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CAPÍTULO 3 – SUJEITOS DA HISTÓRIA: MEMÓRIAS DA AIDS EM PONTA GROSSA PR

3.3 UM CANTINHO QUE É NOSSO: CONTATO DOS SUJEITOS COM A ONG E

AÇÕES INICIAIS (1995-1998)

Uma vez fundada a ONG, tratou-se de buscar conseguir um espaço para a efetivação do trabalho, sendo conseguida a cessão de uma sala para funcionar como sede do Reviver já a partir do início de 1996, em parceria com o Centro de Direitos Humanos – PG (a sede no Edifício Itapuã, tal qual relatado no capítulo anterior). Florence divulgava e convidava os pacientes do ambulatório de infectologia para conhecer o trabalho recém iniciado: e foi assim que tanto Lis quanto Rosa se tornaram frequentadoras do grupo. Já Ricardo relatou que chegou até o grupo sobretudo por intermédio de irmã Ione. Lembrou Lis que os soropositivos eram muito “mal vistos” (sic) na sociedade, então, quando soube da existência do grupo, pensou que através da união entre eles poderiam se fortalecer na reivindicação de pautas em comum.

30 Depoimento cedido por ‘Florence’ a Marcos Vinícius Barszcz, na data de 30 de dezembro de 2020.

A partir daqui, a entrevistada será referida apenas pelo pseudônimo e ano de coleta do depoimento.

31 Ao somarmos os casos diagnosticados e os falecimentos por complicações decorrentes da AIDS,

com base nos dados apresentados no capítulo anterior, quadro 1, em 1995 a cidade somava 107 casos notificados e 45 óbitos.

E naquela época, HIV era sinônimo de defunto, tinha gente que não dava nem a mão. Aí conheci a ‘Florence’, e ela me convidou para essas reuniões; e o grupo começou a pagar INSS para gente, para a gente se aposentar. Desde o início já. O grupo foi pegando corpo, forma, teve presidentes, tinha eleições, chapas, etc... teve assistente social, que desenvolveu projetos, veio verba do governo, deu assistência melhor, tinha almoço para o pessoal, doar cestas e tal... mas no início não era assim, eram pessoas conversando mesmo. Para conseguir montar uma cesta básica não era fácil. Ninguém queria dar alimento para quem tinha AIDS – era vagabundo, drogado, puta, viado... – ninguém queria dar alimento para essas pessoas: “você está assim porque não presta, se está assim é porque você quis”. Isso existe até hoje, mas é velado. Na época, se falava sobre medicações, cada um falava sobre sua história, algumas pessoas mais chorosas e a gente tentava ajudar, porque não tinha nada, psicólogo, médico, nada; era um se apoiando no outro! E quem frequentava o Reviver, passou a se unir – “olha só, lá é um cantinho que é nosso!”32 (LIS, 2020)

Albertina travou seu contato inicial com o grupo ainda em 1995, por uma relação de parentesco de segundo grau (cunhada) com Florence – e foi assim que se aproximou realizando ações voluntárias de secretariado no Reviver. Conforme lembra, sua impressão inicial do grupo foi a de que “[...] era uma ONG para cuidar das pessoas que tinham AIDS e morriam”. É ela quem lembra que o ‘grupo GLS’ se chamava ‘Anjos da noite’ – nome que não aparece nos registros oficiais – e, composto apenas por homossexuais, realizava abordagens em pontos de prostituição da cidade, com distribuição de preservativos e informações.

O relato das primeiras ações associadas ao grupo remonta à sede no Edifício Itapuã (1996-1997). Segundo Florence, tratava-se de um espaço pequeno, onde realizaram as primeiras reuniões e os primeiros planos de ação, além de receber individualmente pessoas com diagnóstico positivo (para orientações, acolhida, encaminhamentos) e das primeiras reuniões do ‘grupo GLS’ – e as pessoas que faziam parte desse grupo acabavam por convidar outras para participar. As ações em geral se voltavam para disseminação de informação, realização de campanhas preventivas e ações assistencialistas, como doação de cestas básicas e outros itens. Ainda, Lis e Rosa apontam que já desde então o Reviver buscou atuar no sentido de conseguir a aposentadoria para ambas, isto é, “[...] o grupo começou a pagar INSS para a gente se aposentar, desde o início já”, conforme lembra a primeira.

Uma vez que Centro de Direitos Humanos não mais se dispôs a continuar custeando o espaço que partilhavam com a ONG (era cedido para outras entidades

32 Depoimento cedido por ‘Lis’ a Marcos Vinícius Barszcz, na data de 10 de janeiro de 2020. A partir

concomitantemente, como o Grupo Ecológico), o grupo passou para uma segunda sede em março de 1998 – uma sala nos fundos do Diretório Central de Estudantes da UEPG. Albertina relembra que era uma sala bastante precária, isto é, não se tratava de um espaço preparado para receber tal demanda, mas foi então o espaço possível: não possuía cadeiras, alagava quando chovia – aos poucos as pessoas foram comprando itens e o deixando mais adequado para o trabalho.

Alternando reuniões entre a sala aos fundos do DCE e a sede da Copiosa Redenção, nessa época o grupo começou a ter mais frequentadores, e estes já passavam mais tempo do dia no Reviver – o grupo ‘Anjos da Noite’ passou a se reunir ali durante o dia, enquanto realizava abordagens de rua à noite. Há memórias que não constam nas fontes oficiais, como o início de trabalhos de artesanato com um grupo de mulheres e a chamada “Baladinha da Lucinha” (“Lucinha” é Luciamari Moro Conforto dos Santos, voluntária de longa na instituição que ocupou diversos cargos na diretoria, inclusive a presidência):

Nessa época [...] a Lucinha inventou a “baladinha da Lucinha” – as mulheres com HIV levavam um lanche e a gente se reunia à tarde, conservava... Elas falavam do HIV, choravam as amarguras, suas tristezas e ao final a gente fazia um lanche. Aí algumas das usuárias, não vou lembrar quem, inventou que era a “baladinha da Lucinha”. Tinha na terça, ou segunda, não lembro. E a Lucinha era uma pessoa muito sensível, muito querida, muito carinhosa, aí criou-se a baladinha da Lucinha... (ALBERTINA, 2020)

O grupo permaneceu na sede aos fundos do DCE de março a agosto de 1998. Florence sintetizou que, até esse momento, o trabalho se concentrava em ações preventivas mais pontuais e de assistência para os doentes, envolvendo também o medo e a desinformação, isto é, ações informativas. Dessa época, há dois elementos que destacamos como importantes para a expansão da ONG rumo ao novo patamar que se observa no período seguinte: em primeiro lugar, o início da elaboração e submissão de projetos ao Estado, que perpassou a regularização documental da organização perante a legislação necessária para se participar de um edital federal, e o auxílio de pessoas como professoras do curso de serviço social da UEPG e de Toni Reis, do Grupo Dignidade, que ajudaram diretamente na escrita das propostas, já que a equipe ainda não tinha experiência em como fazê-lo. E, em segundo lugar, a cessão de uma sede com espaço amplo e de melhor estrutura, através de reivindicações com o prefeito Jocelito Canto, que, segundo a profissional de saúde, se sensibilizou com a causa. Assim, este cedeu o uso da casa (a sede na rua Rio Grande do Sul) e também um veículo para as ações do Reviver.

3.4 DO PORÃO PARA A MANSÃO: EXPANSÃO DA ONG E PROJETOS COM O