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Canção que mostra o sentimento de ilusão: “A Felicidade”

“A Felicidade”107, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, expressa o caráter efêmero da presença da felicidade na vida, quando o enunciador diz “Tristeza não tem fim, felicidade sim”. Na opinião dele, a infelicidade é mais constante do que a alegria.

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Você e Eu, por João Gilberto, de Carlos Lyra e Vinícius de Moraes (1961)

Podem me chamar e me pedir / E me rogar e podem mesmo falar mal, / Ficar de mal, que não faz mal, / Podem preparar milhões de festas ao luar / Que eu não vou ir, melhor nem pedir / Que eu não vou ir, não quero ir, / E também podem me entregar / E até sorrir e até chorar / E podem mesmo imaginar / O que melhor lhe parecer / Podem espalhar / Que estou cansado de viver / E que é uma pena / Pra quem me conhecer / Eu sou mais você e eu.

107A Felicidade, por João Gilberto, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes (1959)

Tristeza não tem fim / Felicidade sim / A felicidade é como a pluma / Que o vento vai levando pelo ar, / Voa tão leve, mas tem a vida breve / Precisa que haja vento sem parar / A felicidade do pobre parece / A grande ilusão do carnaval / A gente trabalha o ano inteiro / Por um momento de sonho / Pra fazer a fantasia / De rei ou de pirata ou jardineira / E tudo se acabar na quarta-feira // Tristeza não tem fim / Felicidade sim // A felicidade é como a gota / De orvalho numa pétala de flor / brilha tranqüila depois de leve oscila / E cai como uma lágrima de amor / A minha felicidade está sonhando / Nos olhos da minha namorada / É como esta noite passando, passando / Em busca da madrugada / Falem baixo, por favor / Pra que ela acorde alegre como o dia / Oferecendo beijos de amor / Tristeza não tem fim / Felicidade sim / Tristeza não tem fim / Felicidade sim.

Esta canção tem comparações na sua escolha de vocabulário, o que torna a letra leve e poética, a melodia também dá idéia de leveza e suavidade. Por exemplo: a felicidade é comparada com uma pluma, que o vento vai levando pelo ar. Ou seja, é algo muito delicado e efêmero. Diz: “Voa tão leve, mas tem vida breve / Precisa que haja vento sem parar”. Como não há vento ininterrupto, a felicidade dura pouco. O vocábulo “leve” combina com “breve”, o som do fone sonoro [v] dá idéia de leveza, eis a nossa impressão. Por outro lado, o “peso” traz permanência na existência de qualquer um, segundo a composição, sendo a tristeza, a dor e o sofrimento mais habituais por serem carregados, pesados.

O verso seguinte traz à cenografia o Carnaval, o grande momento de contentamento para o pobre, contudo uma grande ilusão. O uso de “a gente” em “A gente trabalha o ano inteiro” pode ou não significar a inclusão do enunciador na vivência da pobreza ou na identificação com o povo. Trabalha-se arduamente o ano todo por aquele momento de sonho, de euforia, e com o que se ganha com bastante esforço, economizando cada centavo, “Pra fazer a fantasia / De rei ou de pirata ou jardineira / E tudo se acabar na quarta-feira”. A Quarta-Feira de Cinzas, feriado religioso, representa tristeza e o fim do sonho para os foliões. Aí recomeça o ciclo: o trabalho exaustivo, a economia de dinheiro, a costura da fantasia, enfim, o sonho para o próximo ano. Na segunda parte, o enunciador compara a felicidade com a gota de orvalho numa pétala de flor, que “brilha tranqüila depois de leve oscila / E cai como uma lágrima de amor”. É característica da Bossa Nova mostrar nas suas canções imagens que nos fazem “ver e sentir” a descrição: até a “lágrima de amor” visualizamos de uma maneira clara e sensível. Quando é dito: “A minha felicidade está sonhando / Nos olhos da minha namorada”, a felicidade torna-se a protagonista, ela sonha e se reflete nos olhos da amada. Pela letra, temos a cena de uma noite passando, e a repetição de “passando” destaca a passagem do tempo que nunca estaciona, que está sempre a se mover rumo ao futuro. Passa, porque está em busca da madrugada, como se fossem dois amantes, um seguindo o outro. Nos versos: “Falem baixo, por favor / Pra que ela acorde alegre como o dia”, há o pedido de respeito para com o sono da mulher amada, uma vez que, se ela dormir bem, vai despertar feliz com o início de um novo dia. Outra comparação é feita: “acordar alegre como o dia”. Se ela acordar desse modo, irá oferecer beijos de amor, que é o desejo do enunciador. Esta composição tem uma das letras mais líricas do movimento, por fazer uso de comparações com palavras referentes à natureza, como: pluma, vento, gota, orvalho, pétala, de forma tão delicada que projeta na nossa mente a descrição daqueles momentos de felicidade. O investimento ético emergente da canção é de um sujeito sensível e sonhador quanto à felicidade. O enunciador pensa ser a felicidade algo transitório e para quem os instantes de

satisfação na vida estão ligados à namorada. Ele cuida do bem-estar de sua amante, quer vê-la contente, dando-lhe beijos de amor.

Conforme Severiano e Mello (2002), este samba foi feito para o filme de Marcel Camus “Orfeu do Carnaval”, “A Felicidade” consagrou internacionalmente Agostinho dos Santos, a voz de Orfeu (cantando) no filme. Lamentando o caráter passageiro da felicidade, sua letra ostenta alguns dos mais belos versos da música popular brasileira. Tanto o poema quanto a melodia são de alta qualidade, segundo os autores. Acrescentam como detalhe pitoresco que a canção foi praticamente composta numa sucessão de telefonemas, com Jobim no Rio de Janeiro e Vinícius em Montevidéu, onde servia na embaixada brasileira.

4.12 Canções de amor frustrado: “Só em Teus Braços”, “Samba em Prelúdio”, “As