maneira assim tão simples, e posteriores estudos – sobretudo os que focaram a indústria fonográfica brasileira – trataram de comprová-lo, dando-lhe cores e tornando-a mais complexa, por vezes relativizando-a e até criticando-a, sem contudo abandoná-la, mantendo-a

74 “[...] na maior parte das pesquisas dos anos 1970 e 1980, é forte a influência das ideias de Adorno, especialmente o conceito de indústria cultural. [...] A posição que esses trabalhos expressam acerca do mercado de bens culturais é representativa de uma postura de hostilidade à indústria do entretenimento, que era compartilhada por todos os setores da sociedade permeáveis às ideias de esquerda e de grande parte de setores mais amplos insatisfeitos com a conjuntura política”. (BAIA, 2010, p. 74-75) Ressalvemos apenas que, se o termo “indústria cultural” é de fato bastante frequente nas pesquisas desse período, seria um erro tomá-lo como sinal de adesão irrestrita às ideias de Adorno: se por vezes este pode ser o caso, há muitos outros em que o sentido original é reformulado de acordo com as exigências do objeto, e outros ainda em que o termo aparece num sentido geral relacionado à produção de bens culturais, já desligado da carga de oximoro que possuía quando de sua elaboração.

75 “[...] há uma certa parcela da música popular brasileira que tem estatuto cultural de manifestação erudita, e dessa maneira se comporta”. (PAIANO, 1994, p. 6) Vale também assinalar que, antes ainda dos estudos acadêmicos, e do alto lugar social em que a música popular foi colocada depois da bossa nova, havia já outra espécie de “embaralhamento” do espaço ocupado pela música comercial urbana não com relação à erudita, mas com relação ao que hoje se chamaria mais comumente de música folclórica. Esta, lembremos, era valorizada por Mario de Andrade e contemporâneos como material a ser aproveitado na criação de uma “música artística” nacional. Mas referimo-nos aqui aos pesquisadores que a partir da década de 1930 formaram “uma espécie de primeira geração de historiadores da ‘moderna’ música urbana”, no momento em que esta era “Marginalizada pela elite intelectual e desprezada pelas instituições de educação e pesquisa” (MORAES, 2006, p. 120-121), que puseram em prática uma espécie de “folclorismo urbano”, como que tomando de empréstimo o prestígio gozado pela música folclórica para a urbana, sem que grandes mediações intelectuais se fizessem necessárias.

76 Trata-se de “O minuto e o milênio: ou por favor, professor, uma década de cada vez” (republicado em WISNIK, 2004, p. 167-189).

nem que por esse viés negativo.77 E pensando-se não a oposição em si, mas como sua existência pode influenciar o olhar estético, nada nas análises nacionais – ainda quando recaem sobre um álbum – se iguala, por exemplo, ao estatuto ontológico que Gracyk (1996) atribui à gravação no rock; ou mesmo ao reparo que o francês Frédéric Bisson (2016) lhe faz por sua visão demasiadamente “coisificante”, propondo então que o “ser” do rock estaria não apenas na gravação, mas no processo do trabalho dessa mesma gravação (com destaque para o técnico de estúdio). Não que esse trabalho de estúdio não possa ser analisado esteticamente (vide MOLINA, 2014), ou que o próprio formato comercial não possa virar o centro da análise estética (vide MAMMÌ, 2014), sequer que análises de peças individuais tornem-se absolutamente diferentes lá e cá só pelo princípio de onde se parte; mas é certo que, aqui – para continuarmos nos utilizando dos termos – as análises estéticas costumam ter como princípio o trabalho “artesanal” (ainda que a partir do produto), e não o produto (ainda que considerando o artesanato envolvido em sua fabricação).78

É claro que nesse tempo de multiplicação e fragmentação do campo teórico e dos objetos por ele focados, fica bastante difícil a adoção do binarismo de maneira rígida e

77 Pensando em trabalhos que, até pela riqueza de dados, parecem ter se tornado clássicos na área, cada um se beneficiando das contribuições anteriores: tanto Rita Morelli (2009, baseado em dissertação de 1988), adotando um referencial antropológico para analisar a indústria fonográfica brasileira da década de 1970, quanto Márcia Tosta Dias (1997), munida de um arsenal adorniano para analisá-la naquela mesma década e nas duas seguintes, abordam complexos conflitos entre a produção material e produção artístico-musical, liberdade do artista e pressão da indústria (com o predomínio cada vez maior desta, constatava o segundo trabalho). O cenário desde fins dos anos 1990 mudou bastante, mas não deixamos de encontrar esses conflitos também no estudo de Eduardo Vicente (2014, baseado em tese de 2002), que, sem deixar de demonstrar um crescimento da indústria e sua racionalização, trata de enfatizar que não se trata de processo unilateral. Por ser o mais recente, vale a pena reproduzirmos um trecho da introdução de seu livro, bastante ilustrativo a respeito do ponto em que se encontram esses estudos, ou, ao menos, uma possível visão a respeito deles: “[...] não se trata, [...], de um cenário marcado por oposições simples, como as que tradicionalmente estabelecemos entre majors e indies, empresas nacionais e internacionais, arte e mercado, autêntico e fabricado, permanente e descartável etc. Acredito que a história que se vislumbra aqui é bem mais complexa e aponta para a criação e constante expansão de um ecossistema de produção que envolve empresas, instituições e indivíduos, bem como para a ampliação do alcance da industrialização da música e para a constante expansão de seu mercado consumidor. Penso que, no cenário cultural que se constitui no Brasil a partir dos anos 50, as oposições aqui mencionadas tendem a falar muito mais sobre nossos subjetivos critérios de gosto do que propriamente sobre a atuação da indústria, que se adequa ao intenso processo de estratificação que então se verifica, produzindo tanto a música que poderíamos facilmente classificar como massificada, alienada e padronizada, quanto aquela que exaltamos como autoral, regida por valores exclusivamente artísticos e, portanto, ‘fora do mercado’.” (VICENTE, 2014, p. 15)

78 É possível se argumentar que isso poderia ser consequência de certo “atraso” da filosofia brasileira em entrar no debate. Vários trabalhos brasileiros frisam que a indústria teve um papel fundamental no próprio estabelecimento do formato geral daquilo que viemos a reconhecer mais tarde como a “autêntica” música popular (inclusive TATIT, 2004), cabendo à filosofia, ao entrar no jogo, definir o estatuto ontológico que se poderia induzir a partir disso, fatalmente caindo na centralidade do produto. Sem querermos nos adentrar no mérito da questão, apenas levantemos aqui uma hipótese inversa: a de que o “atraso” pode ser de outra origem e com outras consequências. Nos referimos ao atraso de um país que viu a implantação da indústria cultural acontecer sem que tivesse desenvolvido plenamente o capitalismo, que passou do analfabetismo ao rádio e à televisão sem passar devidamente pelo livro. Talvez isso tenha dado algumas das condições de possibilidade à existência de uma música popular que não se encaixa – ainda – facilmente em ontologias desenvolvidas em países em que isso não ocorreu.

mutuamente excludente. Mas nem por isso ele deixa de existir. E na maior ou menor aproximação dele seria possível enxergar outra roupagem à mesma diferenciação aludida anteriormente entre certo grau de “universalismo” (para o qual essa oposição faz sentido e uma resistência ao mercado é necessária ou ao menos desejável), e certo grau de “relativismo” (para o qual tal oposição não faz muito sentido, e considerações quanto à necessidade ou desejabilidade frente à produção podem ser perigosas).

Para ficarmos em apenas alguns exemplos: temos, por um lado, posições como a de Silvano Fernandes Baia (2010) que, em sua pesquisa histórica sobre os trabalhos acadêmicos a respeito de música popular do século passado, parece encarar a simples menção a termos como “fetichismo” ou “indústria cultural” como uma espécie de resquício de um passado superado, cujo ponto de vista poderia ser benevolamente tolerado em função do ambiente acadêmico bastante marcado pela oposição ao regime militar de então, mas que hoje traria inevitavelmente a mancha indelével do anacronismo79. Paulo Puterman (1994), por sua vez, se empenha em destruir o conceito de indústria cultural através de pesquisas específicas sobre a indústria fonográfica, terminando por concluir que, no quadro do fim do século passado, seria “[...] honesto admitir que o conceito [...] não tem mais validade. Produtos, manifestações, indústrias e mercados ligados à produção cultural cada vez mais devem ser estudados em suas particularidades, naquilo que apresentam de diferente.” (p. 115)

Por outro lado, mesmo contestadas, posições ligadas à teoria crítica ainda marcam importante presença. A própria frequência com que o texto de Puterman passou a servir de sparring – ainda que de passagem – na introdução de textos que defendem a atualidade do conceito de “indústria cultural” dá mostra disso80. Parece claro que tais trabalhos procuram manter uma perspectiva de totalidade na força motriz econômica (não raro em jogo com as resistências a ela), nem que seja como ponto de fuga em pesquisas sobre focos mais específicos; mesmo tendo de lidar com a diversidade contemporânea, quase sempre apontando como ilusória a democratização que supostamente viria em seu bojo. De um modo ou de outro, seria preciso, em suma, “[...] enfatizar que a multiplicidade, a diversidade (ou, para usar o conceito da moda, a diferença) não são incompatíveis com a lógica atual de acumulação do capitalismo.” (DURÃO, 2008, p. 40) Nesse sentido, no que talvez possamos chamar de extremo oposto à

79 “Poderia ser utilizada [a expressão “indústria cultural”] sem polêmica se apenas designasse a produção em larga escala de bens culturais, desvinculada do sentido que adquiriu a partir das elaborações de Adorno e Horkheimer.” (BAIA, op. cit., p. 153) “[...] é bastante intrigante sua [de Adorno] quase onipresença nas pesquisas sobre música popular até o final do século passado.” (idem, ibidem, p. 157)

visão de Baia, vemos, por exemplo, o musicólogo Bernardo Farias (2010, p. 39-40) denunciar a “conjuntura que alimenta e é alimentada por um ceticismo conservador” do mundo acadêmico contemporâneo, no qual prevaleceria o “canto de sereia do discurso fragmentado e pseudo-crítico”, contra o qual recomenda “a retomada – não sem revisão – do legado teórico da filosofia da práxis dentro das análises de cultura e música”. Conforme se nota, mais uma vez, a oposição ao quadro predominante se coloca não em sua negação cabal, mas em relação ao paradigma (ou, vale enfatizar, à ausência de um paradigma que goze de aceitabilidade geral) por ele inaugurado, numa espécie de negação que traz em si aquilo que nega, na tentativa de superá-lo. O que dificilmente se poderia fazer “sem revisão”, de modo que aqueles que ainda tomam a teoria crítica como referencial, em sua maior parte, incorporam contribuições posteriores às canônicas, reelaborando e redefinindo seus conceitos.81

De qualquer modo, notemos que esse fato – em princípio, intrigante – de que muitos trabalhos a respeito de música popular, com visão positiva a respeito dela ou de parte dela, tenham por aqui mais se apoiado que se oposto a Adorno, parece só ter sido possível a partir da constatação de certa diferença do desenvolvimento dessa área no país com relação ao que teria ocorrido em outras partes (e, aqui, os lados que vimos em oposição podem – ou puderam – eventualmente, concordar). Grosso modo, os trabalhos pioneiros concentravam-se em duas grandes linhas: o samba carioca e a produção mais atual que incluía a bossa nova e os movimentos dos anos 1960. No primeiro caso, ganhava relevo a música como forma de resistência, e nisso a produção nacional poderia se diferenciar daquela dos países mais avançados por uma espécie de “atraso benéfico”: a implantação da indústria cultural teria encontrado por aqui uma sociedade mais arcaica, que conservaria ainda algo da rebeldia típica das formas populares que já estaria sepultada nos países de industrialização mais avançada; e a própria implantação e fortalecimento da indústria cultural colocaria em risco aquela rebeldia.82

81 O que talvez possa ser bem exemplificado pela posição de José Roberto Zan (2001, p. 106): “O que se propõe é compreender a indústria cultural não como uma estrutura fechada mas como um processo de produção e consumo de bens culturais cujos efeitos devem ser analisados como movimentos tendenciais impregnados de contradições e conflitos. Neste caso, o ato de consumo deixa de ser identificado como uma espécie de variável dependente da produção para ser reconhecido como prática marcada por certa imprevisibilidade. [...] Essa perspectiva permite conduzir as investigações sobre a cultura produzida industrialmente e destinada ao grande público, sem cair numa visão mitificadora do conceito de cultura de massa, entendido falsamente tanto como expressão da democratização cultural como da decadência inelutável da cultura na modernidade. [...] O ponto de vista proposto abre a possibilidade de se trabalhar com a cultura popular industrializada, ou com a música popular industrializada em particular, como ‘mediação social’. Uma noção de mediação bastante próxima da empregada por Adorno ao se referir à obra de arte, ou seja, a que reconhece o produto cultural como elemento no qual a sociedade se objetiva, isto é, o processo em que “momentos da estrutura social, posições, ideologias (...) conseguem se impor nas próprias obras de arte”.

82 Vale citar um exemplo mais recente desse tipo de postura, talvez até mais relevante pelo lugar duplamente secundário onde se encontra: uma nota de rodapé em um livro do filósofo Rodrigo Duarte que não tem a música

No segundo caso, a elevação da música popular ao estatuto de alta arte está como que dada: o prestígio da bossa nova e da intensa movimentação musical que se seguiu pareceram sólidos o suficiente para que as pesquisas se voltassem seja às notáveis conquistas estéticas daqueles movimentos, à resistência à opressão (por exemplo, pelo enfrentamento da censura), ou ao perigo de neutralização desse manancial – já valorizado – pela indústria cultural. Aqui importa realçar que talvez a área mais importante para os estudos iniciais em música popular tenha sido a de letras; e mesmo a sociologia, que lhe acompanhava, também dava prioridade à análise do texto das canções.83 É possível ver nisso, hoje, uma espécie de limitação dessas pesquisas iniciais, por se aterem a apenas um aspecto dentre os tantos necessários para que se compreendesse o fenômeno como um todo, mas o que importa aqui é menos o que esse foco limitado deixa de lado do que aquilo que ele exacerba: as letras das canções ganham status equivalente ao da poesia. O prêmio Nobel dado a Bob Dylan sugere que essa concepção está hoje generalizada, mas estudos nacionais parecem ter antecipado essa tendência, se considerarmos como espécie de marco o livro “Música popular e moderna poesia brasileira”(1986), de Affonso Romano de Sant’Anna, que dava já em 1976 fundamento teórico a uma ideia amplamente difundida, enquanto que Gracyk (2016) pode apontar Shusterman como um pioneiro no ambiente anglófono por analisar, na década de 1990, letras de canções como algo que lida com ideias e problemas complexos. Conforme assinala Henry Burnett (2011, p. 162-163): “não há muitos exemplos desse cruzamento [...] entre canção popular e poesia culta fora do Brasil; [...] Quando há, essa fronteira não é efetivamente rompida a ponto

popular como objeto, e sim a obra de Adorno (de modo que aquilo que se afirma se coloca como evidência, e não como hipótese; fato que nos diferencia do quadro norte-americano e que se relembra apenas para evitar uma dificuldade que – pela própria evidência desse mesmo fato entre nós – poderia prejudicar a leitura correta do texto principal). Ao comentar o texto de On popular music, escrito pelo alemão em língua inglesa, o brasileiro afirma o seguinte: “Registra-se aqui uma confusão, que não é normalmente feita por Adorno nos textos em alemão, entre ‘música de massa’ e ‘música popular’. Para um norte-americano parece quase impossível fazer essa distinção, já que a autocompreensão dos EUA como uma cultura própria, independente da europeia, se dá às vésperas da consolidação dos monopólios culturais. No Brasil, ainda podemos, felizmente, diferenciar – pelo menos em termos parciais – a cultura popular mais enraizada, daquela totalmente fabricada para o consumo, ainda que tenha raízes supostamente populares.” (DUARTE, 2003, p. 192)

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