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Nesse momento, é o Mestre Dico Ticó (Figura 39, p. 152), Diretor de Carimbó da Irmandade, quem comanda o “grupo de Carimbó Jovem da Irmandade”82 (Figura 40, p. 153),

formado exclusivamente por jovens residentes nesse lugar. Na foto tirada no dia 21 de dezembro de 2013, por exemplo, Bola, de 17 anos, bate o carimbó de marcação. No carimbó repique, bate o Tiago, de 18 anos. Mestre Ticó, canta e sacode o par de maracas. O reque (reco-reco) é raspado pelo Audicley, de 18 anos. E, no rufo (espécie de caixa), toca Marcley, de 19 anos. Além desses, o triângulo é tocado pelo Ângelo, de 28 anos.

Figura 39 – Mestre Dico Ticó, o Diretor de Carimbó da Irmandade

Fonte: Acervo do autor, 2013.

82 Sobre o nome desse grupo não há um consenso entre os tocadores, haja vista que no decorrer da pesquisa constatei o mesmo sendo intitulado de “O grupo Quentes da Madrugada, a nova geração”, “A nova geração dos Quentes”; e ainda “O grupo das Alvoradas e Rezas”, já que normalmente é este o grupo que toca nesses momentos da festividade. Contudo, nesta tese, com o intuito de diferenciar esse grupo do outro grupo que toca durante a festividade “Os Quentes da Madrugada”, o chamarei no decorrer do texto de o “grupo de Carimbó Jovem da Irmandade”.

Figura 40 – O grupo de Carimbó Jovem da Irmandade

Fonte: Acervo do autor, 2013.

Interessante registrar que esses tocadores frequentemente alternavam os seus instrumentos, o que, conforme Mestre Ticó, era bom, pois assim todos podiam tocar os vários instrumentos da Irmandade. E, como esse grupo não é estável, uma vez que é constituído somente para tocar durante a festividade, há constantemente oscilações quanto à formação de seus integrantes.

No entanto, é importante ressaltar que são os tambores, em particular, os instrumentos essenciais na construção musical do Carimbó dessa festividade, pois, segundo seus tocadores, “não há Carimbó sem tambor”83, “ pode faltar tudo, menos o tambor84” e “essa festa só pode

começar depois que os tambores começam a tocar”85

83 Entrevista realizada com Ângelo, integrante do grupo de Carimbó Jovem da Irmandade, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

84 Entrevista realizada com Tiago, integrante do grupo de Carimbó Jovem da Irmandade, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

85 Entrevista realizada com Mestre Ticó, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

Esse tambor é, portanto, o demarcador do tempo e espaço ritualístico dessa festividade, marcando seu começo e seu fim, como revelam os versos da cantiga “Bico do Pica-Pau”: “No bico rufa o tambor/viemos cantar alvorada”. E, ainda, como bem informa Isaac Loureiro, “É só a gente movimentar os tambores e já começa a Alvorada pro Santo. [...] O tambor é o centro. [...] E é entre o primeiro toque da Alvorada até o último bater do tambor na varrição do mastro que acontece a festa pro Santo”86.

Desse modo, essa festividade está marcada pelo som dos tambores que possibilitam, conforme os tocadores, uma dimensão bem peculiar em relação a outras celebrações dedicadas a São Benedito. Segundo Isaac Loureiro, é isso “possivelmente o que reforça uma dimensão muito forte da África dentro do contexto da festa da Irmandade sem diminuir, é, claro, a força da cultura indígena, que está ali misturada”87.

Ainda com o objetivo de ratificar a presença negra no Carimbó, convém ressaltar que, para Mestre Ticó, “não há nada melhor do que tocar e cantar Carimbó pra São Benedito”88.

Pois, segundo ele, o ato de tocar, além de ajudar a manter a tradição do Carimbó nessa festividade e agradecer ao santinho as graças alcançadas, ajuda a manter as raízes africanas e indígenas que permeiam o Carimbó dessa localidade:

[...] Tem gente aqui que reza, que dança, que faz a festa pra agradecer algum pedido pro Santo. [...] A gente aqui [se referindo a ele e aos integrantes do “Grupo Jovem da Irmandade”] reza pra ele também com a batida dos tambores, com a cantiga, com o raspar do reque, com os xeques sacudindo [...] E quando toco, eu sinto a força do tambor, do negro, dos escravos que chegaram aqui [...]89.

86 Entrevista realizada com Isaac Loureiro, no dia 25 de janeiro de 2014, na minha residência, em Belém (PA). 87 Entrevista realizada com Isaac Loureiro, no dia 25 de janeiro de 2015, na minha residência, em Belém (PA). 88 Entrevista realizada com Mestre Ticó, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

89 Entrevista realizada com Mestre Ticó, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

Paralelamente a isso, outro aspecto também de suma importância diz respeito à antiguidade da cantiga “Bico do pica-pau” (Transcrição 1, p. 151), a primeira cantada na

Alvorada. O passado dessa cantiga é atestado em sua última estrofe, na qual há dados

significativos em relação ao contexto histórico e político em que fora composta, a saber, “Bandeira Real”, “Dom Pedro II”, “Imperador de Portugal”. Essa antiguidade também é confirmada na fala de Mestre Ticó:

Essa cantiga é muito antiga. Acho que vem mesmo da época de Dom Pedro, o Imperador de Portugal, como fala na letra da cantiga. [...] Não sei quem fez ela, só sei que já faz muito tempo, porque meu pai que já morreu contou que o meu avô já sabia cantar ela e que o pai do meu avô já cantava igualzinho. Se a gente for ver é de muito longe, dos nossos antepassados, né?90

Após uma breve pausa, que ocorre quase sempre entre a execução de uma cantiga e outra durante todos os momentos dessa festividade, a segunda cantiga que é consecutivamente tocada e cantada nesse momento é a cantiga “A Mulatinha”. (Transcrição 2, p. 156)

Convém notar que, no decorrer da Alvorada, outras cantigas de Carimbó que fazem

parte do repertório dessa festividade foram cantadas e executadas da seguinte forma: Mestre Ticó sempre cantava as estrofes e os demais tocadores cantavam o refrão. Nesse momento, muitas pessoas cantavam juntamente com os tocadores o refrão dessas cantigas, que foram repetidas várias vezes até o final da Alvorada.

90 Entrevista realizada com Mestre Ticó, no dia 26 de dezembro de 2014, no barracão da Irmandade, em Santarém Novo (PA).

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