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CAPÍTULO 2 – Carcinicultura brasileira: adaptação e desenvolvimento

CARCINICULTURA BRASILEIRA: adaptação e desenvolvimento

Vinícius Gabriel da Silva Santana12, Francisca de Souza Miller13, Cibele Soares Pontes14

1Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente – PRODEMA, Centro

de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil.

2santana.vgs@hotmail.com 3fransmiller56@yahoo.com.br 4cibelepontes.ufrn@yahoo.com.br

ESTE ARTIGO FOI SUBMETIDO AO PERIÓDICO Desenvolvimento e Meio Ambiente DE QUALIS (2013-2016) B1 PARA CIÊNCIAS AMBIENTAIS E QUALIS (2019) A2 (COMPROVANTE EM ANEXO, FIGURA 7). PORTANTO, ESTÁ FORMATADO DE

ACORDO COM AS RECOMENDAÇÕES DESSA REVISTA (acessar https://revistas.ufpr.br/index.php/made/about/submissions#authorGuidelines).

Carcinicultura brasileira: adaptação e desenvolvimento

Brazilian shrimp farming: adaptation and development

Resumo

Ao longo do seu processo histórico, a carcinicultura brasileira alcançou bons índices de crescimento econômico em detrimento dos impactos socioambientais negativos gerados. Nesse sentido, objetivamos analisar seu processo histórico buscando compreender suas adaptações e elucidando o seu desenvolvimento. Para isso, analisamos a complexidade da organização social e os avanços tecnológicos ocorridos no setor. Em seguida, adotamos a perspectiva desenvolvimentista do Amartya Sen, em dados secundários, ilustrando a atividade e seus impactos. Concluímos que, a medida que o camarão se tornou uma das principais commodities do nordeste brasileiro, houve aumento da complexidade da coordenação do setor. Porém, os impactos ambientais negativos gerados pelo seu cultivo e as medidas políticas que privaram o comércio do camarão brasileiro causaram uma estagnação econômica. Todos os atores relacionados a atividade possuem reinvindicações relativas a privações vivenciadas e o desejo de expandir suas liberdades como sinônimo do desenvolvimento.

Palavras-chave: Amartya Sen. Camarão. Liberdade. Privação. Tecnologia.

Abstract

Throughout its historical process, Brazilian shrimp farming has achieved good economic growth rates to the detriment of the negative social and environmental impacts generated. In this sense, we aim to analyze its historical process seeking to understand its adaptations and elucidate its development. For this, we analyze the complexity of social organization and technological advances in the sector. We then take Amartya Sen's developmental perspective on secondary data to illustrate the activity and its impacts. We conclude that, as shrimp became one of the main commodities of northeastern Brazil, there was an increase in the complexity of the sector coordination. However, the negative environmental impacts generated by its cultivation and the political measures that deprived the Brazilian shrimp trade caused an economic stagnation. All activity-related actors have claims regarding lived privations and the desire to expand their freedoms as a synonym for development.

1. Introdução

A produção de organismos aquáticos, denominada aquicultura, vem apresentando um crescimento constante nas últimas cinco décadas e o consumo mundial de pescado per capita quase dobrou de 1960 à 2012, sendo a China o principal país produtor e consumidor (FAO, 2018). As populações de países não desenvolvidos costumavam consumir pescado baseado em produtos locais e sazonais. No entanto, devido ao aumento de renda e riquezas e através das importações, a inclusão desses países na cadeia econômica do pescado está permitindo a diversificação e constância dos produtos consumidos. Esse novo mercado se depara com a estagnação dos índices da pesca exploratória, o que torna a aquicultura ainda mais relevante (FAO, 2014).

Nos cultivos de camarões, ou carcinicultura, a espécie Litopenaeus vannamei é a mais utilizada, representando 53% dos crustáceos cultivados no mundo em 2016 (FAO, 2018). Após adoção dessa espécie na década de 90, a carcinicultura cresceu consideravelmente na América do Sul em função da ampliação da demanda internacional e o alto valor de mercado (Ahmed & Thompson, 2019). Esse crescimento ocorreu baseado no aumento da densidade de estocagem dos camarões, por sua vez cultivados em monocultivos arraçoados (Natori et al., 2011).

No Brasil, 99% da produção de camarões está concentrada na região Nordeste, que possui condições climáticas favoráveis ao cultivo. De acordo com a Associação Brasileira de Criadores de Camarão (ABCC), em 2014, os estados do Rio Grande do Norte e o Ceará produziram 83.53% dos camarões cultivados no país (ABCC, 2015). De acordo com Natori et

al. (2011), o Brasil encontra-se em fase de organização, visando avanços na coordenação do

setor, com o objetivo de otimizar custos e melhorar a qualidade do produto final.

Com o crescimento, a modernização e avanço tecnológico da produção de alimentos nas últimas décadas, uma série de novos problemas socioambientais tem surgido, assim como alguns antigos têm se agravado. A carcinicultura brasileira apresentou um robusto crescimento econômico do final da década de 90 até 2004, quando começaram a ocorrer perdas comerciais (ABCC, 2015). De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO, 2018) diversas complicações sociais e ambientais relacionadas a esta atividade não tiveram melhorias. Com seu crescimento, relata-se a perda crescente das áreas de manguezais, a eutrofização da água, a poluição do solo, a disseminação de doenças nos camarões e a privação de liberdades que limitam as escolhas e oportunidades das pessoas que moram próximas das fazendas (Ottinger et al., 2016; Santos et al., 2018).

É importante ressaltar a diferença entre os conceitos de crescimento e desenvolvimento, sendo o primeiro geralmente voltado aos indicadores econômicos, como o Produto Interno

Bruto e aumento do poder aquisitivo (Veiga, 2005). Apesar do crescimento econômico da carcinicultura, pouco se tem pesquisado sobre o potencial desenvolvimento na vida dos indivíduos. De acordo com Sen (2010) o conceito de desenvolvimento deve ser considerado como um processo da expansão das liberdades que as pessoas desfrutam. Deste modo, além das rendas, mercadorias e riquezas econômicas acumuladas, precisam ser consideradas as realizações e capacidades obtidas para um modo de vida desejado, por sua vez é refletido nos níveis de escolaridade, trabalho, moradia, acessos a serviços de saúde, assistência social, previdência, dentre outros.

Para instrumentalização da perspectiva desenvolvimentista, Amartya Sen aponta cinco tipos de liberdades: liberdades políticas, facilidades econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora (Sen, 2010). Como sua perspectiva melhor atende a esse escopo, pois supera a visão monetária e demonstra consistência na interpretação dos processos de desenvolvimento, sobretudo relativo à sustentabilidade (Szekely & Mason, 2019), procuramos identificar nessa perspectiva os possíveis entraves ao desenvolvimento na carcinicultura brasileira. Além disso, exploramos de que forma a carcinicultura brasileira vem se adaptando ao longo do tempo aos contextos econômicos e ambientais vigentes.

Esse estudo tem como objetivo analisar o processo histórico da carcinicultura brasileira buscando compreender suas adaptações com base nos avanços tecnológicos e na organização social. Num segundo momento, objetivamos elucidar as liberdades e/ou as privações ocorridas entre os atores sociais, relacionadas a um modo de vida sustentável.

2. Metodologia

Para o alcance do primeiro objetivo, a história da carcinicultura brasileira teve seus aspectos analisados através da lógica dedutiva (Gensler, 2010), com relação a fatos de dimensão maior e considerando-se os avanços tecnológicos como principal exemplo das múltiplas respostas dos produtores de camarões ao meio ambiente e às relações socioeconômicas (Steward, 1955; Diegues, 2000). Para isto, foram utilizados procedimentos bibliográficos e documentais, permitindo o entendimento de como a carcinicultura vem se adaptando ao longo de sua existência no Brasil. Nesse sentido, consideramos adaptação como a criação, manutenção e transformação das tecnologias e seu pertencimento às configurações sociopolíticas ao longo tempo. Para essa compreensão, focamos em noções sobre a complexidade da organização social e os avanços tecnológicos, ambos aspectos fundamentais em estudos da Ecologia Cultural (Ortner, 2011).

No Rio Grande do Norte, a atividade é dividida por Freire & Baldi (2014) em quatro principais momentos: introdução da tecnologia (1973-1980), intensificação de pesquisas (1981-

1991), adaptabilidade das tecnologias (1992-2003) e a crise tecnológica limitadora dos lucros (2004-2011). Uma quinta fase é discutida por Tahim et al. (2019), a qual abrange os anos de 2012 a 2015 e se caracteriza pela introdução de novas tecnologias, sendo essas classificações adotadas em nossa análise para fins de organização cronológica dos fatos.

Para o segundo objetivo, a análise acerca do desenvolvimento desta atividade, nos pautamos na perspectiva desenvolvimentista abordada pelo Amartya Sen no livro Desenvolvimento como Liberdade (Sen, 2010). Para a conceituação do desenvolvimento, observou-se não somente a concentração exclusiva de riqueza econômica, uma vez que este autor utiliza um enfoque mais amplo para consideração de uma vida plena, desimpedida, que permita nos tornar seres sociais mais completos, com anseios realizados, interagindo com o mundo e o influenciando. As cinco liberdades instrumentais do desenvolvimento citadas por Sen (2010), foram utilizadas como guia para a análise. Esse método de avaliação é amplamente utilizado em estudos que adotam a perspectiva de desenvolvimento recomendada por Amartya Sen (Santos et al., 2018; Kim et al., 2019; Szekely & Mason, 2019; Tavares, 2018; Xiang et

al., 2019).

Nas liberdades políticas analisamos as formas de liberdade de expressão, o seu posicionamento diante do poder público e a percepção dos atores sobre a representatividade no trabalho dos gestores. Sobre as facilidades econômicas, observamos as oportunidades de participação no comércio e na produção e a geração de abundância individual para o consumo. As oportunidades sociais consideradas foram o acesso aos serviços de educação e saúde, além dos modos diferentes de auxílios de uns aos outros. Para as garantias de transparência, analisamos a percepção dos atores sobre a prática do sigilo de informações dentro dos empreendimentos, a falta de cooperação entre as fazendas e a clareza na conduta de trabalho dos atores dessa atividade. Por fim, sobre a segurança protetora avaliamos a ocorrência de apoio governamental para que os indivíduos não retornem à miséria ou outras formas de privações.

Para ilustração dessas cinco liberdades ou suas ausências no modo de vida dessas pessoas, realizamos o levantamento de bibliografia especializada e avaliamos estudos que caracterizaram indivíduos e comunidades que estão de diversas formas correlacionadas aos empreendimentos de carcinicultura. Os estudos escolhidos caracterizam: pequenos e micros produtores de camarão do litoral Sul do Rio Grande do Norte (Costa et al., 2017) e da região do Vale do Paraíba/PB (Trombeta & Trombeta, 2017); grande produtor do litoral Sul do RN (SANTOS et al., 2015); comunidades próximas de um empreendimento instalado no litoral do Piauí e seus funcionários (TORRES et al., 2016); e uma comunidade situada próxima a fazendas, no Ceará (PINTO et al., 2015; SANTOS et al., 2018).

3. Resultados e Discussão 3.1 Adaptação na carcinicultura

Até o final da década de 70, o consumo de camarão no Brasil ocorria por meio da pesca extrativista, em muitos casos, realizada artesanalmente. O pescado era dividido entre os pescadores, voltado à sua subsistência, e o excedente era vendido nas feiras e mercados locais (Cunha, 2009). As comunidades caiçaras se caracterizavam inicialmente como agricultoras para subsistência, porém muitas passaram a depender mais do pescado, a partir da segunda metade do século XX, devido ao incremento tecnológico da inserção de motores aos barcos na atividade pesqueira. Elas atribuem uma noção de patrimônio comunitário às atividades de coleta de frutas, de pesca coletiva, de fabricação dos materiais da pesca e seus territórios (Adams, 2005).

No mundo inteiro há registros de formas comunitárias de utilização de espaços e seus patrimônios que têm assegurado o uso adequado e sustentável dos recursos naturais. Porém, a expansão dos grandes empreendimentos, a construção de grandes obras e a demarcação de parques vem expulsando ou interferindo o modo de vida dessas comunidades tradicionais em seus territórios sob o discurso de que a propriedade privada pode garantir melhor a conservação ambiental e o crescimento econômico do que a propriedade comunitária (Pereira & Diegues, 2010). A construção de maiores empreendimentos privados de carcinicultura no Brasil deu origem recentemente à relação dessas comunidades pesqueiras com os produtores de camarão. Essa relação possui diversas origens e diferentes desdobramentos, como por exemplo o estabelecimento desses empreendimentos ser visto pelos pescadores como uma problemática ao seu modo de vida (Santos et al., 2018; Moreno, 2019) ou, pelo contrário, a atividade pode ser considerada como um suporte econômico durante os períodos de defeso (Oliveira & Crispim, 2013).

O início da atividade com fins comerciais foi o “Projeto Camarão” desenvolvido pelo governo do Rio Grande do Norte em parceria com instituições públicas, que consistia no desenvolvimento de pesquisas para produção de pós-larvas de espécies nativas (Farfantepenaeus subtilis e F. brasiliensis) e engorda desses animais em pequenas e médias salinas desativadas na região de Macau/RN (Ronçani & Filho, 2015; Santos et al., 2018).

Após o setor salineiro potiguar sucumbir diante das empresas multinacionais instaladas ainda nos anos 60, o “Projeto Camarão” surgiu como uma alternativa de atividade econômica aos produtores que passaram a enfrentar os embargos da concorrência com os grandes empreendimentos salineiros (Ronçani & Filho, 2015; Santos et al., 2015). Com a diminuição dos incentivos públicos, o projeto foi descontinuado e os produtores importaram a espécie

Marsupenaeus japonicus para reprodução e engorda, sendo que a mesma não se adaptou às

Esse fato demonstrou uma necessidade de adaptação das tecnologias, uma vez importadas com o objetivo de desenvolver atividades econômicas em contextos socioambientais diferentes daqueles da origem. Em muitos casos, a importação e modelos pré- fabricados, como uma transposição das experiências de outros povos, não surte os efeitos desejados, pois cada sistema econômico em expansão se orienta de forma única e nem sempre fácil de prever devido as virtualidades, resistências e dificuldades das diferentes áreas geoeconômicas (Castro, 1984).

Na segunda fase, durante a década de 80, foram desenvolvidas técnicas de larvicultura e produção de pós-larvas pela iniciativa privada no estado de Santa Catarina e também na região Nordeste, com base em técnicas desenvolvidas no Equador, para suprir a demanda dos produtores brasileiros, tendo em vista a dificuldade em obterem pós-larvas importadas. Além disso, foram realizados diversos testes para melhorias na qualidade da ração (Natori et al., 2011; Santos et al., 2015). Observa-se então que a disponibilidade dos recursos tecnológicos era primordial ao processo adaptativo. Em direção oposta ao determinismo geográfico, a configuração do meio ambiente não era totalmente uma imposição à atividade, uma vez que a disponibilidade dos recursos naturais direcionava a criação e transformação das tecnologias e a organização do setor (Sahlins, 1966).

Com a adaptabilidade das tecnologias nos países produtores de camarão, sobretudo no final dos anos 90, houve a definição da espécie de camarão Litopenaeus vannamei a ser cultivada em larga escala devido a facilidade em sua obtenção de pós-larvas e a ocorrência de cultivos livres de doenças. A partir disso, a produção dessa espécie apresentou um rápido crescimento global na década seguinte, posteriormente, resultando na representação de 53% dos crustáceos cultivados no mundo, em 2016 (FAO, 2008; FAO, 2018).

No Brasil, essa adaptabilidade caracteriza a terceira fase da carcinicultura (1992-2003) demonstrada pelo grande crescimento econômico dos empreendimentos em detrimento da exploração dos recursos naturais (Freire & Baldi, 2014). Os laboratórios brasileiros de larvicultura e criação de pós-larvas dessa espécie passaram a dominar técnicas que permitiram sua fácil produção e comercialização. Como constatado nos outros países do ocidente, esses camarões possuíam alta adaptabilidade às condições climáticas e de salinidade do nordeste brasileiro (Santos et al., 2015). Além disso, apresentavam uma rápida performance de crescimento, permitindo bons índices de produtividade e alto retorno financeiro (Filho & Ronçani, 2018).

Em 1997, o primeiro ano com relevantes números do setor de camarão cultivado no Brasil, foram produzidas 3.700 toneladas. No ano de 2002, foram 60.120 toneladas produzidas tornando-se o segundo produto do setor primário nordestino de maior participação relativa nas

exportações e assumindo a liderança da produção de camarões no ocidente, uma vez que os cultivos do Equador desde 1999 foram acometidos pela Síndrome do Vírus da Mancha Branca (WSSV). Em 2003, alcançou sua maior produção na história, 90.190 toneladas de camarão cultivado, sendo 58 mil toneladas exportadas, principalmente aos Estados Unidos e à União Europeia (ABCC, 2003; ABCC, 2015).

Outro fator relevante ao crescimento da produção foi a substituição dos cultivos em sistema extensivo para o sistema semintensivo. O sistema extensivo possui menor envolvimento tecnológico com baixa densidade de estocagem dos camarões, mantidos com alimentação natural. No sistema semintensivo, o maior aporte tecnológico permitiu condições de aumentar a densidade de estocagem dos animais com alimentação artificial, controlar os parâmetros da qualidade da água dos cultivos e acompanhar o desempenho zootécnico dos camarões tornando a atividade mais produtiva e rentável diante do maior custo de construção e operação (Rosenberry, 1994; Natori et al., 2011).

A quarta fase da carcinicultura brasileira teve início em 2004 sendo caracterizada pela desestabilidade econômica e pelo alcance do limite de eficiência do sistema de produção mediante três acontecimentos: a atuação do setor público durante intensos períodos de chuva, o aparecimento de organismos patógenos em conjunto com fatores ambientais e as sanções econômicas aplicadas ao setor brasileiro (Freire & Baldi, 2014).

O primeiro fator decorrente foi a grande quantidade anual de chuva acumulada no Rio Grande do Norte em 2004, de acordo com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do RN (EMPARN). Outros dois picos de precipitação ocorreram nos anos de 2008 e 2009 (gráfico 1), sendo os três anos apontados como prejudiciais às fazendas de cultivo de camarões devido a destruição de pontes e acessos que impediam o rápido escoamento dos camarões despescados. Isso levantou questões acerca da importância dos critérios avaliativos dos estudos sobre a instalação desses empreendimentos e da necessidade do suporte do setor público na resolução dessa problemática (Santos et al., 2015).

O segundo acontecimento, entre 2004 e 2005, foram as primeiras ocorrências da Síndrome do Vírus da Mancha Branca, o White Spot Syndrome Virus, nos cultivos brasileiros, registradas nas fazendas e notificadas aos órgãos oficiais. Assim como foi registrada, em 2005, a presença do Vírus da Mionecrose Infecciosa, o Infectious Myonecrosis Virus (IMNV). Os dois vírus geraram altas taxas de mortalidade, causando grandes perdas econômicas, intensificadas pelos picos de precipitação nos quais alteraram a salinidade e temperatura dá água dos viveiros (Seiffert et al., 2005; Cavalli et al., 2008; ABCC, 2011).

Por fim, ainda entre 2004 e 2005, os Estados Unidos aplicou medidas antidumping em empresas brasileiras de produção do camarão. O dumping pode ser definido como uma prática

de comércio internacional onde um produto é exportado para um país com preço abaixo do valor de produção ou inferior ao preço praticado internamente no país importador (Santos et

al., 2015), podendo gerar conflitos econômicos. Nesse contexto, havia pouca competitividade

entre o camarão do setor pesqueiro estadunidense e o camarão cultivado brasileiro, tendo em vista o camarão pescado ter um custo maior (Moura, 2005). Com a aplicação das medidas

antidumping, o camarão oriundo do Brasil perdeu vantagem comercial, levando o setor a

diminuir drasticamente suas exportações e passar a destinar o produto quase em sua totalidade ao mercado interno (ABCC, 2011). Com tudo isso, entre os anos de 2005 e 2010 a produção se manteve estagnada em torno de 65 mil toneladas anuais (gráfico 1). O Brasil só foi retirado da ação antidumping em 2017, porém sem o retorno das exportações aos EUA (ABCC, 2018).

FIGURA 1 – Produção do camarão cultivado no Brasil e média de precipitação acumulada anual no RN (1998- 2017).

FONTE: ABCC (ABCC, 2015; ABCC, 2018) e EMPARN.

A fase mais recente, sobre inovações tecnológicas, demonstra que foram adotadas, em algumas fazendas de engorda de camarão, adaptações para minimizar o uso de terra e uso de água, diminuindo a degradação dos manguezais e evitando a disseminação de patógenos. Foi constatado que as principais inovações nas fazendas de engorda, sobretudo dos grandes produtores, estão relacionadas ao seu desenho e a engenharia de projetos, à biossegurança, através de cuidados sanitários, e à biotecnologia, através do aumento do controle das condições físico-químicas da qualidade da água, melhorias no arraçoamento e manejo dos viveiros (Tahim

Diante desse contexto, os grandes empreendimentos têm investido em tecnologias que permitam a maior densidade de estocagem dos camarões juntamente ao menor uso de área e água (Santos et al., 2015), em cultivos denominados superintensivos. Nesses cultivos, o volume de água utilizado é reduzido ou mesmo extinguido, devido a internalização do seu tratamento buscar manter uma qualidade de ambiente propícia ao crescimento dos camarões e diminuir a possibilidade do estabelecimento de viroses (Emerenciano et al., 2013; Vinatea et al., 2018). Em contrapartida, a necessidade de instalação de equipamentos e maquinários e os custos operacionais são maiores (Natori et al., 2011), o que pode tornar mais difícil o acesso desses sistemas de produção aos micros (<5 ha), pequenos (>5 a <10 ha) e médios (>10 e <50 ha) produtores (CONAMA, 2002).

A atividade, segundo ABCC (2015), apresenta boa lucratividade e é ajustada aos programas de inclusão social no campo, para isso ressalta a representatividade dos micros e pequenos produtores que alcançam, respectivamente, 59.2% e 15.3% da proporção dos produtores envolvidos. Comparando as duas últimas fases, a carcinicultura brasileira apresentou entre 2003 e 2016 um decréscimo produtivo de 33% (indo de 90.190 t para 60.000 t) assim como de produtividade em 64.1% (diminuindo de 6.084 kg/ha/ano para 2.182 kg/ha/ano). Enquanto isso, entre 2003 e 2014 houve aumento na quantidade de produtores em 252.9% e da área dos viveiros em 108.7% (ABCC, 2003, 2015, 2018). Ou seja, houve alta adesão de produtores, diminuição da densidade de estocagem dos camarões e aumento do uso de área para viveiros.

Tahim et al. (2019) mostram a assimetria entre a quantidade, o tamanho dos empreendimentos e o seu poder de mercado. Seus dados apontam uma desigualdade de lucro e

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