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4.1 – Introdução

O universo da BD, que alguns apelidam de “Nona Arte”, tem características muito próprias que se afastam e se cruzam simultaneamente com o mundo real. Edgell et al (2001, p. 12) salientam o carácter comunicativo da BD, ao sintetizar ideias e trazendo-a a um público inumerável. Esta sua capacidade única, a de chegar a públicos extremamente diversos com um profundo impacto sobre a opinião pública, são ponto de partida e motivação para a aproximar ao planeamento do território.

Neste capítulo apresenta-se o conceito de BD e suas diversas ramificações. Pela riqueza intrínseca a este universo, tão intimamente ligado com a história cultural humana, procurar-se-á oferecer ao leitor uma panorâmica tão global quanto possível sobre a BD. Embora seja uma forma de expressão disseminada à escala global, é vista em alguns quadrantes da sociedade como uma arte menor e só para crianças, ideia sobre a qual se tentará produzir uma reflexão crítica. Nesta linha de argumentação, salienta-se o potencial da BD, abordando a componente comunicacional (já referida acima), nomeadamente na introdução de conceitos científicos a públicos leigos.

Antes de iniciar o capítulo, refira-se que muitos dos exemplos sobre a BD são resultado de estudos no meio escolar. Não se pretende com isto focalizar a BD apenas no segmento estudantil; pretende-se apenas extrair ideias que possam fundamentar uma utilização da BD num espectro etário mais alargado.

4.2 – O que é Banda Desenhada?

Para que se possa aplicar a BD no âmbito dos processos de participação pública, é essencial perceber de que se está a falar. A BD encerra em si um conjunto de características únicas que, compreendidas na sua essência, sustentarão a sua utilidade como ferramenta comunicacional para os mais diversos públicos, visando no fundo, a transmissão de uma mensagem clara.

Wikipedia (2007), refere que em Portugal se define BD como histórias aos quadradinhos, no Brasil, revista em quadrinhos, ou “comic book” (ou simplesmente “comics”), como é predominantemente conhecida nos Estados Unidos ou “mangá”, como é referenciada no Japão.

Edgell et al (2001, p. 8) aborda o carácter abrangente da BD e identifica o seu alvo. Explica que a partir da construção de um pequeno conceito/desenho inicial, se gera um processo

de reprodução em massa, perspectivando que tantas pessoas quanto possível entendam claramente as mensagens transmitidas, ao contrário das belas-artes, que visam um processo de criação individual (ex.: um quadro ou uma escultura). Assim,

(…) um pequeno desenho inicial pode acabar em centenas de milhares de cartões de

aniversário ou em milhões de jornais. (…) visto apenas, na sua forma inicial, por algumas dezenas de pessoas, pode agora ser reproduzido de modo a que nações inteiras se possam instantaneamente divertir, informar, entreter ou ser levadas a pensar.

O autor conclui que nesta reprodução de massas reside o poder da BD e embora pese o seu poder comunicacional (como se verá adiante), é subestimada. De facto, é parte do património artístico de uma nação, e não um mero produto descartável apenas para consumo mercadológico, situação que é respeitada em países como França, Bélgica ou Japão, ao tornarem um dos pilares da Indústria Cultural nacional – e com enorme sucesso além fronteiras, refira-se (Calazans, 2002, p. 1). Calazans explica que o valor da BD a torna equivalente a uma manifestação cultural de um povo, como festas folclóricas populares, dramaturgia, cinema, literatura ou artes plásticas e como tal o autor argumenta que esta deveria considerar-se como um bem cultural.

Em virtude do peso da BD em termos sócio-culturais, serão aprofundadas as suas características. Afinal, o que é esta Nona Arte?

Da Silva (2001, p. 1) define-a generalizadamente como um tipo de linguagem que combinando textos e desenhos, serve para contar uma história. O grande autor de BD Will Eisner definiu-a como arte sequencial, na perspectiva em que histórias, de carácter visual

artístico, combinando tanto imagem como texto e encadeando vários quadros, conseguem narrar uma história ou ilustrar uma situação (Calazans, 2002 e McCloud, 1993). McCloud (1993, p. 9) parte da definição de Eisner, através sua obra “Understanding Comics”, para chegar a uma definição mais complexa de BD;

Figura 4.1

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com.ics(komiks)n. (…) 1. Juxtaposed pictorial and other images in deliberate sequence, intended to convey information and/or to produce an aesthetic response from the viewer.

(…)

De acordo com Klawa e Cohen, o encadeamento produzido entre vinhetas/quadrados é lógico, pois cada quadro adquire sentido só após se ter visto o anterior e o desenrolar da acção da história é o elo que liga as diferentes figuras (Da Silva, 2001, p. 1). Embora existindo cortes no tempo e no espaço, Klawa e Cohen explicam que existe coerência no desenrolar da acção.

Na construção da sua definição, McCloud (1993, p. 7) tem o cuidado de distinguir BD de animação ou filme; embora ambos sejam sequenciais no tempo, o primeiro apresenta imagens visíveis em simultâneo (as páginas), ocupando espaços distintos, enquanto que os seguintes ocupam o mesmo espaço (o ecrã de projecção). Esta ideia é ilustrada por Barreto (2004, p. 1):

(…) a banda desenhada não pode ser confundida com a obra ilustrada (nesta a narrativa

não se desenvolve em imagens, são as imagens que acompanham a narrativa escrita). Não pode de igual modo ser confundida com a animação (a animação está para a banda desenhada tal o cinema está para a escrita) (…)

Curiosamente Da Silva (2001, p. 2) explica que muitos dos conceitos utilizados no estudo da BD provém da narrativa cinematográfica; a dinâmica da história, que no cinema resulta do movimento das imagens, neste caso é gerada pela imaginação do leitor.

McCloud (1993, p. 8) também extrai arte da definição de BD, relativamente à dada por Eisner, por considerar que a sua presença contribui para o julgamento do seu valor (já que o que está em causa é apresentar uma definição isenta).

Também Ferro (1987, p. 21) explica que BD é uma narrativa visual, podendo ou não incluir narrativa verbal. O mesmo autor define-a como uma sequência de desenhos ou signos icónicos, cronologicamente sucedentes e que, no seu conjunto, pode ser impressa, à semelhança de publicações periódicas.

Embora se apresentasse necessária a definição de BD, tal não deve servir para a conter e delimitar em demasia. Constata-se que coarctar a expansão do conceito pode criar dificuldades no desenrolar da dissertação (a não referencia ao cartoon ou caricatura, por exemplo). Não se pretende fugir à definição, mas simplesmente proporcionar um enquadramento para esta área de estudo. Edgell et al (2001, p. 8) referem que a BD é transversal aos múltiplos aspectos da vida moderna, desde cartões de saudação, às belas- artes e ao design, de uma forma quase incomparável. Esta amplitude poderá ser uma das razões que levou Scott McCloud a recusar a ideia de que a BD se cinja a um formato estanque.

The nomenclature of comics can get confusing -- comic books, comics strips, cartoons. (…)If they're comics just because they're sitting on the same page, and drawn in the same style, then that excludes a lot of interesting stuff that's being done in comics. Or is about to be done. You know, some people use photo collages as comics. I think that certainly qualifies - - comics can include any number of stylistic approaches and media. (McDonald, 2006)

Ou seja, depreende-se que McCloud procura defender (embora no âmbito da sua própria definição) uma exploração e desenvolvimento abrangentes da BD, no sentido em que factores como a criatividade enriqueçam o resultado final em detrimento de uma qualquer definição asfixiante (McDonald, 2006).

Chegando a este ponto, impõe-se descrever um pouco mais aprofundadamente alguns dos elementos que integram uma BD.

A BD é na sua essência, uma história, a expressão desenhada (e escrita) de um argumento. Vives (1991, pp. 10-11), explica que é possível a um autor contar tudo o que lhe ocorrer, ilustrando com diversos exemplos.

Histórias cómicas

Uma viagem de estudo ou de fim de curso Alguma coisa que aconteceu no teu bairro Aquela excursão tão divertida

Grandes aventuras

Histórias dramáticas e sentimentais Lendas do país

Um caso policial

Uma crítica impiedosa ao professor de ciências Uma viagem a um país imaginário

Biografias de pessoas que tu gostas

Uma visita a um jardim zoológico real ou inventado Um passeio pela tua rua em que retratas as suas personagens

Uma história do ano 2001, etc., etc..

Uma história de BD tem personagens, tem cenários, tem texto, tem balões de fala e onomatopeias e muito mais elementos (não referenciados aqui), que um ou vários autores articulam. Da Silva (2001, p. 2) explica que a BD integra dois universos: o linguístico e o das imagens (como se constatou nas definições anteriores). Combs (2003, p. 25) salienta a dependência mútua entre imagem e texto, um enredo em movimento rápido com elevada acção, a utilização de onomatopeias e múltiplos estilos de impressão entre outros, como recursos frequentes apresentados no âmbito da BD.

No que concerne ao universo linguístico, Da Silva (2001, p. 2) refere a importância dos balões e onomatopeias, sendo os primeiros como o espaço onde a fala ou pensamentos dos personagens são inseridos. Paralelamente, algumas ferramentas linguísticas são

Figura 4.2 O potencial da BD tem o alcance da imaginação de cada autor

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