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Canongia”), referem-se quase com certeza a Joaquim Ignacio, que não sendo o

irmão mais novo de José Avelino, pois aquele faleceu em 1850 (cf. “Influência paterna e primeiros estudos em Portugal”, pág.18), se referem quase certamente ao filho mais velho dele, Joaquim Ignacio Canongia [Júnior] (?-1857). Não se destacou como músico este sobrinho de Avelino Canongia, esteve antes intimamente ligado à edição musical, estabelecendo em 1850 uma litografia em Lisboa, tendo-se associando no ano seguinte a João Cyriaco Lence nesse negócio155. Terá sido muito provavelmente no âmbito desta sua ocupação que Joaquim Ignacio Canongia [Júnior] poderá ter contribuído para a canção atrás referida, munindo-a nomeadamente de texto.

150 cf. Cranmer e Brito (Crónicas da Vida Musical Portuguesa na primeira metade do século XIX , p.61),

onde se refere que «o senhor Tiago de Odalde tocou magistralmente no clarinete as variações de Rode em sol maior, com algumas alterações». Não se referindo neste caso explicitamente o autor, a indicação de

«alterações» reporta-nos claramente para a adaptação de Canongia.

151 Em ambos os livros, More Clarinet Virtuosi of the Past p.339, e Yesterday’s Clarinettists: a sequel p.265. 152

Que na realidade se inicia precisamente com uma introdução, seguida de um tema com seis variações e coda.

153 Igualmente in More Clarinet Virtuosi of the Past, pp.66 e 339, e Yesterday’s Clarinettits: a sequel, p.265

– cf. nota rodapé 150, p.12.

154http://www.bn.pt/coleccoes/musica.html 155

Tendo concluído a apresentação de todas as obras de Avelino Canongia conhecidas, e mesmas das apenas supostas, resta apenas referir que, infelizmente, jamais se poderá avaliar de forma fiel a verdadeira extensão da produção musical de Avelino Canongia, principalmente após o bizarro incidente relatado por Ernesto Vieira no seu Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes ao procurar rasto das obras do virtuoso português junto dos descendentes de Manuel Ignacio de Carvalho, antigo discípulo de Canongia e herdeiro das suas partituras:

«Legou [Canongia] em testamento […] todas as […] musicas que possuia ao seu discipulo Manuel Ignacio de Carvalho, […] que era um macambusio que nunca disse a ninguem possuir reliquias do seu mestre. […] Tempo depois de [este] ter fallecido procurei o seu filho para ver se podia adquirir essas reliquias como tenho adquirido tantas outras. – Impossivel, me disse aquelle cavalheiro: minha mãe, incomodada com o grande volume d’aqulles papeis, vendeu-os todos a pezo. […] Foram por ares e ventos!... comprou-os um fogueteiro!...» [sic] 156.

Pois, por mais insólito que possa parecer o acontecimento que se acaba de narrar, não se pense que foi sequer caso isolado. Senão veja-se o que acrescenta Ernesto Vieira quanto ao sucedido: «não é este um caso novo; no decurso d’esta obra [o Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes] se encontrarão outros similhantes»157.

2.2.ESTREIAS E OUTRAS EXECUÇÕES DE OBRAS DE CANONGIA

Pamela Weston dá-nos conta que Canongia estreou ele próprio várias das suas obras158, senão mesmo todas, pois sem dúvida escrevia essencialmente para exaltação do seu próprio virtuosismo. Todavia, e apesar do individualismo com que foi e para que foi concebida, a sua música parece ter obtido algum sucesso ainda durante o séc. XIX, pois além das frequentes apresentações de José Avelino com as suas próprias peças, alguns outros clarinetistas, não só

156 Vieira, op. cit., p.202. 157 in op. cit., p.202. 158

nacionais como até alguns estrangeiros, executaram obras do virtuoso português. Um dos mais importantes exemplos é o de David Eduard de Groot (1795-1874), clarinetista holandês muito apreciado, nomeadamente, pelo compositor Louis Spohr, que executou em Março de 1824, na cidade alemã de Kassel, um concerto de Avelino Canongia (talvez o nº2 em sib Maior) «considerado muito difícil»159.

Também em 1824, ou até talvez ainda no ano anterior, um outro artista estrangeiro, apesar de este fixado em Lisboa, o catalão Tiago de Deus Odalde (?- ?), executou umas «variações de Rode em sol maior, com algumas alterações»160 num dos concertos da Sociedade Philarmonica de Domingos Bomtempo. Esta notícia refere-se com certeza à mesma obra mencionada por Pamela Weston como «[Canongia’s] arrangement of a set of violin variations by Rode»161, que o

próprio terá apresentado em Turim em 1820. Aliás esta autora refere162 precisamente o nome de Odalde como tendo tocado umas “Variações em sol sobre um tema de Rode” em 1824, provavelmente aludindo ao mesmo concerto atrás mencionado. Este Tiago Odalde parece ter sido, tal como Canongia, clarinetista conceituado em Portugal por esta época, pois uma outra referência aos concertos por subscrição da Sociedade Philarmonica menciona-o novamente como solista, desta vez executando o “Concerto nº3” de Iwan Müller163 (1786- 1854), informando-se que apesar de todas «as suas difíceis cadências, etc., [foi] muito bem tocado»164.

Existe ainda notícia de que Carlos Augusto Campos, artista também de ascendência catalã165 tal como José Avelino e igualmente futuro solista da

159 Weston, in More Clarinet Virtuosi of the Past p.118, tradução livre do autor.

160 Cranmer e Brito, Crónicas da Vida Musical Portuguesa na primeira metade do século XIX, p.61. 161 in More Clarinet Virtuosi of the Past, p.66.

162 idem, p.339.

163 Müller foi clarinetista conceituado, mas o seu nome ficou principalmente ligado ao novo clarinete

“omnitónico” que apresentou ao painel de especialistas do Conservatório de Paris (que incluía nomeadamene os compositores Cherubini e Méhul) em 1812 como o clarinete revolucionário, e que foi ostensivamente recusado. Ficou todavia conhecido como o “clarinete sistema Müller de 13 chaves” que acabou por ter algum êxito na substituição dos clarinetes de 5 e 6 chaves de então, e que foi usado durante mais de um século, ainda para além da introdução do actual sistema Böehm (que aconteceu curiosamente ainda na primeira metade do séc. XIX, em 1844).

164 Cranmer e Brito, op. cit., p.57.

165 Parece ter havido alguma preponderância da origem catalã em muitos dos clarinetistas que imigraram para

o nosso país. Ora como alguns deles cá se fixaram definitivamente e acabaram por constituir família, temos que vários dos melhores clarinetistas “portugueses” novecentistas provêem de facto de uma linhagem catalã.

orquestra do S. Carlos, executou na Academia Melpomenense, num concerto dado a 16 de Janeiro de 1849, «um dos concertos compostos por Canongia»166.

Outros relatos de execuções de suas obras incluem os «saraus musicais de domingo à noite»167 na casa do Barão de Quintela, onde se tocavam habitualmente «sinfonias, aberturas e concertinos de Haydn, Krommer, André, C. M. v. Weber, e outros, e também concertos de clarinete de Canongia e concertos de violino de Giordani»168. Este futuro Conde do Farrobo foi um dos mais activos financiadores da música portuguesa oitocentista, tendo inclusive construído um teatro privado (das Laranjeiras) para as suas apresentações musicais.

Mas a mais intrigante referência às obras de Avelino Canongia e suas execuções públicas – neste caso pelo próprio – vem de uma das crónicas do Allgemeine Musikalische Zeitung, escrita por um colaborador (anónimo, como quase sempre nestes relatos) que assistira a um dos concertos de Canongia em Turim (crónica datada de 26/Abril/1820). Diz assim o crítico: «Se não tocasse somente as suas próprias composições, o seu gosto e a sua expressão teriam ainda mais efeito»169. Aliás este correspondente lamenta mesmo que tais excelentes virtuosos desperdicem ostensivamente o seu talento insistindo em tocar exclusivamente a sua própria música. Porém, são curiosamente as mesmas obras do clarinetista português que tanto desagradaram ao cronista do Allgemeine que obtêm enorme sucesso em Lisboa, já no ano de 1822.

166 Segundo Vieira, op. cit., p.179. 167 idem, p.62.

168 idem, pp.62-63.

169 Conforme citado por Cranmer in Opiniões estrangeiras sobre dois músicos portugueses: J. D. Bomtempo e J. A. Canongia, p.34.

3. Os Concertos para clarinete e orquestra

«The great instrumental performers, particularly those born at the end of the eighteenth century, did much to establish the popularity of the concerto.»