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Canções de perdão: “Água de Beber” e “Insensatez”

Estas canções apresentam o perdão como uma necessidade básica de um relacionamento amoroso. Em “Água de Beber”61, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, o ethos apresentado na canção é o de um sujeito com medo de amar, mas com vontade de perdoar. O enunciador confessa que quis evitar o amor em “Eu quis amar, mas tive medo / E quis salvar meu coração”, porém descobre que, se continuar no medo, perderá o amor: “Mas o amor sabe um segredo / O medo pode matar o seu coração”, ou seja, se ficar na cautela demasiada, o objeto amado pode se cansar e ir embora. Sabe que o amor é tão necessário na vida quanto a “água de beber”, então, decide aprender a amar, se entregar e perdoar, pois o perdão é parte do amor: “Entrei pra escola do perdão / A minha casa vive aberta / Abri todas as portas do coração”. Em suma, amar significa se entregar e confiar, mas isso não quer dizer que não haverá mágoas e futuros perdões no caminho. Ou é assim, ou é solidão e vida sem felicidade e vazia.

É digno de nota mencionar que, no concernente a Tom Jobim, ele sempre trata de colocar nas suas músicas, mesmo que a letra não seja sua, algo relativo à natureza; nesta canção, é o vocábulo “camará62”, um exemplo de plurilingüismo externo, uma vez que camará vem da língua indígena “tupi” e é usado para um arbusto ornamental da família das verbenáceas, que pode atingir até 2 metros, amplamente disseminado no território nacional, de folhas rugosas e reticuladas, e flores pequeninas, em umbelas, brancas, violáceas ou vermelhas, e muito numerosas. É útil lembrar que tal vocábulo também pode significar

59 Há uma parte A que é repetida com algumas alterações, mas que se parecem bastante; daí A1 (com oito compassos) e A2 (com oito compassos), que reproduz basicamente o que A1 apresentou, mantendo o seu caráter, porém com algumas alterações. A parte B é uma segunda parte, também com oito compassos.

60Coda é o sinal musical que representa o final de uma música, ou o redirecionamento para este (“Terminologia Musical” em http://pt.wikipedia.org/wiki/Terminologia_musical). Se houver algum trecho melódico final, só para encerrar, que não apareceu antes, chama-se coda.

61Água de Beber, por Tom Jobim, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes (1963)

Eu quis amar, mas tive medo/ E quis salvar meu coração / Mas o amor sabe um segredo / O medo pode matar o seu coração // Água de beber / Água de beber camará / Água de beber / Água de beber camará // Eu nunca fiz coisa tão certa / Entrei pra escola do perdão / A minha casa vive aberta / Abri todas as portas do coração.

azeitona-do-mato em Minas Gerais. Outra possibilidade seria “camará” como a palavra de ordem da capoeira, ou seja, o seu mote, sendo uma redução da palavra “camarada”.

A composição “Insensatez”63, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, é um lamento, tem um tom triste. O fato de a canção começar com a interjeição “Ah!” e fazer uso dela ao longo da composição atesta esse sentimento de infelicidade. Apresenta a luta entre a razão e o coração, sendo o coração aconselhado a escutar a razão, pois esta é boa conselheira, quando cita o provérbio popular “Quem semeia vento, colhe sempre tempestade”.

Segundo Schütz (2007)64, os provérbios constituem parte importante de cada cultura. Provérbio é a expressão de conhecimento e da experiência popular traduzido em poucas palavras, de maneira rimada e ritmada, muitas vezes com alegria e bom humor, uns satíricos, outros sábios, outros geniais.

Na canção, há o diálogo entre o “eu” e o “tu”, o “eu” sendo o sensível, expondo seus lamentos que o “tu” causou em “Ah, insensatez que você fez / Coração mais sem cuidado / Fez chorar de dor o seu amor / Um amor tão delicado”. O “tu” deveria ter tratado melhor o ser amado, uma vez que o amor ofertado era precioso. Foi fraco, portanto, desalmado. A partir de “Ah, meu coração, quem nunca amou”, o “tu” vira “eu” e os pronomes passam de você e seu para meu, sendo eu implícito. Uma outra análise possível é ver o enunciador travando uma conversa séria consigo mesmo, o “meu coração” seria uma forma de tratar o “tu”, ou seja, ele mesmo. Seriam pensamentos e conselhos a si mesmo. Verifica-se intertextualidade com a citação de um dito de senso comum: “Quem nunca amou, não merece ser amado”. O enunciador dá mais um conselho ao coração: “Vai, meu coração, ouve a razão / Usa só sinceridade”. Isso lembra o discurso bíblico: “A verdade vos libertará”, ou seja, a sinceridade cura a dor, sendo franco, vai demonstrar o real sentimento e o arrependimento. Pedindo perdão, mas um perdão apaixonado, será aceito de volta. Tal discurso bíblico é encontrado no Novo Testamento, em João 8:31 e 32: “Disse, pois, Jesus aos judeus que haviam crido nele: Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará.”

Outra expressão que faz parte do senso comum é encontrada na canção: “Quem não pede perdão, não é perdoado”, isto é, quem não exprime em palavras o seu 63Insensatez, por João Gilberto, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes (1961)

Ah, insensatez, que você fez / Coração mais sem cuidado / Fez chorar de dor o seu amor / Um amor tão delicado / Ah, por que você foi fraco assim / Assim tão desalmado / Ah, meu coração, quem nunca amou / Não merece ser amado / Vai, meu coração, ouve a razão / Usa só sinceridade / Quem semeia vento, diz a razão,/ Colhe sempre tempestade / Vai, meu coração, pede perdão / Perdão apaixonado / Vai, porque quem não pede perdão / Não é nunca perdoado.

arrependimento, não será desculpado. Então, encontra-se, nesta composição, novamente, a presença de intertextualidade, com a existência de provérbio e ditos populares, além de semelhança com o discurso bíblico. Quem enuncia poderia ser uma 3ª pessoa, vendo de fora a situação, recriminando primeiro o “tu” e depois se colocando no lugar do “eu”. Ao final da canção, dá conselhos ao seu próprio coração de forma contundente, ao afirmar que se não pedir perdão, não será perdoado.

Conforme Severiano e Mello (2002), “Insensatez” é uma composição chopiniana, aparentada com o “Prelúdio nº 4, em mi menor, opus65 28”, na melodia e harmonia. Esta canção foi lançada por João Gilberto no seu terceiro elepê. É basicamente formada por uma frase de oito compassos no modo menor, em quatro seqüências que baixam em três tons inteiros, com a quarta permanecendo na tonalidade da terceira. Esses 32 compassos são repetidos em função da letra, dirigida ao coração do poeta, a princípio recriminando-o por fazer “chorar de dor o seu amor, um amor tão delicado”, depois exortando-o a pedir perdão, “porque quem não pede perdão não é nunca perdoado”.

O ethos que recebe investimento nesta composição, de acordo com Costa (2001), é o de um sujeito carinhoso e amoroso, que anseia por carinho e amor, sua corporalidade compõe igualmente um ethos emocionalmente frágil e sensível. Isto é visível em “Ah, insensatez / que você fez / coração mais sem cuidado... / assim tão desalmado...”.

4.5 Canções que enaltecem o samba: “Samba da Bênção”, “Só Danço Samba”, “O