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4. A MÚSICA

4.2.4. Samba, samba-enredo, choro e chorinho

Largamente citado nas obras didáticas de História e mais abundantes entre aquelas editadas na década de 1980261, o samba é o gênero musical com maior número de referências.

As citações ao samba cultivadas pelos autores dos livros didáticos podem ser divididas em três temáticas específicas. A primeira delas se refere à ideia de que o samba (defendido entre as obras didáticas enquanto principal gênero musical nacional) seria o principal eco da herança musical dos negros (ou música negra) em nossos dias.

Essa fala é apresentada por 18 livros didáticos diferentes e aparece, geralmente, nos primeiros capítulos, onde se trata do tema da formação do povo e da cultura brasileira – que teria ocorrido a partir da contribuição das três raças fundadoras, os como os próprios livros didáticos defendem. O samba seria a principal contribuição dos negros para a cultura, maior até mesmo que a influência indígena, segundo uma das interpretações262. Os sambas de hoje

seriam os ecos dos batuques produzidos nas senzalas:

Forte influência negra sofreu nossa música, o samba e o maracatu denotam claramente a contribuição negra 263.

Nos terreiros populares, os negros dançavam e faziam um batuque utilizando as mãos e objetos de percussão, marcando o ritmo com dois tempos rápidos e um lento: nascia o samba 264.

Um segundo grupo de citações é formado pelas referências ao que se poderia chamar como o nascimento do samba comercial, ou seja, o surgimento da primeira canção do gênero e da primeira gravação, com sua consequente popularização. Este, conforme apresentam os

261 Foram localizadas 11 referências ao gênero na década de 1970, 18 na década de 1980 e 14 na década de 1990.

262 RESENDE, Maria Efigênia Lage de; MORAES, Ana Maria de. História fundamental do Brasil: estudo

dirigido e pesquisa 5ª série: livro do professor. 10.ed. São Paulo: Pioneira, 1979, p. 97.

263 SOUTO MAIOR, Armando. História do Brasil: para o curso colegial e vestibulares. 8.ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1970, p.106.

264SILVA, Francisco de Assis; BARRIONUEVO, Vera Lucia da Silva; YOSHIDA, Mário. História do Brasil:

livros didáticos, passaria a ser ouvido e cantado pelas camadas médias a partir da década de 1920, deixando de ser um estilo musical apenas dos morros e dos malandros265.

O samba é reconhecido nos livros didáticos como gênero fundamental para a formação da nacionalidade e para o próprio processo de constituição da indústria fonográfica em nosso país, fato lembrado a partir das referências ao primeiro samba, Pelo telefone, de Donga (Figura 30), e à primeira gravação comercial em disco, com o samba Isto é bom, de Baiano:

O primeiro disco nacional foi gravado em 1902 - a marcha Isto é bom - pelo popular cantor Baiano. O primeiro samba gravado foi Pelo telefone, de Donga (Ernesto dos Santos) e Mauro de Almeida, em 1912.266

A terceira abordagem apresentada nos livros didáticos situa o samba enquanto recurso ideológico para disciplina e exaltação do país. Neste contexto, alguns livros apresentam as quatro inserções da canção O bonde de S. Januário, de Ataulfo Alves e Wilson Batista (e a análise das intervenções em sua letra, realizadas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que substitui o elogio à malandragem pela glorificação do trabalho), bem como a normatização do carnaval e das escolas de samba, que deveriam exaltar as grandezas do Brasil em suas letras de samba.

265ALVES, Kátia Corrêa Peixoto; BELISÁRIO, Regina Célia de Moura Gomide; ÂNGELO, Roberta Diniz.

História: 7ª série: livro do professor. 3ªed. v.3 Belo Horizonte: Vigília, 1991, p. 180.

266PILETTI, Nelson. História do Brasil: da Pré-história do Brasil aos dias atuais. 17ªed. São Paulo: Ática,

Figura 30 - ALENCAR, Francisco; RIBEIRO, Marcus Venício; CECCON, Claudius. Brasil Vivo: uma

Assim, muitas páginas foram dedicadas à história das escolas de samba, com relatos sobre seu surgimento, os sambas-enredos e também o controle exercido pelo governo Vargas sobre elas:

Um decreto do presidente Getúlio Vargas determinava que as escolas de samba, os ranchos e os blocos escolhessem temas históricos e patrióticos. Ou, então, de exaltação ao trabalho:

É preciso educar bem o nosso povo mesmo em tempo de festa, diziam algumas autoridades do governo.

Já em 1936, a Escola de Samba Unidos da Tijuca desfilava no carnaval com o samba

Natureza bela do meu Brasil:

"Natureza bela do meu Brasil

Queria ouvir esta canção febril

Sem você não tem mais noite de luar pra cantar Uma linda canção ao nosso Brasil (...)

Como desejavam ordem e disciplina em tudo, inclusive nas festas populares, as autoridades do Distrito Federal também recomendavam às escolas que escolhessem nomes "apropriados". Foi o caso, por exemplo, do bloco Vai como pode, que havia na estrada da Portela, em Madureira, no Rio de Janeiro. Só conseguiu a sua inscrição oficial, quando "aceitou" a sugestão do delegado do bairro de mudar o seu nome para... Grêmio Recreativo Escola de Samba da Portela. 267

Quando exibe seu conteúdo sobre a Era Vargas, outro livro didático, também editado em 1988, defende que havia à época do ditador uma forte tendência à massificação, o que é exemplificado a partir do rádio, do futebol e do carnaval. Este último teria “ganhado mais vida” após ter sofrido intervenção do governante gaúcho, conforme a interpretação apresentada pelos autores:

Nas ruas e salões o carnaval se oficializa, ganha mais vida. Os desfiles de grande escolas de samba, como Mangueira e Portela, do Rio, passam a ser subvencionadas pelo governo. Algumas músicas carnavalescas daqueles tempos se tornaram imortais, como "Linda Morena" (Lamartine Babo, 1933), "Mamãe eu quero" (Vicente Paiva e Jararaca, 1937), "Pierrô Apaixonado" (Noel Rosa e Heitor Lacerda, 1939), "Ai que Saudades da Amélia" (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1942), "Atire a Primeira Pedra" (Ataulfo Alves e Mário Lago, 1944).268

267 ALENCAR, Francisco; RIBEIRO, Marcus Venício; CECCON, Claudius. Brasil Vivo: uma história da nossa

gente: v.2: A República. Petrópolis: Vozes, 1988, p.121-2.

268 AZEVEDO, L. de; DARÓS, Vital. História de um povo: sociedade brasileira: Império e República. São Paulo: FTD, 1988, p.151.

Uma das obras apresenta o samba e a marcha enquanto resultado do desenvolvimento da música popular brasileira, já no século XIX, o que soa no mínimo prematuro. Além disso, no mesmo trecho, a origem do carnaval é remontada, de forma peculiar, à festa praticada em Veneza

No século XIX, houve também o desenvolvimento da música popular brasileira, como o samba e marcha. A festa de carnaval de Veneza (Itália) foi imitada no Brasil, mas com características novas. Como carros alegóricos eram muito caros, foi criada uma nova forma popular nos desfiles carnavalescos - o rancho.269

Diversas obras didáticas analisadas situaram o choro, cultivado por artistas como Sinhô, Donga e Pixinguinha, enquanto ritmo urbano mais importante, ao lado do samba270:

Na música popular, desde o chorinho até o samba, apareceram grandes intérpretes e compositores, como Pixinguinha, Noel Rosa, Ari Barroso, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Luís Gonzaga, Ataulfo Alves, Silvio Caldas, Maísa, Nelson Cavaquinho.271

Há ainda a tentativa de se expor a origem do choro, ligando-o às práticas musicais dos escravos, até sua transformação em música admirada nos salões, com Ernesto Nazareth e Chiquinha Gonzaga:

O atual gênero musical choro é oriundo das reuniões de escravos, chamadas xolos, durante as quais os negros faziam música. A expressão xolo foi alterada para xoro pelos próprios escravos que tinham dificuldade de pronunciar o l e depois, por um erro de grafia, a palavra passou a ser escrita com ch, daí choro, que nada tem a ver com o verbo chorar. Mas outras presenças marcantes na evolução da nossa música devem ser citadas nessa época: Chiquinha Gonzaga (1847-1935), primeira maestrina brasileira, autora de Abre-alas e compositora de Corta-jaca e Lua Branca, feita para a peça teatral O forrobodó. Anacleto de Medeiros (1866-1907), fundador e primeiro mestre da Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, cuja obra valiosa incluiu

Jubileu, Três estrelinhas, Iara. Catulo da Paixão Cearense (1863-1946), com Luar do

Sertão, melodia atribuída por alguns ao folclore nordestino. Ernesto Nazareth (1863- 1934), cuja música tinha a caraterística de uma personalidade revolucionária, aproximava a música popular à erudita e , sabendo dominar os ritmos nacionais, dava- lhes um ar de elegância. Nazareth, cuja obra era essencialmente pianística, designava os seus choros com o nome genérico de tangos, dos quais posso citar Apanhei-te,

cavaquinho, Odeon e Fon-Fon272.

269 RESENDE, Maria. MORAES, Ana. História do Brasil: Império e República. Estado Nacional. Belo Horizonte: Vigília, 1984, p.95.

270PILETTI, Nelson. História do Brasil: da Pré-história do Brasil aos dias atuais. 17.ed. São Paulo: Ática,

1994, p. 208.

271 CANTELE, Bruna R. História dinâmica do Brasil: analisando o passado, refletindo o presente. 6ª série. São Paulo: IBEP, [198?], p. 220.

272 MATTOS, Ilmar Rohloff de. DOTTORI, Ella Grinsztein. SILVA, José Luis Werneck. Brasil: uma história

Por tudo isso, apesar de seu posto enquanto gênero mais citado entre as diferentes obras didáticas, o samba acaba sendo desenhado sempre com o mesmo contorno pelos livros, especialmente em relação à sua origem (cuja síntese teria sido impetrada a partir da contribuição musical das três raças), e ao seu caráter duplo de vítima e agente de influência do Estado Novo, a partir das modificações em letras e regulação do carnaval.

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