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4. A MÚSICA

4.2.5. Canção de Protesto

Possivelmente o gênero mais lembrado quando se pensa na presença de música nos livros didáticos, a canção de protesto parece ter encontrado certamente mais espaço nas recordações que nas obras escolares de história. Isso porque, ao menos no conjunto de edições analisadas, só foram localizadas cinco obras que classificaram um determinado conjunto de canções sob esta denominação.

Por outro lado, é importante ressaltar que somente as canções rotuladas pelos livros didáticos com o termo “de protesto” é que foram selecionadas para análise, isto é: o critério utilizado foi o de que as canções já estivessem dispostas sob este gênero no livro. Se a referência do termo “de protesto” no livro deixasse de ser requisito, e se utilizasse somente o senso comum, ou seja, o que a maioria das pessoas classificam genericamente como canção de protesto, possivelmente haveria um substancioso incremento na quantidade de canções do gênero.

Mas, neste caso, seria preciso debater e criar um sistema de categorização que, primeiramente, aceitasse de fato a “canção de protesto” enquanto um gênero musical, criando suas balizas classificatórias a partir de determinadas características e, finalmente, permitindo que se rotulasse cada uma das canções encontradas ao longo dos livros a partir de um conjunto de critérios. Todo este esforço acabaria desviando este trabalho de seu foco, que são os livros didáticos. Dessa forma, a opção foi utilizar somente a classificação já reproduzida nas obras.

Logo que o trabalho de indexação das referências às canções de protesto teve início, uma questão se impôs: havia ao longo de alguns dos livros didáticos exemplos de muitos protestos ocorridos em contextos históricos os mais diversos, que também haviam sido

embalados por canções. Era este o caso da referência ao descontentamento dos portugueses diante da notícia da união ibérica, onde o termo “protesto” foi associado a uma canção:

O povo português irritado, mas impotente para reagir aos conquistadores, cantava nas ruas o seu protesto:

Viva el-rei Dom Henrique No inferno muitos anos Por deixar em testamento Portugal aos castelhanos273.

Esta citação se diferenciava das demais, pois não abordava o contexto da ditadura civil-militar brasileira, o qual parecia cristalizado enquanto única possibilidade de cenário em relação a esse tipo de canção.

Logo, a expressão canção “de protesto” indicaria tanto a canção que apresenta em sua letra oposição a algo ou alguém (geralmente, ao contexto específico do período ditatorial brasileiro) ou ainda, aquela que é simplesmente cantada ao longo de um protesto na rua. Em outras palavras: o termo é duplo e poderia se referir tanto a uma ação (protestar) como a um espaço (o protesto), e reportar-se a qualquer contexto histórico.

Há outro caso, dentre os livros didáticos analisados, que apresenta uma citação de música dos Beatles como sendo também de protesto. Mas, na sequência, os autores recuperam Geraldo Vandré, retornando ao contexto de 1968:

Em 1968 a insatisfação geral explode. Agitações e passeatas. As músicas dos "barbudos" (Beatles) ajudam a incentivar os protestos do "poder jovem"... Prisões, confrontos com a política [...] músicas de protesto: "Vem, vamos embora/ Que esperar não é saber ..." (Vandré)274.

Apesar desses exemplos, o modelo das canções de protesto que aparecem citadas nos livros didáticos tem sido aquele já consagrado, ou seja, aquele cuja poesia engajada estava voltada para a crítica do regime ditatorial brasileiro, iniciado com o golpe de 1964. Cantadas durante as manifestações, tais canções são definidas por uma das obras analisadas, como o fruto de uma evolução, a partir do movimento da bossa nova:

273 VALADARES, Virgínia; RIBEIRO, Vanise; MARTINS, Sebastião. História: assim caminha a humanidade. 6ª Serie. 1º Grau. São Paulo: Ed. do Brasil, 1992, p.130.

274 AZEVEDO, L. de; DARÓS, Vital. História de um povo: sociedade brasileira: Império e República. São Paulo: FTD, 1988, p.169.

O movimento da bossa nova evoluiu rapidamente na direção da chamada "canção de protesto", que correspondia à poesia engajada ou participante:

"Podem me prender Podem me bater

Podem até deixar-me sem comer Que eu não mudo de opinião Daqui do morro

Eu não saio, não Se não tem água Eu furo um poço Se não tem carne Eu compro um osso Eu ponho na sopa

Fala de mim quem quiser falar Aqui eu não pago aluguel

Se eu morrer amanhã, seu doutor,

Estou pertinho do céu" (Opinião, Zé Kéti)275.

Por outro lado, tais canções não seriam cantadas somente no calor das manifestações, ou seja, em protestos públicos, nas ruas. Uma das obras mostra que também eram nos festivais de música que a canção de protesto extravasava a insatisfação da juventude276.

Em relação à origem deste gênero, um dos livros didáticos defende a ideia de que a canção de protesto teria se originado da discordância entre aqueles que produziam a chamada “música de apartamento” da bossa nova, a partir do show Opinião:

Na Década de 60 todo um movimento de música "de protesto" separa-se da chamada música "de apartamento" da Bossa Nova. Tudo começou com o espetáculo Opinião (1964), de João do Valle e Zé Kéti, quando também se revelou a cantora Maria Bethânia. Jovens da classe média foram os mais típicos representantes dessa tendência: os irmãos Marcos e Paulo Sérgio Vale, Geraldo Vandré, Ari Toledo, Edu Lobo e, principalmente, Chico Buarque de Holanda277.

Além desta fissura com a bossa nova, alguns dos livros didáticos dão destaque à ideia de que também haveria profundas divergências entre o tropicalismo e a canção de protesto, isto é, de que “a unidade política aparente [de contestação ao regime militar] é cindida em correntes estéticas radicalmente divergentes, como as do tropicalismo e da canção de

275 ALENCAR, Francisco; RAMALHO, Lúcia Carpi; RIBEIRO, Marcus. História da Sociedade Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981, p. 294-5.

276 Ibid., p.324.

protesto278”. O recrudescimento da ditadura, a partir do AI-5 teria ocasionado uma sucessão

de movimentos de protesto, inclusive na música279.

Os compositores que tiveram seu nome mais vezes associado à canção de protesto foram Chico Buarque, com sete referências e Geraldo Vandré, com quatro citações. Em relação às canções, a mais lembrada foi Apesar de você, de Chico Buarque que, em uma das referências aparece em um box acompanhada da afirmação de que Chico a teria composto pensando no general Médici. Logo abaixo, se apresentam algumas questões sobre a canção (Figura 31).

Figura 31 – PILETTI, Nelson. PILETTI, Claudino. História e vida integrada. v. 4. São Paulo: Ática, 1999, p.

132. (Detalhe).

O espetáculo Opinião, de Zé Kéti, recebeu quatro referências, sendo apontado por vários autores como a obra iniciadora do gênero, conforme mostrado anteriormente.

278 Retrato do Brasil, Editora Política, p. 445 Apud MOCELLIN, Renato. História do povo brasileiro: império e

república. São Paulo: Editora do Brasil, 1985, p. 125.

279 AZEVEDO, L. de; DARÓS, Vital. História de um povo: sociedade brasileira: Império e República. FTD: São Paulo, 1988, p. 169.

É notável a ausência de referências às canções de protesto (em sua forma clássica, ou seja, no contexto da ditadura iniciada em 1964) nas obras editadas ao longo de toda a década de 1970. A existência de censura sobre estas obras é uma conjectura coerente, mas comprová- la demandaria investigar os agentes de controle e regulamentação aos quais os livros didáticos estariam submetidos à época e a maneira com que cada obra analisada foi ou não atingida por tais agentes.

Outra suposição é a de que os livros didáticos de história editados nos anos 70 traziam, em geral, poucas informações relacionadas à música popular. Isto é, na maior parte dos casos analisados, os panoramas culturais apresentam os nomes de compositores ligados à tradição erudita, cujas obras já são bastante conhecidas e consagradas, como Carlos Gomes e Villa- Lobos. Com isso, a “canção de protesto” e outros gêneros populares e contemporâneos às edições escolares da época, como o tropicalismo e os festivais também são ignorados, como será apresentado adiante.

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