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Capacitação das famílias no processo de inclusão

Júlia Serpa Pimentel Luísa Beltrão Maria João Santos

A última década do século XX e os primeiros anos do século XXI evidenciam preocupações ligadas à DESINS- TITUCIONALIZAÇÃO das pessoas com difi culdades de inserção na sociedade, distinguindo-se, assim, das décadas anteriores, em que se procurou resolver os problemas destas populações através da concentração em locais adequados ao seu “tratamento”, coarctando, porém, o seu ingresso na condição natural de membros da comunidade (família, escola, amigos, grupos de tra- balho, lazer, religião, artístico, etc.).

Surge um novo paradigma, a INCLUSÃO, que intro- duz:

Uma abordagem inovadora que privilegia o mo- •

delo biopsicossocial, centrado, não no diagnósti- co da defi ciência/perturbação (modelo médico), mas sim na funcionalidade e participação de cada pessoa, considerando que esta decorre, quer de características pessoais, quer de factores contex- tuais;

Um conceito pioneiro - empowerment parental •

– que implica uma relação de verdadeira parceria entre pais e profi ssionais, com partilha de infor- mação e aprendizagens conjuntas, que permitam às famílias gerir todo o processo de inclusão dos fi lhos.

De facto, a verdadeira INCLUSÃO pretende uma cidadania activa de todos os cidadãos, colocando na so- ciedade a causa das limitações ao acesso a essa cidadania plena por parte das pessoas com defi ciência:

A responsabilidade torna-se política e cívica: o •

direito à igualdade obriga a uma profunda diver- sidade dos apoios sociais, que devem adaptar-se às necessidades individuais.

Os planos de intervenção centrar-se-ão na pessoa •

e não já na doença ou na defi ciência; ocorrerão desde o nascimento até à morte, visando a auto- nomia psicossociolaboral possível; efectuar-se-ão em forma de suporte sistematizado multidiscipli- nar, cabendo ao próprio ou à família (até à idade adulta do fi lho ou quando necessário) gerir o processo.

Salientam-se, como marcos essenciais, a Declaração de Salamanca (1994) e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Defi ciência, assinada por 82 países, no dia 30 de Março de 2007. Ratifi cada por 25 países, incluindo Portugal, entrou em vigor em Maio de 2008.

A entrada em vigor da Convenção representa um marco histórico no reconhecimento e promoção dos

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direitos humanos das pessoas com defi ciências e inca- pacidades, determinando a proibição das discriminações de que são alvo em todas as áreas (integridade e liber- dade individual, reabilitação, saúde, emprego, acesso à informação, aos equipamentos e aos serviços públicos). Simultaneamente, a Convenção e o Protocolo respon- sabilizam toda a sociedade na criação de condições que garantam os direitos fundamentais das pessoas com defi ciência.

Em Portugal, o decreto-lei 3/2008 de 7 de Janeiro e suas posteriores alterações (lei 21/2008 de 12 de Maio), consagram estes princípios.

Assegurado DE JURE a efectivação progressiva deste paradigma, DE FACTO perduram difi culdades, algumas das quais parecem intransponíveis, sobretudo ao nível cultural e das mentalidades sociopolíticas.

Alterar os padrões mentais relativos às intervenções pontuais de carácter terapêutico, e passar à adopção de planos individualizados, não ocorre de um momento para o outro. Demora tempo. Mas deve começar-se a tomar consciência desses novos modelos e operacionali- zá-los.

Para que a mudança ocorra, terá que se partir das perspectivas familiares onde a pessoa é compreendida como um ser singular e não como um caso, uma fatia de acção.

No entanto, como é possível fazê-lo se a experiên- cia remete para uma generalidade de pais fragilizados, ausentes, sem competências para educar uma criança que necessita de cuidados especializados? A primeira questão a colocar é: Porquê este fenómeno?

E logo ocorre a resposta, por demais óbvia:

Porque não existem apoios que, desde o início, faci- litem aos pais as condições necessárias ao desempenho desta difícil tarefa;

Porque nunca os pais foram vistos como os agentes primários da inclusão mas sim como “parte do proble- ma”.

A INCLUSÃO SOCIAL pede uma REDE de pais, profi ssionais e outros agentes, com um objectivo comum: a construção de caminhos de AUTONOMIA para AQUELA PESSOA CONCRETA se tornar cidadão de pleno direito.

Assim surge a Associação Pais-em-Rede, movimento cívico nacional, constituído por famílias, profi ssionais e cidadãos solidários, empenhados na inclusão das pesso- as com defi ciência.

Pais-em-Rede orienta-se segundo 3 vertentes comple- mentares:

Criação de uma rede nacional de “famílias espe- •

ciais” e amigos, organizada em núcleos - dimen-

são nacional com fl exibilidade local.

Fortalecimento da função parental no processo de •

inclusão social dos fi lhos - Ofi cinas de pais/Bolsas de pais

Levantamento de necessidades e procura conjun- •

ta de soluções adequadas e exequíveis, optimizan- do recursos e criando novas respostas.

O modelo Ofi cinas de Pais/Bolsas de Pais foi criado na sequência de uma Ofi cina Experimental, organizada conjuntamente pelo ISPA/Pais-em-Rede, e integralmente fi nanciada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Nesta ofi cina participaram 23 pais, de várias regiões do país, e 11 profi ssionais, de diferentes áreas, que, em conjunto, num total de 36 horas, refl ectiram sobre a “formação de pais” dentro da fi losofi a do movimento.

Do trabalho conjunto, concluiu-se que: Os pais lutam pela felicidade do fi lho; •

Sentem-se isolados, perdidos, desapoiados; •

Precisam de verbalizar, ouvir e exorcizar angús- •

tias, com orientação;

Necessitam de reconhecer pares; •

Querem trabalhar em equipa com profi ssionais; •

Devem adquirir e partilhar informação, num •

clima teórico-prático, visando a autonomia do fi lho; carecem de aprender a estar mais atentos aos sinais da pessoa.

Daqui surge o Projecto Ofi cinas de Pais/Bolsas de Pais, sustentado por uma parceria ISPA/Pais-em-Rede, fi nanciado pelo Alto Comissariado da Saúde (Projecto M10-33) e Fundação Calouste Gulbenkian, preven- do protocolos com as Universidades de Évora, Porto, Aveiro, Algarve, Minho e Coimbra. O projecto iniciou as suas actividades em 12 de Março de 2011, em Lisboa, e terá a duração de 24 meses.

Este projecto previa, numa primeira fase (2011), o funcionamento de grupos dos diferentes níveis em Lisboa, Évora, Porto e Aveiro e, em 2012, o alargamento a Faro, Braga, Coimbra, mantendo-se os locais iniciados no 1ºnível.

Diferenciando-se dos modelos de formação parental vigentes, o projecto defi niu os seguintes objectivos:

Apoio/formação/capacitação de pais de crianças/ •

jovens/adultos com defi ciência, em todo o país, com acções a diferentes níveis:

Grupos de Apoio Emocional •

Grupos para Capacitação Parental •

Formação de Pais Prestadores de Ajuda •

Incremento da intervenção de “pais prestadores •

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fases do processo de inclusão dos fi lhos desde o “anúncio” da defi ciência até à possível autonomia/ inclusão na vida activa).

Supervisão. •

O modelo de funcionamento destes níveis é também diferente, procurando, sempre, assegurar uma resposta individualizada às preocupações e necessidades dos pais que participam.

Nível 1 – Apoio Emocional no Processo de

Adaptação - GAE (18h)

São grupos até 15 pais, com um profi ssional “facili- tador” do processo de interacção entre os pais que têm sessões quinzenais com os seguintes objectivos:

Iniciar um processo de mudança em si e com os •

outros, tomando consciência como sujeito activo e criador;

Compreender o papel de “pai/mãe especial” e dos •

efeitos do/a fi lho/a com defi ciência na sua família; Gerir as suas emoções para conseguir identifi - •

car problemas e necessidades e, posteriormente, encontrar as respostas para as satisfazer;

Identifi car pares, partilhando experiências e de- •

senvolvendo relações interpessoais.

Nível 2 – Capacitação, Fortalecimento e Co-

responsabilização Parental – COR (18h)

São grupos até 15 pais, mais homogéneos em termos das idades dos seus fi lhos, que tenham já frequentado o 1º nível, com dois profi ssionais “orientadores” que têm sessões quinzenais com os seguintes objectivos:

Abordar o processo de inclusão como uma se- •

quência de etapas que conduza à autonomia; Adquirir competências adequadas à gestão •

responsável do processo de educação e inclusão social do fi lho;

Aprender, vivenciando, como se estabelecem rela- •

ções de parceria com os profi ssionais, nas diferen- tes etapas desse processo.

Nível 3 - Formação de Pais Prestadores de Aju-

da (36h presenciais e 14h de trabalho autónomo)

São grupos com um limite máximo de 15 pais, com frequência dos 2 níveis anteriores e que tenham perfi l adequado. Terão sessões de formação/informação, as- seguradas por diferentes profi ssionais, e orientadas pelo seguinte objectivo:

Criação de Bolsas de pais capazes de dar apoio a •

outros pais em diferentes momentos da vida das crianças/famílias (no anúncio, 1ºs anos, escola, etc.).

Os pais prestadores de ajuda têm assegurado um apoio de supervisão por parte de profi ssionais.

Dado termos iniciado em Março de 2011 os primei- ros dois Grupos de Apoio Emocional (GAE) em Lisboa (com pais de Lisboa, Cascais, Sintra, Oeiras, Setúbal e Santarém) e, em Abril, dois grupos com pais de Évora, Estremoz e Vila Viçosa (funcionando em Évora e em Estremoz), apresentamos alguns “materiais” que os pais dos dois primeiros GAE de Lisboa partilharam e que constituem testemunhos impressionantes do que sen- tem/pensam sobre diferentes temas que foram debatidos nesses grupos, quer nas sessões presenciais quer através da NET, entre as sessões.

Todos os documentos, partilhas e materiais constam de portefólios de cada grupo, sendo nosso objectivo a sua divulgação no fi nal do projecto. Estes são apenas alguns exemplos…