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Sen (1992) introduz o conceito de "capacitações" relacionado a um senso de igualdade que denominou "igualdade de capacitação básica" [basic capability equality]. O bem-estar [well-being] é avaliado do ponto de vista da habilidade de uma pessoa de realizar atos ou alcançar estados valiosos. Sen define capacitações como “um conjunto de vetores de funcionamentos que reflete a liberdade da pessoa levar um tipo de vida ou outro” (SEN, 1992, p. 80). As capacitações refletem a liberdade de uma pessoa escolher o tipo de vida que valore:

Tal como o assim chamado “conjunto orçamentário” no espaço de mercadorias representa a liberdade de uma pessoa para comprar pacotes de mercadorias, o “conjunto capacitário” [capability set] reflete, no espaço de funcionamentos, a liberdade da pessoa escolher dentre vidas possíveis (SEN, 1992, p. 80).

Segundo Sen (1992, p. 89), “a capacitação pode ser vista como “um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos”. Para realizar funcionamentos é necessário que se tenha capacitação para tal. A noção de capacitação [capability] para realizar algo não significa o

mesmo que “capacidade” [ability] no sentido ordinário do termo, como quando se afirma que – A pessoa P é capaz de nadar, porque neste sentido, capacidade não implica oportunidade, dado que P pode ser capaz de nadar mesmo sem ter a oportunidade de nadar” (SEN, 1992, p. 234).

É importante enfatizar que o termo Well-being é um conceito de bem-estar relacionado à condição da pessoa, é uma concepção que leva a uma investigação constitutiva do estado de uma pessoa, quão bem essa pessoa está. Ou seja, não se limita a uma concepção econômica como é o Welfare, um bem-estar como assistência social. O conceito Well-being refere-se a aspectos como as habilidades, vantagens e oportunidades das pessoas que refletem em sua situação pessoal. Por essa razão, para Sen (1985), o bem-estar tem a ver com as conquistas de uma pessoa ou com a sua qualidade de vida (SEN, 1985).

Se o bem-estar de uma pessoa é elaborado por meio de seus funcionamentos realizados, “então a capacitação para realizar funcionamentos (todas as combinações alternativas de funcionamentos que uma pessoa pode escolher ter) constituirá a liberdade da pessoa – as oportunidades reais – para ter bem-estar” (SEN, 1992, p. 80). A maneira em que Sen (1992) avalia bem-estar se difere das abordagens tradicionais:

A Abordagem das Capacitações difere claramente e de modo crucial das abordagens mais tradicionais da avaliação individual e social, baseada em variáveis como [...] renda real (como análises que focam no PIB, PNB, vetores de bens nomeado). Estas variáveis tratam todas de instrumentos para realizar bem-estar ou outros objetivos, e podem ser vistas como meios para a liberdade. Em contraste, os funcionamentos fazem parte dos elementos constituintes do bem-estar. A capacitação reflete a liberdade para buscar esses elementos constitutivos e pode até ter um papel direto no próprio bem-estar, na medida em que decidir e escolher também são partes do viver (SEN, 1992, p. 81-82).

A capacitação fornece um ponto de vista para avaliar as condições sociais, políticas e econômicas que as pessoas vivem na sociedade. Essas condições são importantes porque podem levar ao desenvolvimento ou deterioração dos funcionamentos e capacitações de uma pessoa. Sen (1992) introduz o conceito de capacitações para atender à importância fundamental da liberdade:

O termo capacitação se refere à liberdade de uma pessoa ou grupo de promover ou realizar funcionamentos valiosos, “representa as várias combinações de funcionamentos (ser e fazer) que a pessoa pode alcançar. A capacitação é, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos que refletem a liberdade de uma pessoa de

levar um tipo de vida ou outro... para escolher formas de vida possíveis.” É a presença desse termo "liberdade para" [freedom to] a afirmação de que a livre escolha tem influência em atividades de desenvolvimento - o que leva Sen a chamar essa abordagem distintiva de Abordagem das Capacitações (ALKIRE, 2002, p. 6).

A perspectiva das capacitações de Sen vai de encontro com a preocupação de Adam Smith (1976) com a capacidade de funcionar, também entendida como a capacidade de aparecer em público sem corar ou participar da vida da comunidade:

Também é uma abordagem que atraiu muito Adam Smith. Como observado anteriormente, Smith lidou com essa capacidade de funcionar concebida como “a capacidade de aparecer em público sem corar” (e não apenas a renda real ou a cesta de bens que possuem os indivíduos). O que se considera uma "necessidade" em uma sociedade depende, na análise Smithiana, do que se necessite para alcançar algumas liberdades minimamente necessárias, como "a capacidade de aparecer em público sem corar" ou de participar de a vida da comunidade (SEN, 1999, p. 73).

Sen analisa que as necessidades em uma sociedade dependem do que é necessário para alcançar algumas liberdades minimamente requeridas, como a “capacidade de aparecer em público sem corar”. Por essa razão, o foco da Abordagem das Capacitações são as liberdades que os bens geram, não os bens em si, como a renda real ou a cesta de bens que uma pessoa possui. Do ponto de vista de Sen (1992), os bens ou recursos não permitem por si mesmos os funcionamentos e estes, por sua vez, refletem a capacitação de uma pessoa. Os bens ou recursos não são o centro de avaliação, mas sim as liberdades alcançadas graças ao desdobramento das capacitações dos funcionamentos. As capacitações “principalmente um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos” (SEN, 1992, p. 89).

“Na medida em que os funcionamentos são constitutivos do bem-estar, a capacitação representa a liberdade de uma pessoa para realizar bem-estar” (SEN, 1992, p. 89) e reflete a liberdade que uma pessoa tem para levar um tipo de vida ou outro. O conjunto de capacitações é um tipo de liberdade: a liberdade de alcançar diferentes combinações de funções, em outras palavras, a liberdade de alcançar diferentes estilos de vida. Para Sen (1992), as capacitações são uma maneira de conceber a liberdade como "liberdade positiva"4, porque as capacitações expressam a liberdade ou as oportunidades reais que uma pessoa tem para levar o tipo de vida que considera valiosa.

4 Isaiah Berlin também elabora em seu trabalho “Two Concepts of Liberty (1958)” o conceito de liberdade negativa

Para melhor entender a Abordagem das Capacitações, é importante entender o que significa os seus chamados elementos constituintes: funcionamentos e capacitações. Qual é a relação entre os funcionamentos e capacitações?

3.2.1 Relação entre funcionamentos e capacitações

A relação entre funcionamentos e capacitações é bidirecional e simultâneo, porque os funcionamentos ou os diferentes vetores de funcionamentos entre os quais se pode escolher constituem uma capacitação, e a ausência de capacitação reflete a deterioração do funcionamento de uma pessoa:

Na verdade, as relações entre os funcionamentos e as capacitações são muito mais complexas do que podem parecer à primeira vista. As condições de vida são, de certo modo, estados de existência: ser isto ou fazer aquilo. Os funcionamentos refletem os diferentes aspectos de tais estados, e o conjunto de pacotes funcionais viáveis é a capacitação de uma pessoa. No entanto, entre as possibilidades de ser e fazer estão as atividades de escolher, e, portanto, existe uma relação bidirecional e simultânea entre funcionamentos e capacitações (SEN, 1987, p. 37, tradução da autora).

A combinação de funcionamentos constitui a capacitação. Esta última reflete uma combinação alternativa do que fazer e ser de uma pessoa, que se expressa como um conjunto de n funcionamentos. As capacitações são definidas como um conjunto de tais n-múltiplos funcionamentos, que expressam as diferentes combinações alternativas do fazer e ser, qualquer uma das quais pode ser escolhida pela pessoa. “A capacitação é definida em termos das mesmas variáveis focais que os funcionamentos. [...] uma combinação de funcionamentos é um ponto em tal espaço, enquanto a capacitação é um conjunto de tais pontos” (SEN, 1992, p. 91).

A combinação dos funcionamentos reflete as capacitações e as conquistas reais. O conjunto de capacitações representa a liberdade para alcançá-las, isto é, as diferentes combinações de funcionamentos que podem ser realizados. Os funcionamentos, então, alimentam as capacitações. “A ausência de um funcionamento é um sinal claro de que uma capacitação foi violada” (NUSSBAUM, 2002, p. 131). A capacitação é avaliada em função dos funcionamentos.

Os funcionamentos são uma conquista de uma pessoa e as capacitações são um conjunto de tais realizações. Uma conquista de uma pessoa é, por exemplo, andar de bicicleta, correr,

viver sem deficiências nutricionais, entre muitos outros. Agora, a realização de tais conquistas é o que constitui a capacitação de uma pessoa. A capacitação, que é um conjunto dos funcionamentos realizados, reflete a liberdade da pessoa, a liberdade de fazer isso ou aquilo.

Como exemplo da diferença entre funcionamentos e capacitações, Sen (1992), apresenta: uma pessoa rica que toma a decisão de jejuar e uma pessoa pobre que passa fome.

Ambas estão no mesmo funcionamento “jejuar” (passar fome). Porém as duas pessoas possuem capacitações diferentes. A pessoa rica possui uma alternativa diferente – se alimentar, enquanto a pessoa pobre não possui alternativa (capacitação) diferente a não ser a de jejuar, pois não possui de qualquer maneira, o alimento. As escolhas ocorrem de maneira diferente, uma vez que a primeira escolheu passar fome (jejuar), enquanto a segunda não tinha outra opção (liberdade para escolher não passar fome).

A liberdade é um aspecto de relevância moral e política, entre outras coisas, uma vez que poder viver sem deficiências nutricionais, com abrigo e com boa saúde, ter a possibilidade de participar nos campos política, social e econômica, entre outros funcionamentos, expressa liberdade enquanto capacitação, o que reflete a oportunidade real do indivíduo alcançar aquilo que valoriza.

A diferença entre os conceitos de funcionamentos e capacitações é a demarcação entre as conquistas e as liberdades ou opções valiosas de que se pode escolher. O que realmente importa é que “os indivíduos tenham a liberdade ou as oportunidades valiosas expressas em capacitações para levar o tipo de vida que queiram levar, para fazer o que queiram fazer e ser as pessoas que querem ser” (ROBEYNS, 2005 p. 95). Depois de ter essas oportunidades substanciais, é que se pode escolher as opções mais valiosas.

Entretanto, se a Abordagem das Capacitações expressa a liberdade de uma pessoa escolher entre diferentes estilos de vida, de que tipo de liberdade estamos falando?

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