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A configuração instrumental que toca durante essas festas é constituída por todos os instrumentos de percussão da Irmandade e os tocadores geralmente intercalam entre si os instrumentos durante a performance musical. Há casos também de alguns tocadores que já tocaram com o “grupo jovem da Irmandade” ou que são amigos de alguns desses tocadores

pedirem, às vezes, para tocar e dependendo do envolvimento afetivo e de parentesco dessa pessoa com o tocador isso pode ser permitido ou não.

Para dançar no salão, conforme as regras da Irmandade, os homens devem obrigatoriamente trajar paletós e gravatas, enquanto as mulheres devem usar, comumente, saias abaixo dos joelhos e blusas com mangas (Figura 47, p. 174). A respeito dos motivos da utilização desse traje nessas festas, há duas versões: De um lado, alguns membros da Irmandade acreditam serem essas vestimentas insígnias que derivam do caráter sagrado do Carimbó da Irmandade sendo cultivadas até hoje, em parte, pelos seus integrantes. Pois os

festeiros e os membros da Irmandade iam antigamente para a reza na Igreja com esses trajes e

de lá já saiam para a festa; de outro, a tradição do paletó e da gravata existe desde o século XIX, quando um grupo de negros escravos foi chamado para tocar em uma festa de casamento de alguns portugueses colonos. Contam que, como a banda do município de Maracanã não pôde comparecer para tocar nesse casamento, eles procuraram os negros escravos residentes nas proximidades, que possuíam tambores e tocavam Carimbó. Os escravos aceitaram e foram lá tocar. Desde então, é tradição dançar usando esses trajes.

Ressalva-se que, devido à solicitação das crianças e de seus responsáveis para que houvesse também festa mais cedo destinada a essa faixa etária infantil, a Diretoria da Irmandade resolveu que, das vinte e uma às vinte e duas horas, ocorreria todas as noites um momento da festa dedicado especialmente para elas, iniciando-se somente, às vinte e três horas a festa aos adultos. Para a Diretoria, esse momento da festa somente para as crianças era muito importante para estimular a nova geração da Irmandade.

Então, como ocorre com os adultos, desde cedo, são os cavalheiros que geralmente convidam as damas para dançar no salão. Em determinado momento dessa festa, cheguei próximo de um garoto que se dirigia ao encontro de sua dama, e ele falou: “Quer dançar?” Ela olhou, não falou nada, só mexeu a cabeça sinalizando que sim. Os dois seguiram para o salão.

Figura 47 – Casal Luciane Corrêa e Silvio Marques dançando e vestidos

de acordo com o costume

Fonte: Acervo do autor, 2014.

De pausa em pausa, comumente os meninos e meninas descansam, bebem água e refrigerante, comem, batem fotos, além de estarem normalmente em contato com seus pais que lhes enxugam, de vez em quando, seus rostos molhados de suor. Essas crianças dificilmente querem parar de dançar no salão. E a cada cantiga, os pares se revezam envolvidos de muita alegria e satisfação. Estava próximo de um garoto que disse a sua mãe quando ela lhe perguntou se ele queria ir embora: “Mãe, não quero ir embora, não! Amo dançar Carimbó”. E do mesmo modo, quando são os adultos na pausa entre as cantigas, os pares sempre saiam do salão para descansar. Só que os homens normalmente saem para beber a gengibirra e, as mulheres, para arrumar as suas vestimentas e também para beber.

Registra-se que, no decorrer dessas festas, várias outras cantigas são executadas pelos dois grupos de Carimbó. Elas se repetem em todas as noites. As letras dessas cantigas tratam de modo geral de questões referentes à fauna e à flora dessa localidade, de cenas da vida cotidiana desse município, de amor, entre outros temas. Fato curioso é que nas letras dessas

cantigas executadas durante a festividade, somente as “Folia de São Benedito” (Transcrição

7, p. 168), “Casa Santa” (Transcrição 6, p. 167), “Ladainha foi rezada” (Transcrição 9, p. 170) e as em latim, como “Ora pro nobis” (Transcrição 8, p. 169), tecem referência especificamente ao santo e/ou a aspectos religiosos.

Igualmente ao momento da Alvorada, a bebida e a comida são garantidas pelo festeiro do dia. Assim, geralmente são oferecidas às pessoas que estão no salão uma variedade de alimentos, como a carne de porco, o vatapá, bolos variados, o mingau de milho, a galinha com arroz, o beju-chica (torrada de tapioca com coco), dentre outros. Também não poderão faltar a

gengibirra (bebida feita da mistura de gengibre com cachaça) (Figura 48, p. 176) e as batidas

de maracujá e/ou de jenipapo. E ainda são servidos café com bolachas e biscoitos. Essa distribuição é uma forma de compartilhar e festejar com toda a comunidade as graças alcançadas naquele ano. Essa ação de ofertar comida estaria associada, segundo alguns membros dessa Irmandade, à própria história de São Benedito que por ter sido cozinheiro nunca faltava comida nas festas. Esses alimentos são entregues geralmente na cozinha do barracão (Figura 49, p. 176) a qualquer pessoa presente na festa que queira comer. Somente os tocadores são servidos pelo festeiro do dia de forma diferenciada. Na verdade, a regra da Irmandade é que nunca poderá faltar nada para os tocadores. Os tocadores devem ser tratados de maneira diferenciada, uma vez que são eles, conforme os festeiros, dentre outros, os convidados mais importantes, haja vista que se não tiver os tocadores de Carimbó e o seu tambor para animar, a festa não pode acontecer. A esse respeito, Sr. Ronaldo, festeiro do dia 27 de dezembro de 2014, explanou: “Como vai ter festa sem os tocadores de Carimbó, sem o tambor. O santo quer as coisas todas certas, a Alvorada bonita, a comida, o mastro, a bandeira, a reza que é importante, e, claro, o tambor e os tocadores de Carimbó”97. Também

faz parte da tradição da festividade os tocadores receberem como recompensa pelo dia tocado

97 Entrevista realizada com Sr. Ronaldo Leão, no dia 27 de dezembro de 2014, na sua residência, em Santarém Novo (PA).

naquela festa alimentos como porco, frango, carne, entre outros. Esses alimentos são divididos igualmente entre todos os tocadores que tocaram naquele dia.

Figura 48 – A bebida gengibirra

Fonte: Acervo do autor, 2014.

Figura 49 – Cozinha do festeiro

À meia noite, ocorre um dos momentos mais aguardados dessa festa - a Dança do Peru -, que é acompanhada pela cantiga “O Peru do Atalaia” (Transcrição 11, p. 178). Dela, participam poucos casais, mais ou menos, na seguinte configuração coreográfica: o cavalheiro corteja a dama, fazendo volteios ao seu redor, com as fraldas do paletó levantadas pelas pontas dos dedos, imitando as asas de ave, o peito saliente, todo inflado, como se fosse um peru. Após certo número de voltas e requebros, o cavalheiro é substituído por outro, depois a dama, e assim sucessivamente vão se revezando homem e mulher para dar oportunidade a novos elementos. Nesse âmbito, “o caráter de dança solista favorece demonstrações de habilidade individual [...] O solista, através de mímicas, executa uma dança imitativa e nisto parece haver muita influência das antigas danças indígenas.” (SALLES e SALLES, 1969, p. 279). Em outras localidades, essa dança, no decorrer do tempo, ao que tudo indica, ganhou novas configurações coreográficas. Pois, conforme Loureiro (1973), Brígido (1975) e Fonseca (1975), um dos pontos de maior destaque dessa dança é quando o cavalheiro entrega o seu lenço e, em seguida, com os braços levantados para trás, abre as pernas até atingir um ângulo que lhe permita apanhar o lenço com a boca sem flexionar os joelhos. A dama fica rodando no centro de uma grande roda formada pelos brincantes, enquanto os dançarinos se sucedem, fazendo-lhe mesuras – como juntar com os dentes um lenço no chão, para ofertar-lhe, enquanto a mulher, num volteio mais ousado, passa a saia por cima dele – até que seja enxotado da roda e outro brincante tome seu lugar.

Mais ou menos, à uma hora da madrugada, é que o grupo de Carimbó “Os Quentes da Madrugada” – atual grupo de Carimbó oficial dessa Irmandade - sobe no palco para tocar.

Esse grupo é formado pelos seguintes tocadores: Raimundo Costa Corrêa (Dico Boi), no carimbó grande; João Sota (Cabocão), no carimbó médio; Gilson Corrêa (Barão), no carimbó de marcação; Evandro (Meu avô), na caixa rufo; Léo, no triângulo; Antônio Walter

(Preto), no carimbó pequeno; Japona, no reque-reque; Iago, nas maracas; Raimundo Corrêa Costa (Ticó) e Candido Costa Dias (Candinho), nos vocais.

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