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Pobreza e suas medidas: uma análise a partir da abordagem das capacitações de Amartya Kumar Sen

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Academic year: 2021

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Mariana Segalla Cassol

POBREZA E SUAS MEDIDAS:

Uma análise a partir da Abordagem das Capacitações de Amartya Kumar

Sen

Florianópolis 2019

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Mariana Segalla Cassol

POBREZA E SUAS MEDIDAS:

Uma análise a partir da Abordagem das Capacitações de Amartya Kumar Sen

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Ciências Econômicas do Centro Socioeconômico da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharela em Ciências Econômicas

Orientadora: Profª. Dra. Solange Regina Marin

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pela autora, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS

A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,0 a aluna Mariana Segalla Cassol na disciplina CNM 7107 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.

Banca Examinadora:

________________________ Professora Dra. Solange Regina Marin

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Professora Dra. Carmen Gelinski Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Professor Dr. Michele Romanello Universidade Federal de Santa Catarina

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Dedico este trabalho à minha mãe, obrigada por sempre ter acredito em mim À meu pai in memoriam

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha família, por todo o suporte durante estes anos de graduação

A Universidade Federal de Santa Catarina, pelas oportunidades, pela vivência universitária e pelo papel fundamental para meu desenvolvimento enquanto ser humano

Aos amigos, que fizeram o caminho da graduação mais leve e feliz

A minha orientadora Solange Marin, pelo auxílio na elaboração desta monografia, por me apresentar os escritos de Sen, e me fazer enxergar a ciência econômica com outros olhos

Meu maior agradecimento sempre será à minha mãe Marlei, pelo grande exemplo de força e perseverança, por me ensinar a levantar e lutar por meus sonhos, por ser minha maior fonte de amor e apoio

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“Poverty can mean poor health, inadequate education, low income, precarious housing, difficult or insecure work, political disempowerment, food insecurity, and the scorn of the better off. The components of poverty change across people, time, and context, but multiple domains are involved” Sabina Alkire

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RESUMO

Habitualmente, o pensar e mensurar pobreza restringem-se ao senso comum da falta de renda. Porém, os componentes que compõe a vida de uma pessoa são variados, o que torna inapropriado pensar e mensurar a pobreza apenas por uma única dimensão: a renda monetária. Ao longo dos anos, os conceitos e as formas de medir pobreza evoluíram para a compreensão de seu caráter multidimensional. A Abordagem das Capacitações de Amartya Sen possibilita compreender a pobreza por meio dos funcionamentos e capacitações que uma pessoa pode realizar, e os efeitos que as privações destes elementos podem ocasionar na vida de um indivíduo. É neste contexto que a monografia se propõe, sem negar a importância da renda monetária, a evolução da análise do conceito de pobreza a partir da Abordagem das Capacitações. Ao considerar os axiomas da Monotonicidade e da Transferência em suas elaborações, as medidas de pobreza também apresentaram evoluções. Por fornecer informações relativas as diversas privações que uma pessoa pode sofrer em apenas um único número, apresentar a possibilidade de decomposição de seus indicadores e de expor a inter-relação entre as formas de privação, o Índice de Pobreza Multidimensional se configura como a ferramenta mais completa atualmente ao se mensurar a pobreza e auxiliar na formulação de políticas públicas mais eficazes na erradicação deste fenômeno social.

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ABSTRACT

Poverty is usually thought about and defined as a lack of income in relation to a given population mean. The conditions of a person’s life however are varied, which cannot be grasped by thinking about and measuring poverty only through a single dimension: the monetary income. For this reason, theories and methods of measuring poverty have evolved to provide an understanding of its multidimensional character. Amartya Sen's Capability Approach seeks to understand poverty through the functionings and capabilities that a person can perfom, and the effect that the deprivation of these elements can have on an individual's life. This monograph analyses multidimensional approaches and, without denying the importance of monetary income, proposes to analyse and measure the concept of poverty through the Capability Approach. When considering the axioms of Monotonicity and Transfer in their elaborations, poverty measures have also evolved. By providing information about the various deprivations that a person may suffer in only one number, present the possibility of decomposition of their indicators and expose the interrelation between forms of deprivation, the Multidimensional Poverty Index is currently the most complete tool available to measure poverty and assist in the formulation of more effective public policies in the eradication of this social phenomenon.

Keywords: Capability Approach, Multidimensional Poverty, Poverty.

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANB – Abordagem das Necessidades Básicas AC – Abordagem das Capacitações

BIRD – Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IPH – Índice de Pobreza Humana

IPH-1 – Índice de Pobreza Humana para países em desenvolvimento IPH-2 – Índice de Pobreza Humana para países desenvolvidos IPM – Índice de Pobreza Multidimensional

IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada LIP – Linha Internacional da Pobreza

M0 – Incidência de Pobreza ajustada pela Intensidade ou IPM OPHI – Oxford Poverty & Human Development Initiative ONU – Organização das Nações Unidas

P0 – Proporção dos Pobres

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento WDI – World Development Indicators

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 O QUE É POBREZA? ... 18

2.1 A trajetória do conceito de pobreza ... 18

2.2 Pobreza absoluta ... 20

2.3 Necessidades básicas ... 22

2.4 Pobreza relativa ... 24

3 A ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES ... 27

3.1 Os Funcionamentos ... 27

3.2 As Capacitações ... 30

3.2.1 Relação entre funcionamentos e capacitações ... 33

3.3 As Liberdades ... 34

3.3.1 Capacitações como liberdade positiva... 36

3.3.2 Liberdade e Bem-estar ... 38

3.3.3 Liberdade de agente ... 39

3.3.4 Privação de liberdade ... 40

4 MEDIDAS DE POBREZA ... 44

4.1 Linhas de pobreza ... 44

4.2 Medidas unidimensionais de pobreza... 48

4.3 Medidas Multidimensionais de pobreza ... 52

4.3.1 Índice de Pobreza Humana ... 53

4.3.2 Índice de pobreza multidimensional... 57

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 57

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1 INTRODUÇÃO

Com a intensificação do debate sobre o crescimento e desenvolvimento econômico, a temática da pobreza adquiriu espaço dentro da ciência econômica, convergindo em uma área específica de pesquisa científica (LACERDA, 2011). Esta área de pesquisa científica avançou em direção a uma compreensão mais ampla sobre o fenômeno pobreza. Para a compreensão da pobreza, faz-se necessário perceber que se trata de uma questão social, ou seja, não se refere a algo natural, e por esta razão deve ser compreendido quais os fatores, relação social e mecanismos que resultam e perpetuam este fenômeno.

Entende-se que a pobreza é fenômeno social complexo, não devendo ser relacionado apenas ao caráter unidimensional. Abordar a pobreza apenas pelo espectro da renda monetária oculta as demais dimensões que compõe a vida humana. A renda, apesar de importante, é somente uma das inúmeras dimensões que compõe a temática da pobreza.

A proposta da Abordagem das Capacitações (1992) do economista e filósofo indiano Amartya Sen é uma das iniciativas mais influentes no campo da filosofia moral e política. A abordagem desenvolvida por Sen (1992) influenciou uma nova conceitualização de questões como desenvolvimento humano, pobreza, qualidade de vida, direitos humanos, entre outras. A Abordagem das Capacitações contrasta com as visões tradicionais de desenvolvimento que se restringem ao crescimento da renda, e mostra que a renda pode, em geral, não passar de um meio, não sendo este um fim em si:

O que a Abordagem das Capacitações faz na análise da pobreza é melhorar o entendimento da natureza e das causas da pobreza e privação desviando a atenção principal dos meios (e de um meio específico que geralmente recebe atenção exclusiva, ou seja, a renda) para os fins que as pessoas tem razão para buscar e correspondentemente, para as liberdades de poder alcançar esses fins (SEN, 1999, p. 123).

Sua estrutura conceitual permite avaliar e valorar o bem-estar e o alcance da liberdade de um indivíduo, grupo ou sociedade. O foco desta abordagem não são os direitos com os quais um indivíduo conta, ou seus bens e recursos monetários, mas o que este indivíduo consegue realizar com aquilo que possui, o que ele realmente consegue fazer ou ser (SEN, 1992).

Uma vida com dignidade é constituída na medida em que os indivíduos possuem liberdade e capacitação para funcionar, que lhes permite alcançar os aspectos que consideram

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valiosos para suas vidas. Um indivíduo em situação de pobreza ou miséria, possui privação de capacitações. Um tipo de sociedade que tolera a miséria de um ou de um grupo de seus membros, viola o direito à vida e a uma vida digna (SEN, 1992).

Uma sociedade livre é aquela em que seus membros possuem capacitações que lhes permitam viver o tipo de vida que considerem valiosa. A liberdade é um bem fundamental para uma sociedade que lute contra viver em condições de extrema pobreza, de falta de moradia, de exploração, degradação das condições de trabalho, incapacidade de acesso à educação e todos os bens básicos que a sociedade considere essenciais para a existência de uma vida livre. O sentido fundamental da liberdade é estar livre de correntes, aprisionamento e escravidão por outros (SEN, 1999).

A partir da Abordagem das Capacitações, Sen (1992) avaliou o problema da pobreza através das liberdades e capacitações de uma pessoa de realizar funcionamentos valiosos como parte de sua vida. Mensurando o bem-estar por meio de fatores multidimensionais como o da possibilidade de participar da vida em sociedade, de ter acesso à educação, de “estar nutrido adequadamente, estar em boa saúde, livre de doenças que podem ser evitadas e da morte prematura, etc.” (SEN, 1992, p. 79).

Em conjunto com a evolução do conceito de pobreza, houveram modificações na maneira de se mensurar a pobreza. Grande parte dos indicadores de pobreza se baseiam apenas pelo caráter unidimensional, ou seja, apenas variável renda, e ignoram as outras dimensões de bem-estar. Com intuito de sanar esta questão, diversas elaborações que levavam em conta dimensões para além da renda foram desenvolvidas. Essas novas formulações consideram o caráter multidimensional da pobreza, e incluíram em seus indicadores avaliativos do bem-estar associados as liberdades, privações, funcionamentos e capacitações que os indivíduos experimentam na vida em sociedade.

A partir dessa discussão, a questão da monografia é como o conceito e as medidas de pobrezas foram modificadas após a Abordagem das Capacitações de Amartya Sen? O objetivo geral é compreender o conceito de pobreza e suas dimensões a partir da Abordagem das Capacitações e apresentar as medidas multidimensionais da pobreza. Os objetivos específicos são: revisar o conceito unidimensional de pobreza; apresentar a Abordagem das Capacitações de Sen e apresentar as medidas multidimensionais de pobreza e discutir como superam as medidas unidimensionais.

Para o desenvolvimento dos demais capítulos desta monografia, foram realizadas pesquisas bibliográficas e revisões literárias, ressaltando que “a pesquisa bibliográfica não é

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mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem” (MARCONI; LAKATOS, 2010, p. 166).

A monografia é composta por cinco capítulos, sendo este o capítulo introdutório. O capítulo 2 discorre sobre a evolução dos conceitos de pobreza, pobreza absoluta, abordagem das necessidades básicas e pobreza relativa. Tem como objetivo apresentar a base teórico-conceitual para os capítulos seguintes. O capítulo 3 introduz o caráter multidimensional do conceito de pobreza, embasado na Abordagem das Capacitações de Amartya Kumar Sen, e disserta sobre os conceitos de liberdades, funcionamentos e capacitações. O capítulo 4 apresenta e discute as linhas de pobreza, as medidas unidimensionais e multidimensionais de pobreza. Por fim, o capítulo 5 apresenta as considerações finais desta monografia.

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2 O QUE É POBREZA?

Este capítulo aborda a evolução do conceito de pobreza, e tem por propósito mostrar como o conceito de pobreza evoluiu de uma abordagem unidimensional para uma abordagem multidimensional. A trajetória do conceito de pobreza é o tema da seção 2.1 e apresenta a maneira como a pobreza era concebida antes das concepções cientificas desenvolvidas recentemente. Na seção 2.2 é apresentado o conceito de pobreza absoluta, que está relacionado a não possuir o mínimo suficiente para sobrevivência física. A seção 2.3 trata da abordagem das necessidades básicas, que reconhece que outros fatores além da renda, influenciam na obtenção de uma vida digna. E por fim, o conceito de pobreza relativa é introduzido na seção 2.4 e se estabelece por comparação do padrão de vida e da maneira como as diferentes necessidades são supridas em uma dada realidade socioeconômica.

2.1 A trajetória do conceito de pobreza

Sempre houve ao longo das construções das sociedades, a figura do pobre. Entretanto, a visão sobre pobreza obteve diferentes perspectivas, no decorrer dos diferentes momentos históricos. Estas perspectivas e representações socais impactaram na subjetividade de como se percebe a pobreza. (GUIMARÃES, 2016).

Na idade média, a percepção da pobreza ocorria pelo prisma religioso, justificado por meio da vontade divina. Os pobres eram pobres porque assim Deus quis, as pessoas abastadas também eram justificadas pela vontade de Deus. Lopes (2016) chama a atenção para a maneira como a pobreza era enaltecida, sendo vista como um caminho para a salvação, enquanto a riqueza apresentava perigos que, em geral, conduziriam à perdição.

Os pobres executavam o papel de receptores da caridade provinda dos membros da sociedade, para que os ricos pudessem obter a redenção de seus pecados através da partilha de suas riquezas. Rezende Filho (2009, p. 3) atenta para este caráter de funcionalidade desempenhado pelos pobres “sempre devem existir pobres, para que os ‘não-pobres’ possam assisti-los, qualificando-se como bons cristãos”:

Estabelece-se um comércio entre o rico e o pobre, com vantagens para as duas partes: o primeiro ganha sua salvação graças à sua ação caridosa, mas o segundo é igualmente salvo, desde que aceite sua condição. (...) o pobre pode, não obstante, ser instrumentalizado enquanto meio privilegiado para que o rico pratique a suprema virtude cristã, a caridade. (CASTEL, 1998, p. 64-65).

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Ir contra a pobreza, era ir contra a vontade de Deus. Restava aos pobres apenas esperar por uma intervenção divina e pelas esmolas proporcionadas pelos membros da sociedade cristã (CASTEL, 1998).

Porém, ao passar dos séculos e com o início da propriedade privada, quem possuía riquezas não desejava mais dividi-las e visava o fim da obrigatoriedade imposta pela igreja de ajuda aos pobres. Este motivo em conjunto com uma série de outros fatores (Iluminismo, corrupção, mudança de pensamentos, racionalismo, etc.) ocasionaram a ruptura do domínio da igreja perante a sociedade, atribuindo ao Estado as responsabilidades para com os pobres (SCHWARTZMAN, 1997).

No século XIV, mais precisamente no ano de 1388, surge a Leis dos Pobres1. Sua gênese se deu em consequência direta às profundas transformações sociais provocadas pela exploração dos recursos naturais do Novo Mundo e da abertura de novos mercados de consumo que favoreceram a expansão do comércio e da indústria manufatureira” (RICARDO, 1996, p. 75). A Lei dos Pobres é considerada como a primeira grande política social relacionada a pobreza. A classificação dos pobres ocorria em três grupos: “pobres impotentes – idosos, enfermos crônicos, cegos e doentes mentais; pobres capazes para o trabalho, ou mendigos fortes; e os capazes ao trabalho, mas que se recusavam a fazê-lo – os corruptos” (PEREIRA, 2008, p. 64). Influenciada pelas ideias utilitaristas e pelo pensamento do Laissez Faire, uma alteração foi realizada na Lei dos Pobres. Seu novo enfoque2 passou a ser apenas as pessoas em situação de total privação – os incapacitados ao trabalho, surgindo a partir de então, a distinção entre indigentes e pobres.

Pensadores influentes da época, “como David Ricardo e Thomas Malthus, condenavam a assistência aos pobres por acreditarem que isso ocasionaria problemas ao bom funcionamento do sistema econômico”(LACERDA, 2009, p. 29). Tal pensamento corroborou para a percepção dos pobres como algo ruim, em caráter pejorativo, ocorrendo uma denotação de meritocracia, onde uma pessoa é pobre por não possuir determinação suficiente, por falta de força de vontade ou por levar a vida de maneira desiquilibrada, em especial no quesito sexual, acarretando

1 A lei dos pobres possuía caráter mais coercitivo do que protetor. Para Behring e Boschetti (2009) a lei não tinha

como finalidade garantir o bem comum, mas manter a ordem social e punir a vagabundagem. O pobre passa a ser visto como uma ameaça à ordem.

2 A Lei dos pobres passou a ser contestada pela classe proprietária de terras e pelos capitalistas industriais,

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grandes índices de gravidez e com isso, perpetuando o número de pobres (SCHWARTZMAN, 2004).

Albert (1992, p. 17-18) observa que em grande parte da história das sociedades humanas, “o pobre tem sido, com grande frequência, tratado como um coitado, um inútil, um fracassado, um preguiçoso, um suspeito, e até mesmo um culpado”. De acordo com Guimarães (2016), ser pobre é visto em paralelo as mazelas da sociedade, ficando a mercê de ser uma peça oportuna para o acúmulo de riqueza dos detentores de capital. Neste estado de completa rendição ao capital, o pobre se personifica com ausência de virtudes individuais. O indivíduo é colocado como único responsável por ser pobre, omitindo o fato de que esta condição advém de uma realidade coletiva. As causas da pobreza estariam no comportamento do indivíduo, em seu modo de levar a vida (GUIMARÃES, 2016). Esta maneira de enxergar e lidar com a pobreza predominou desde dos anos de 1800 até aproximadamente 1950 (CRESPO e GUROVITZ, 2002).

Entretanto, nos anos de 1950, a discussão sobre pobreza começou a transformar-se e a atrair a atenção dos pesquisadores e agentes públicos, tornando-se objeto de estudo científico e a redirecionar a atenção para as causas de sua origem. Desde então, as acepções sobre o problema caminham “em direção à ampliação da percepção sobre o fenômeno” (CODES, 2008, p. 23).

A primeira perspectiva de pobreza trazida ao debate foi a noção de pobreza absoluta. Esta percepção será discutida a seguir.

2.2 Pobreza absoluta

O conceito de pobreza absoluta manifestou-se em conjunto com o estudo de nutricionistas inglesas no século XIX (CODES, 2008) e foi utilizada como referência pelo Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD). Em um primeiro momento, a abordagem da pobreza absoluta definia como pobre “a família cuja renda não fosse suficiente para obter o mínimo necessário para sua manutenção meramente física” (TOWNSEND, 1993, p. 30).

Esta abordagem está vinculada “às questões de sobrevivência física, ao não-atendimento das necessidades relacionadas com o mínimo vital” (ROCHA, 2006, p. 11) no campo nutricional, classifica entre pobres e não pobres aqueles que apresentam renda suficiente para

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obter o indispensável para a reposição das energias corporais e os que não conseguem suprir estas necessidades.

A perspectiva de pobreza absoluta é compreendida como um fenômeno unidimensional; leva em conta unicamente o aspecto da renda:

Nas economias modernas e monetizadas, onde parcela ponderável das necessidades das pessoas é atendida através de trocas mercantis, é natural que a noção de atendimento às necessidades seja operacionalizada de forma indireta, via renda. (ROCHA, 2006, p. 12).

O fato do mercado de trabalho se apresentar como a fonte da renda familiar, a renda oriunda do trabalho se configura como principal determinante do status de pobre/não pobre das famílias (ROCHA, 2006).

Esta perspectiva unidimensional, apenas monetária, se mostra predominante em publicações científicas e na elaboração de estratégias que visem a superação da pobreza. Este aspecto unidimensional da pobreza está intimamente relacionado com a vulnerabilidade vivenciada pelos indivíduos (CARNEIRO, 2005). Em uma sociedade monetizada o primeiro nível dessa condição de vulnerabilidade refere-se à pobreza entendida enquanto insuficiência de renda:

A ausência ou insuficiência de renda constitui um fator de extrema vulnerabilidade em um contexto de economia de mercado, estando essa condição diretamente ligada à qualidade da inserção dos indivíduos no mundo do trabalho. Isso se torna ainda mais grave quando a provisão de serviços públicos é deficiente, e os pobres não podem contar com uma rede pública de proteção social, com acesso a serviços básicos capazes de viabilizar patamares mínimos de qualidade de vida. Situações de baixa renda somam-se, perversamente, as necessidades básicas insatisfeitas: condições precárias de saúde e nutrição, situações de baixa escolarização, moradias inadequadas, precárias e ilegais, localizadas em lugares insalubres, estigmatizados. (CARNEIRO, 2005, p. 67).

Segundo a Organização das Nações Unidas para Educação Ciência e Cultura (2019) o conceito de pobreza absoluta se mostra limitado, uma vez que mede a pobreza somente em relação à quantidade de dinheiro necessária para atender às necessidades básicas, como alimentos, roupas e abrigo. O conceito de pobreza absoluta não está preocupado com questões mais amplas de qualidade de vida ou com o nível geral de desigualdade na sociedade. Falha, portanto, em reconhecer que os indivíduos têm necessidades sociais e culturais importantes.

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Apesar de ser imprescindível ao ser humano a sua manutenção física, a capacidade de se alimentar não é a sua única necessidade. Segundo Codes (2008) fica negligenciado o fato de que se trata de seres sociais, que desempenham papéis de trabalhadores, cidadãos, pais, parceiros, vizinhos e amigos. Não são apenas meros consumidores de bens materiais, mas produtores daqueles bens e participantes ativos de complexos círculos sociais.

A seguir é apresentada a abordagem das Necessidades Básicas, conceito mais amplo de pobreza em relação ao conceito de pobreza absoluta.

2.3 Necessidades básicas

A perspectiva de pobreza relativa e a abordagem das necessidades básicas manifestam-se no ano 1970 (MAXWELL, 1999). Esta última surgiu com a compreensão de que, apesar de elevar as taxas de crescimento econômico no período pós Segunda Guerra, “as políticas utilizadas por países pobres ou em desenvolvimento não tiveram o mesmo efeito do ponto de vista distributivo e nem foram capazes de reduzir a pobreza” (LACERDA, 2009, p. 45).

Streeten et al (1981) destacou que os pobres não necessitavam somente de renda, mas também da satisfação de necessidades que dariam oportunidade de levar uma vida plena. “A abordagem das necessidades básicas chamou a atenção para o que deveria ser a preocupação fundamental do desenvolvimento: os seres humanos e suas necessidades” (STREETEN et al, 1981, p. 21). Com o intuito de “devolver à pobreza, e a seus meios de medidas, dimensões não monetárias e particularmente sociais e políticas” (SALAMA; DESTREMAU; 1999, p. 73), elabora-se esta abordagem, que analisa a mensuração do progresso social não somente por vias econômicas (através da renda da família), mas em conjunto com políticas públicas oferecidas em determinada comunidade.

O crescimento econômico ou um aumento do PIB per capita não pode ser considerado meio suficiente para proporcionar aos indivíduos, o alcance de uma vida digna(SEN, 1992). É necessário perceber que, para a construção de uma vida digna, se faz fundamental que o Estado apresente uma estrutura de serviços que possibilite a condução de uma vida que se possa minimamente valorar. Para Salama e Destremau (1999, p. 49), uma “definição da pobreza limitada a um patamar de rendimento monetário será restritiva e, por conseguinte, insuficiente”.

A abordagem das necessidades básicas (ABN) reconhece que outros fatores que não apenas os monetários, influenciam na obtenção de uma vida digna, sendo necessário ultrapassar o âmbito alimentar e de sobrevivência, para que se amplie o leque das necessidades humanas,

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com ênfase nos “recursos mínimos requeridos pelas comunidades locais em suas totalidades” (CODES, 2008, p. 11). Acrescentando “a presença de serviços essenciais providos por e para a comunidade como um todo, como água potável, serviços sanitários, transporte público, saúde, educação e acesso à cultura” (ROCHA, 2003, p. 20). Este conceito apresenta uma nova dimensão da pobreza, onde para além do caráter unidimensional, novas necessidades passam a ser vislumbradas:

A teoria das necessidades básicas é um instrumento importante na análise da pobreza, pois ela permite uma outra interpretação deste fenômeno. Com efeito, estamos acostumados a identificar a pobreza apenas com os aspectos de subsistência. Contudo, ser pobre não é apenas não dispor de bens primários essenciais. Na verdade, cada tipo de necessidade humana básica não satisfeita corresponde um tipo de pobreza (RABENHORST, 2007, p. 75).

De acordo com Townsend (1993, p. 32) “a abordagem das necessidades básicas também acaba por indicar a relevância de que se compreenda a estrutura condicionante da pobreza em uma sociedade”, uma vez que a “diminuição das desigualdades de recursos entre os indivíduos é colocada como objetivo social” (CODES, 2008, p. 14).

Streenten et al (1981, p. 18) argumenta que “a pobreza possui um componente absoluto, determinado por critérios fisiológicos, e um componente relativo, determinado pelo contexto social e cultural ao qual o indivíduo pertence”. Quando se insere a abordagem das necessidades básicas no contexto de determinada comunidade, com cultura e costumes específicos, há a ideia de relatividade:

Aprender a ler e a escrever se constitui, por exemplo, numa necessidade básica, mas em sociedades onde a alfabetização é generalizada esse critério de necessidade básica não será útil para distinguir os pobres. Seria necessário, então, considerar necessidade básica de educação um nível de escolarização mais elevado, o que mostra que é possível levar em conta a noção de pobreza relativa quando a abordagem de necessidades básicas é adotada. (ROCHA, 2006, p. 19).

Observa-se que “o reconhecimento da abordagem das necessidades básicas ocorre por meio da definição de um padrão de vida e, posteriormente, dos bens e serviços necessários para garantir uma vida plena” (LACERDA, 2009, p. 48).

Para além da presença do caráter relativo, quando contraposto ao longo do tempo, as “condições humanas” e “direitos humanos” se transformam, o que altera os elementos que enquadram as necessidades básicas. Entretanto, a abordagem influenciou e ainda influencia

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conversas a respeito do tema dos Direitos Humanos, “sua influência [das necessidades básicas] continua sendo vista nos debates atuais sobre desenvolvimento humano” (MAXWELL, 1999, p. 2, tradução da autora).

Rocha (2006) observou alguns pontos onde a abordagem das necessidades básicas diverge com a abordagem de pobreza absoluta: por abandonar a renda como indicador chave, pelo interesse em adotar parâmetros que reflitam resultados efetivos em termos de qualidade de vida; por estabelecer objetivos e medir resultados para sociedade como um todo, não delimitando uma subpopulação pobre preferencialmente; e por enfatizar o caráter multidimensional da pobreza e ao reconhecimento da inter-relação entre as diversas carências. Por estes motivos que, no contexto contemporâneo, a ideia das necessidades básicas “deve ser situada no panorama geral de desenvolvimento econômico e social de uma nação. Em nenhuma circunstância ela deve ser tomada como o mínimo necessário para a subsistência” (CODES 2002, p. 13).

A seção a seguir aborda o conceito de pobreza definido por meio do padrão de vida de uma sociedade, leva em consideração a maneira como as necessidades são supridas na sociedade em que o indivíduo está inserido.

2.4 Pobreza relativa

O conceito de pobreza relativa veio em conjunto com a compreensão da correlação “entre o conceito científico de pobreza e as estruturas sociais e institucionais vigentes na realidade, onde cientistas sociais voltaram-se para uma terceira, e mais abrangente, formulação do significado da pobreza: o de pobreza relativa” (CODES, 2008, p. 15).

Esta perspectiva é definida a partir da consideração do padrão de vida e da maneira como as diferentes necessidades são supridas em uma dada realidade socioeconômica. É estabelecida, portanto, por comparação: “o fenômeno é entendido como um estado de carência em frente a outras situações sociais com que é confrontado” (CODES, 2008, p. 15). Voltando a atenção para outras situações de privações além das questões relacionadas a sobrevivência (ROCHA, 2006).

Rocha (2006) destaca a falta de limites na distinção do conceito de pobreza absoluta e pobreza relativa. Já no século XX, Townsend (1962) alertava para o caráter relativo do conceito de pobreza em todas as suas esferas, e devem ser definidos em relação aos recursos materiais

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disponíveis numa determinada época aos membros de uma dada sociedade ou de diferentes sociedades.

Exemplo do caráter relativo presente em todos os conceitos de pobreza é a incorporação do chá na cesta alimentar inglesa. Apesar da cesta alimentar ser uma ferramenta de combate às situações de pobreza absoluta ou de necessidades básicas, a inclusão do item com valor nutricional praticamente nulo, se justifica devido ao contexto social da Inglaterra, onde o ato de tomar chá é parte fundamental daquela sociedade (ROCHA, 2006).

Para além disso, a ideia de pobreza relativa “introduz variáveis mais amplas, e chama a atenção para o fato de que as pessoas podem sofrer privações em diversas esferas da vida” (CRESPO; GUROVITZ, 2002, p. 5). Segundo Rocha (2006, p. 11) essas privações se moldam pelo estilo de vida “predominante na sociedade em que o indivíduo se encontra inserido, o que significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como objetivo social”. A estrutura social e costumes de determinada época e local desempenham papel de indicadores na distinção de pobres e não pobres. Tais privações ocorrem “nos mais variáveis cenários, seja dentro de casa, em uma determinada comunidade, no trabalho, ou toda a diversidade de atividades sociais e individuais em que diversos papéis sociais são desempenhados” (TOWNSEND, 1993, p. 36).

A necessidade do enfoque relativo de pobreza se mostra claro, quando levado em consideração que “as condições de existência não se limitam unicamente aos aspectos materiais e individuais (moradia, alimentação, renda), mas incluem as relações sociais, o acesso ao trabalho, aos cuidados, etc.” (SALAMA; DESTREMAU; 1999, p. 113-114).

Entretanto Amartya Sen (1983) atenta para a problemática de classificar a pobreza por meio de comparações:

O fato de algumas pessoas terem um padrão de vida mais baixo do que outras é certamente prova de desigualdade, mas isto por si só não pode ser uma prova de pobreza a menos que saibamos algo mais sobre o padrão de vida que essas pessoas realmente apreciam. Seria absurdo chamar alguém pobre só porque ele tinha meios de comprar apenas um Cadilac por dia, quando os outros daquela comunidade podiam comprar dois desses carros por dia. As considerações absolutas não podem ser inconsequentes para conceituar a pobreza (SEN, 1983, p. 159, tradução da autora).

Para Townsend (1993; apud CODES, 2008) se faz relevante a percepção entre pobreza e as estruturas sociais, em detrimento de abordagens que denotem simplesmente a baixa renda,

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pois a expressão da pobreza como a mera receita de baixa renda não a distingue conceitualmente da desigualdade.É através do cunho social e do cuidado com as desigualdades sociais, que o fenômeno da pobreza se faz completamente compreendido, levando o conceito de pobreza relativa ser considerado um avanço frente as abordagens até aqui apresentadas.

No próximo capítulo é discutida a Abordagem das Capacitações de Amartya Sen e em seguida apresentado como foram modificados o entendimento da condição de pobreza e de sua mensuração.

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3 A ABORDAGEM DAS CAPACITAÇÕES

O objetivo deste capítulo é apresentar a Abordagem das Capacitações (AC) seniana e seus aspectos centrais. Amartya Kumar Sen é originário de Santiniketan, no estado de Bengala, na Índia. Seus escritos ocupam posição singular nos campos da Economia e Filosofia e garantiram ao autor o prêmio Nobel de Economia em 1998. Suas obras exercessem influência em organismos como a ONU e o Banco Mundial até os dias atuais. Sen analisa ao longo de seus trabalhos, problemas sociais que afetam o bem-estar humano, como desigualdade, pobreza, qualidade de vida e falta de desenvolvimento, permitindo um novo olhar sobre estes problemas ao ponto de redefini-los, possibilitando avaliar o alcance e os limites de uma sociedade verdadeiramente livre.

A abordagem desenvolvida por Amartya Sen (1992)3, é um marco conceitual que visa avaliar o bem-estar e o alcance das liberdades, bem como a construção de políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento do indivíduo, grupos e sociedades. A Abordagem das Capacitações compõe a linha condutora na análise da pobreza como fenômeno multidimensional que este trabalho analisa.

Em um primeiro momento será apresentado o conceito de Funcionamentos, e em seguida o conceito de Capacitação, com atenção para a maneira como este se relaciona com os Funcionamentos. Posteriormente será abordada a questão das liberdades, observando as Capacitações como um sentido positivo de liberdade, para a relação entre Liberdade e Bem-estar, e atentando para a Liberdade de agente e para a Privação de liberdade.

3.1 Os Funcionamentos

Na perspectiva de Sen, a vida pode ser considerada como um “conjunto de “funcionamentos” inter-relacionados que compreendem estados e ações – ser e fazer [beings

and doings]” (SEN, 1992, p. 79). A ideia de funcionamento está vinculada ao poder/potencial

ou capacitações que uma pessoa tem para realizar aquilo que valora.Os funcionamentos são de tal importância – por serem peculiaridades do estado de sua existência, que “a realização de

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uma pessoa pode ser concebida, sob esse aspecto, como o vetor de seus funcionamentos” (SEN, 1992, p. 79)

Os funcionamentos podem ser classificados como simples e complexos. Funcionamentos simples são aquelas funções mais básicas, “como estar nutrido adequadamente, estar em boa saúde, livre de doenças que podem ser evitadas e da morte prematura, etc.” (SEN, 1992, p. 79). As funções complexas são representadas por funções mais profundas, como ter felicidade, fazer parte da vida em comunidade, ter respeito próprio, e assim por diante.

Segundo a AC, o fator relevante para avaliar o bem-estar de uma pessoa não é o que ela possui – como bens de consumo ou propriedades de bens, mas o que ela consegue fazer com aquilo que tem. Sen (1985) propõe que, para avaliar o bem-estar de uma pessoa, seus funcionamentos devem ser mantidos em mente, pois para perceber seu bem-estar é necessário que se olhe para os seus funcionamentos, ou seja, o que a pessoa está fazendo com este bem e as características da posse deste bem. Uma pessoa com deficiência não é capaz de fazer muitas coisas que uma pessoa saudável pode fazer com o mesmo conjunto de bens.

Para Sen (1985), um bem ou uma mercadoria apresenta uma série de características, o que torna este item interessante para as pessoas. No caso da posse de uma bicicleta, por exemplo, não há interesse nela porque é um objeto feito de certos materiais com formas e cores específicas, mas porque pode servir como meio de transporte ou recreação. O aspecto avaliativo não está no bem em si, mas na medida em que esse bem permite um funcionamento, no caso da bicicleta, permite o funcionamento de se movimentar livremente.

Robeyns (2005) identificou três grupos de fatores que são relevantes para se converter ativos – que são as características um bem, em funcionamentos valiosos:

A relação entre um bem e os funcionamentos para alcançar certos seres e ações é influenciada por três grupos de fatores de conversão. Primeiro, os fatores de conversão pessoal (por exemplo, metabolismo, condição física, sexo, habilidades de leitura, inteligência) influenciam como uma pessoa pode converter as características de um bem em um funcionamento. Se a pessoa está incapacitada ou está em más condições físicas ou nunca aprendeu a andar de bicicleta, então a bicicleta será de pouca ajuda para permitir que a mobilidade funcione. Em segundo lugar, os fatores de conversão social (por exemplo, políticas públicas, normas sociais, práticas discriminatórias, papéis de gênero, hierarquias sociais, relações de poder) e terceiros, fatores de conversão ambiental (por exemplo, clima, localização geográfica) desempenham um papel importante na conversão de características de um bem em um funcionamento individual. Se não há estradas pavimentadas ou se o governo ou a cultura social dominante impor uma regra social ou legal que as mulheres não podem andar de bicicleta, se não forem acompanhados por um membro da família masculino, então torna-se muito mais difícil ou mesmo impossível de usar este bem de modo a permitir o funcionamento. (ROBEYNS, 2005, p. 99, tradução da autora).

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Analisar a conversão de bens em funcionamentos a partir dos fatores pessoais, sociais e ambientais, permite uma visão mais completa dos diferentes aspectos que interferem no bem-estar de uma pessoa, bem como para conhecer o estado real da vida das pessoas e o alcance de sua liberdade e seus funcionamentos. Os fatores de conversão constituem aspectos a serem levados em consideração na avaliação das políticas públicas quando se objetiva melhorar a qualidade de vida dentro de um grupo ou da própria sociedade. Isso mostra que os bens não são os únicos meios para o desenvolvimento das capacitações das pessoas, é necessário levar em conta os fatores sociais, culturais e ambientais.

A Abordagem das Capacitações não apenas levanta uma avaliação do conjunto do que as pessoas podem fazer, mas também insiste na necessidade de investigar o contexto no qual a produção econômica, as interações sociais e políticas ocorrem. Esses componentes – questões culturais, ambientais, fatores sociais e políticos, permitem promover as liberdades das pessoas e atingir níveis fundamentais de justiça social e bem-estar:

Deve ficar ser claro que tentamos julgar o desenvolvimento levando em conta a expansão das liberdades humanas substantivas, não apenas levando em conta o crescimento econômico (por exemplo, o produto interno bruto) ou o avanço técnico ou a modernização social. Isso não significa que seja negado, de qualquer forma, que os avanços nesses campos podem ser muito importantes, dependendo das circunstâncias, como "instrumentos" para a melhoria da liberdade humana. Mas eles têm que ser julgados justamente através dessa perspectiva em termos de eficácia real em melhorar as vidas e liberdades de pessoas - e não se deve tê-los como valiosos por si só (SEN e DRÈZE, 2002, p. 3).

Normalmente, o bem-estar é expresso pela renda real disponível para uma pessoa, ou pela posse que essa pessoa possui de recursos vitais, como alimentação, moradia, assistência médica, educação, ou pelas instituições sociais, etc. A partir da Abordagem das Capacitações, “é fácil ver que o bem-estar de uma pessoa deve ser inteiramente dependente da natureza de seu estado, quer dizer, dos funcionamentos realizados” (SEN, 1992, p. 80). O que é significativo não são esses meios ou recursos, mas o tipo de vida que se leva, que é expresso no que a pessoa consegue fazer ou ser. A importância da avaliação do bem-estar graças aos funcionamentos alcançados por uma pessoa "não é simplesmente porque nos fornece um indicador mais complexo do modo em que está uma pessoa, mas porque nos permite uma avaliação mais sensível do modo como ela é" (SALCEDO, 1997, p. 25, tradução da autora).

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De acordo com Sen (1992) o conceito de funcionamentos reflete as diferentes coisas que uma pessoa pode valorizar, fazer ou ser. Funcionamentos valiosos podem variar desde os mais elementares, como comer bem e não sofrer de doenças evitáveis, até atividades pessoais ou estados muito complexos, como poder participar da vida da comunidade e respeitar a si mesmo:

No contexto de alguns tipos de análise do bem-estar, por exemplo, lidando com a pobreza extrema em economias em desenvolvimento, podemos conseguir avançar bastante com um número relativamente pequeno de funcionamentos centralmente importantes (e as capacitações básicas correspondentes, por exemplo, a capacidade [ability] para estar bem nutrido e bem abrigado, a capacidade de estar livre de doenças evitáveis e morte prematura, e assim por diante). Em outros contextos, que incluem problemas mais gerais de desenvolvimento econômico, a lista pode ser muito mais longa e muito mais diversificada (SEN, 1992, p. 84).

Entretanto, o bem-estar como entendido por Sen não é apenas uma questão do que a pessoa alcança, isto é, de seus funcionamentos realizados, mas também das diferentes opções que a pessoa pode escolher, e essas opções ou oportunidades se refletem na "liberdade como capacitação". Quando avaliado as capacitações de uma pessoa, avalia-se seus funcionamentos ou um conjunto específico de funcionamentos. Para maior compreensão desta relação, o conceito de capacitações será abordado a seguir.

3.2 As Capacitações

Sen (1992) introduz o conceito de "capacitações" relacionado a um senso de igualdade que denominou "igualdade de capacitação básica" [basic capability equality]. O bem-estar [well-being] é avaliado do ponto de vista da habilidade de uma pessoa de realizar atos ou alcançar estados valiosos. Sen define capacitações como “um conjunto de vetores de funcionamentos que reflete a liberdade da pessoa levar um tipo de vida ou outro” (SEN, 1992, p. 80). As capacitações refletem a liberdade de uma pessoa escolher o tipo de vida que valore:

Tal como o assim chamado “conjunto orçamentário” no espaço de mercadorias representa a liberdade de uma pessoa para comprar pacotes de mercadorias, o “conjunto capacitário” [capability set] reflete, no espaço de funcionamentos, a liberdade da pessoa escolher dentre vidas possíveis (SEN, 1992, p. 80).

Segundo Sen (1992, p. 89), “a capacitação pode ser vista como “um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos”. Para realizar funcionamentos é necessário que se tenha capacitação para tal. A noção de capacitação [capability] para realizar algo não significa o

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mesmo que “capacidade” [ability] no sentido ordinário do termo, como quando se afirma que – A pessoa P é capaz de nadar, porque neste sentido, capacidade não implica oportunidade, dado que P pode ser capaz de nadar mesmo sem ter a oportunidade de nadar” (SEN, 1992, p. 234).

É importante enfatizar que o termo Well-being é um conceito de bem-estar relacionado à condição da pessoa, é uma concepção que leva a uma investigação constitutiva do estado de uma pessoa, quão bem essa pessoa está. Ou seja, não se limita a uma concepção econômica como é o Welfare, um bem-estar como assistência social. O conceito Well-being refere-se a aspectos como as habilidades, vantagens e oportunidades das pessoas que refletem em sua situação pessoal. Por essa razão, para Sen (1985), o bem-estar tem a ver com as conquistas de uma pessoa ou com a sua qualidade de vida (SEN, 1985).

Se o bem-estar de uma pessoa é elaborado por meio de seus funcionamentos realizados, “então a capacitação para realizar funcionamentos (todas as combinações alternativas de funcionamentos que uma pessoa pode escolher ter) constituirá a liberdade da pessoa – as oportunidades reais – para ter bem-estar” (SEN, 1992, p. 80). A maneira em que Sen (1992) avalia bem-estar se difere das abordagens tradicionais:

A Abordagem das Capacitações difere claramente e de modo crucial das abordagens mais tradicionais da avaliação individual e social, baseada em variáveis como [...] renda real (como análises que focam no PIB, PNB, vetores de bens nomeado). Estas variáveis tratam todas de instrumentos para realizar bem-estar ou outros objetivos, e podem ser vistas como meios para a liberdade. Em contraste, os funcionamentos fazem parte dos elementos constituintes do bem-estar. A capacitação reflete a liberdade para buscar esses elementos constitutivos e pode até ter um papel direto no próprio bem-estar, na medida em que decidir e escolher também são partes do viver (SEN, 1992, p. 81-82).

A capacitação fornece um ponto de vista para avaliar as condições sociais, políticas e econômicas que as pessoas vivem na sociedade. Essas condições são importantes porque podem levar ao desenvolvimento ou deterioração dos funcionamentos e capacitações de uma pessoa. Sen (1992) introduz o conceito de capacitações para atender à importância fundamental da liberdade:

O termo capacitação se refere à liberdade de uma pessoa ou grupo de promover ou realizar funcionamentos valiosos, “representa as várias combinações de funcionamentos (ser e fazer) que a pessoa pode alcançar. A capacitação é, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos que refletem a liberdade de uma pessoa de

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levar um tipo de vida ou outro... para escolher formas de vida possíveis.” É a presença desse termo "liberdade para" [freedom to] a afirmação de que a livre escolha tem influência em atividades de desenvolvimento - o que leva Sen a chamar essa abordagem distintiva de Abordagem das Capacitações (ALKIRE, 2002, p. 6).

A perspectiva das capacitações de Sen vai de encontro com a preocupação de Adam Smith (1976) com a capacidade de funcionar, também entendida como a capacidade de aparecer em público sem corar ou participar da vida da comunidade:

Também é uma abordagem que atraiu muito Adam Smith. Como observado anteriormente, Smith lidou com essa capacidade de funcionar concebida como “a capacidade de aparecer em público sem corar” (e não apenas a renda real ou a cesta de bens que possuem os indivíduos). O que se considera uma "necessidade" em uma sociedade depende, na análise Smithiana, do que se necessite para alcançar algumas liberdades minimamente necessárias, como "a capacidade de aparecer em público sem corar" ou de participar de a vida da comunidade (SEN, 1999, p. 73).

Sen analisa que as necessidades em uma sociedade dependem do que é necessário para alcançar algumas liberdades minimamente requeridas, como a “capacidade de aparecer em público sem corar”. Por essa razão, o foco da Abordagem das Capacitações são as liberdades que os bens geram, não os bens em si, como a renda real ou a cesta de bens que uma pessoa possui. Do ponto de vista de Sen (1992), os bens ou recursos não permitem por si mesmos os funcionamentos e estes, por sua vez, refletem a capacitação de uma pessoa. Os bens ou recursos não são o centro de avaliação, mas sim as liberdades alcançadas graças ao desdobramento das capacitações dos funcionamentos. As capacitações “principalmente um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos” (SEN, 1992, p. 89).

“Na medida em que os funcionamentos são constitutivos do bem-estar, a capacitação representa a liberdade de uma pessoa para realizar bem-estar” (SEN, 1992, p. 89) e reflete a liberdade que uma pessoa tem para levar um tipo de vida ou outro. O conjunto de capacitações é um tipo de liberdade: a liberdade de alcançar diferentes combinações de funções, em outras palavras, a liberdade de alcançar diferentes estilos de vida. Para Sen (1992), as capacitações são uma maneira de conceber a liberdade como "liberdade positiva"4, porque as capacitações expressam a liberdade ou as oportunidades reais que uma pessoa tem para levar o tipo de vida que considera valiosa.

4 Isaiah Berlin também elabora em seu trabalho “Two Concepts of Liberty (1958)” o conceito de liberdade negativa

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Para melhor entender a Abordagem das Capacitações, é importante entender o que significa os seus chamados elementos constituintes: funcionamentos e capacitações. Qual é a relação entre os funcionamentos e capacitações?

3.2.1 Relação entre funcionamentos e capacitações

A relação entre funcionamentos e capacitações é bidirecional e simultâneo, porque os funcionamentos ou os diferentes vetores de funcionamentos entre os quais se pode escolher constituem uma capacitação, e a ausência de capacitação reflete a deterioração do funcionamento de uma pessoa:

Na verdade, as relações entre os funcionamentos e as capacitações são muito mais complexas do que podem parecer à primeira vista. As condições de vida são, de certo modo, estados de existência: ser isto ou fazer aquilo. Os funcionamentos refletem os diferentes aspectos de tais estados, e o conjunto de pacotes funcionais viáveis é a capacitação de uma pessoa. No entanto, entre as possibilidades de ser e fazer estão as atividades de escolher, e, portanto, existe uma relação bidirecional e simultânea entre funcionamentos e capacitações (SEN, 1987, p. 37, tradução da autora).

A combinação de funcionamentos constitui a capacitação. Esta última reflete uma combinação alternativa do que fazer e ser de uma pessoa, que se expressa como um conjunto de n funcionamentos. As capacitações são definidas como um conjunto de tais n-múltiplos funcionamentos, que expressam as diferentes combinações alternativas do fazer e ser, qualquer uma das quais pode ser escolhida pela pessoa. “A capacitação é definida em termos das mesmas variáveis focais que os funcionamentos. [...] uma combinação de funcionamentos é um ponto em tal espaço, enquanto a capacitação é um conjunto de tais pontos” (SEN, 1992, p. 91).

A combinação dos funcionamentos reflete as capacitações e as conquistas reais. O conjunto de capacitações representa a liberdade para alcançá-las, isto é, as diferentes combinações de funcionamentos que podem ser realizados. Os funcionamentos, então, alimentam as capacitações. “A ausência de um funcionamento é um sinal claro de que uma capacitação foi violada” (NUSSBAUM, 2002, p. 131). A capacitação é avaliada em função dos funcionamentos.

Os funcionamentos são uma conquista de uma pessoa e as capacitações são um conjunto de tais realizações. Uma conquista de uma pessoa é, por exemplo, andar de bicicleta, correr,

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viver sem deficiências nutricionais, entre muitos outros. Agora, a realização de tais conquistas é o que constitui a capacitação de uma pessoa. A capacitação, que é um conjunto dos funcionamentos realizados, reflete a liberdade da pessoa, a liberdade de fazer isso ou aquilo.

Como exemplo da diferença entre funcionamentos e capacitações, Sen (1992), apresenta: uma pessoa rica que toma a decisão de jejuar e uma pessoa pobre que passa fome.

Ambas estão no mesmo funcionamento “jejuar” (passar fome). Porém as duas pessoas possuem capacitações diferentes. A pessoa rica possui uma alternativa diferente – se alimentar, enquanto a pessoa pobre não possui alternativa (capacitação) diferente a não ser a de jejuar, pois não possui de qualquer maneira, o alimento. As escolhas ocorrem de maneira diferente, uma vez que a primeira escolheu passar fome (jejuar), enquanto a segunda não tinha outra opção (liberdade para escolher não passar fome).

A liberdade é um aspecto de relevância moral e política, entre outras coisas, uma vez que poder viver sem deficiências nutricionais, com abrigo e com boa saúde, ter a possibilidade de participar nos campos política, social e econômica, entre outros funcionamentos, expressa liberdade enquanto capacitação, o que reflete a oportunidade real do indivíduo alcançar aquilo que valoriza.

A diferença entre os conceitos de funcionamentos e capacitações é a demarcação entre as conquistas e as liberdades ou opções valiosas de que se pode escolher. O que realmente importa é que “os indivíduos tenham a liberdade ou as oportunidades valiosas expressas em capacitações para levar o tipo de vida que queiram levar, para fazer o que queiram fazer e ser as pessoas que querem ser” (ROBEYNS, 2005 p. 95). Depois de ter essas oportunidades substanciais, é que se pode escolher as opções mais valiosas.

Entretanto, se a Abordagem das Capacitações expressa a liberdade de uma pessoa escolher entre diferentes estilos de vida, de que tipo de liberdade estamos falando?

3.3 As Liberdades

Para Sen (2006), o futuro do mundo está intimamente relacionado ao futuro da liberdade no mundo. Por duas razões: 1) a liberdade é tanto um objetivo central como um meio determinante para o progresso; o que é crucial para o futuro é o fortalecimento das várias instituições que reforçam a liberdade econômica, política, social, cultural, etc. e 2) uma visão integrada da liberdade é necessária como chave para o futuro, tal perspectiva tende a ser perdida quando se fragmentam os debates sobre mercados, globalização, democracias, oportunidades

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sociais, expansão da informação, compreensão internacional e outras questões centrais. Cada uma dessas razões é importante, "mas elas devem ser consideradas juntas em um contexto mais amplo, como é o escopo da liberdade de que as pessoas desfrutam e podem desfrutar" (SEN, 2006, p. 39, tradução da autora).

Para ter uma visão mais completa sobre desenvolvimento é necessário maior abrangência de variáveis, analisando-as via aumento da expansão das liberdades reais que as pessoas usufruem, uma vez que é importante não só dar o devido valor aos mercados, mas também apreciar o papel de outras liberdades econômicas, sociais e políticas que melhoram e enriquecem a vida que as pessoas podem levar:

O enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Nacional Bruto (PNB), aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço tecnológico ou modernização social (SEN, 1999, p. 16).

A liberdade é então concebida como as capacitações individuais de fazer coisas que uma pessoa tem razões para valorizar (SEN, 1999, p. 56). Para Sen, a liberdade conta como o núcleo central de sua abordagem avaliativa, porque tem uma importância intrínseca enquanto valor humano fundamental, sendo considerada tanto o fim primordial, como o principal meio do desenvolvimento (SEN, 1999). Este espaço engloba a liberdade para realizar, não apenas a realização; a “realização liga-se ao que conseguimos fazer ou alcançar, e a liberdade, à

oportunidade real que temos para fazer ou alcançar aquilo que valorizamos” (SEN, 1992, p.

69, grifo no original).

Cinco diferentes tipos de liberdade são elencados para auxiliar a capacitação de uma pessoa: “(1) liberdades políticas, (2) facilidades econômicas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de transparência e (5) segurança protetora” (SEN, 1999, p. 23):

(1) Amplamente concebidas (incluindo o que se denominam direitos civis), referem-se às oportunidades que as pessoas têm para determinar quem deve governar [...], de ter liberdade de expressão política e uma imprensa sem censura, [...]. Incluem os direitos políticos associados às democracias no sentido mais abrangente [...]; (2) São as oportunidades que os indivíduos têm para utilizar recursos econômicos com propósitos de consumo, produção ou troca [...];

(3) São as disposições que a sociedade estabelece nas áreas de educação, saúde, etc., as quais influenciam a liberdade substantiva de o indivíduo viver melhor [...]; (4) Referem-se às necessidades de sinceridade que as pessoas podem esperar: a liberdade de lidar uns com os outros sob garantias de dessegredo e clareza e; (5) [...] Proporcionar uma rede de segurança social, impedindo que a população afetada seja reduzida à miséria abjeta [...]. A esfera da segurança protetora inclui

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disposições institucionais fixas [...], bem como medidas ad hoc (SEN, 1999, p. 58-60).

Compreender cada uma dessas liberdades é importante, porém é necessário o entendimento pleno do conjunto total das liberdades; “diferentes tipos de liberdade apresentam inter-relações entre si, e um tipo de liberdade pode contribuir imensamente para promover liberdades de outros tipos” (SEN, 1999, p. 57).

Entretanto, se liberdade é entendida como o conjunto de capacitações individuais que uma pessoa tem razão para valorizar, quais tipos de liberdades são essas?

3.3.1 Capacitações como liberdade positiva

Na Abordagem das Capacitações encontra-se a visão de liberdade como o espaço em que as diferentes condições de vida das pessoas são avaliadas caso deseje-se uma sociedade verdadeiramente livre e igualitária. A capacitação é concebida como um sentido de liberdade. Para Sen (1999), o significado fundamental é:

A "capacitação" de uma pessoa refere-se às várias combinações de funcionamentos que ela pode alcançar. Portanto, a capacitação é um tipo de liberdade: a liberdade fundamental para alcançar diferentes combinações de funcionamentos (ou, em termos menos formais, a liberdade de alcançar diferentes estilos de vida) (SEN, 1999, p. 75).

Dois âmbitos muito importantes são constituídos, por um lado, uma interpretação da liberdade positiva e, por outro lado, uma estrutura normativa para avaliar os alcances desta. O enfoque é o marco avaliativo criado por Sen para julgar a liberdade como uma oportunidade em termos da capacitação para alcançar resultados valiosos. A liberdade positiva investiga questões como: “Por quem eu sou governado?” “Quem decide o que eu tenho e o que não tenho que ser ou fazer?” Esse tipo de liberdade é derivado do desejo por parte do indivíduo de ser seu próprio senhor. É o desejo de que sua vida e suas decisões dependam de si mesmo e não de forças externas (BERLIN, 1969).

A liberdade positiva não é estar livre de algo, mas estar "livre para algo", para levar um certo modo de vida. É a "liberdade para”, governar a si mesmo, para alcançar aquilo que é valorizado, sendo a "capacitação para" escolher e perseguir seus próprios objetivos:

O conjunto de capacitações de uma pessoa pode ser definido como o conjunto de vetores de funcionamentos que uma pessoa realiza [...] isto tem o efeito de levar em conta as liberdades positivas que uma pessoa tem em um sentido geral (liberdade "para fazer isso” ou “ser aquilo”) (SEN, 1992, p. 149).

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O procedimento de decidir livremente por si mesmo é denominado “aspecto do

processo”. O aspecto do processo inclui várias características diferentes, como (1) a autonomia

de decisão das escolhas a serem feitas e (2) a imunidade contra a interferência de outros. A autonomia de decisão é o papel operativo que uma pessoa desempenha em seu processo de eleição, que leva à tomada de decisões por si mesmo. Se uma pessoa faz uma série de escolhas para si e não para outros indivíduos, isso caracteriza um domínio de decisões autônomas (SEN, 1992).

Segundo Sen (1992), a liberdade proporciona a oportunidade de alcançar metas e objetivos, isto é, as coisas que se tem razões para valorizar. O “aspecto da oportunidade” da liberdade se refere, então, a capacitação real para conseguir as coisas, estando relacionado com as oportunidades reais que de se conseguir coisas valiosas, não importando por quais processos a sua realização seja alcançada. Este aspecto tem como enfoque a oportunidade de obter o melhor que se pode obter, e o estende até o espectro das oportunidades oferecidas, já que o grau de oportunidade de uma pessoa de levar a vida que considera valiosa está ligado ao conjunto de alternativas entre as quais esta pessoa pode eleger. Sen (1992) reconhecerá este enfoque como "liberdade real".

A avaliação da liberdade para Sen (1992) deve incluir a liberdade de viver da maneira que se gostaria de viver, em vez de avaliar a liberdade apenas pela posse de bens ou recursos. A avaliação da liberdade deve considerar as oportunidades de fazer as coisas e obter resultados que alguém tenha motivos para valorizar. Por exemplo, duas pessoas podem ter mercadorias idênticas, mas liberdade desigual para levar a vida que valorizam. Uma pessoa pode ser propensa a doenças que limitam a liberdade no exercício da sua vida, enquanto a outra, com o mesmo conjunto de mercadorias, não apresenta propensão a estes tipos de doenças. Isso marca uma diferença importante nas oportunidades que ambos têm para levar o tipo de vida que valorizam.

Para Sen (1999), é mais sensível julgar a liberdade como oportunidade em termos de capacitação de alcançar resultados valiosos do que simplesmente por posse de bens. Os julgamentos sobre a liberdade como oportunidade são julgamentos sobre o ordenamento das capacitações no espaço dos funcionamentos, em que capacitação tem a forma de um conjunto de funcionamentos viáveis. Entretanto, é importante reconhecer que considerações sobre os

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processos de liberdade não podem ser totalmente separadas da avaliação de oportunidades. A oportunidade que se busca pode ser direcionada não apenas para realizar um propósito específico, mas também para realizá-lo de uma maneira particular. Sendo assim, exercício de cada aspecto fornece uma noção correspondente de liberdade.

Diferenciados estes dois tipos de liberdade, é necessário distinguir os aspectos dos indivíduos: bem-estar e condição de agente; tanto o aspecto do bem-estar como o de agente, tem a sua própria relevância na avaliação das ações.

3.3.2 Liberdade e Bem-estar

Liberdade de bem-estar é um tipo particular de liberdade que uma pessoa pode exercer, relacionada “a liberdade de alguém realizar aquelas coisas que são constitutivas de seu bem-estar” (SEN, 1992, p. 104). Pode ser concebida como a capacitação de uma pessoa de ter vários vetores de funcionamentos e desfrutar das realizações de bem-estar correspondentes que permitem o desempenho desses funcionamentos. Para Sen (1992), o bem-estar é importante porque nos permite saber como uma pessoa é.

Bem-estar tem a ver com as conquistas. Ser capaz de desfrutar da capacitação de alcançar realizações valiosas é o que vem a ser chamado de “liberdade de bem-estar” (SEN, 1992). Liberdade de bem-estar é a liberdade para conseguir algo em particular, isto é, o seu próprio bem-estar e deve ser distinguido de alcançar bem-estar, uma vez que esta é uma avaliação do estado de bem-estar do ser de uma pessoa que se expressa através de seus funcionamentos. Esta avaliação que permite conhecer a realização do bem-estar é feita através da identificação de um funcionamento realizado que, no contexto da Abordagem das Capacitações é chamado de "avaliação elementar". Para identificar a conquista do bem-estar, é necessário levar em conta as várias coisas importantes que uma pessoa pode fazer ou ser. Ou seja, os seus funcionamentos, que constituem uma ampla gama de realizações como não estar desnutrido, poder evitar doenças passíveis de prevenção, entre outros.

De acordo com Sen (1992), o bem-estar é entendido como a realização de certos funcionamentos básicos e não simplesmente como desejo, realização ou felicidade. Pode-se concluir, mesmo a partir de uma perspectiva utilitarista que os únicos fatos morais fundamentais são os fatos relativos ao próprio bem-estar. Porém muitas vezes o indivíduo age por meio de valores que resultam na degradação do próprio ser.

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A característica principal do bem-estar é concebida em termos do que uma pessoa pode

realizar, referindo-se as várias maneiras de fazer e ser que podem entrar a avaliação do

bem-estar como realizações que consistem em “atividades como comer, ler ou ver, ou estados de existência ou de ser, como ser bem nutrido, ser livre de malária e não ser constrangido pelo nível de pobreza em que vive” (SEN, 1992, p. 89). É essencial do bem-estar a capacitação de

obter realizações valiosas. Ao examinar o aspecto do bem-estar de uma pessoa presta-se

atenção à capacitação da pessoa e não apenas um funcionamento específico.

A liberdade de bem-estar apresenta uma importância óbvia ao julgar as oportunidades que uma pessoa tem de buscar seu próprio benefício. Entretanto, a liberdade de bem-estar é um tipo específico de liberdade e não reflete a liberdade geral de uma pessoa.

Para dar uma perspectiva mais ampla sobre a liberdade de uma pessoa é necessário perguntar por seu papel de agente que estabelece um conceito mais específico da liberdade individual e liberdade de agente.

3.3.3 Liberdade de agente

A capacitação de escolher e perseguir seus próprios objetivos e valores desde o enfoque da Abordagem das Capacitações, é o que se chama liberdade de agente, que é expressa na realização de uma pessoa enquanto agente. Um agente é “aquele que faz as coisas, bem como, considera ações e resultados” (SEN, 1992, p. 103). Este exercício de agente se deve à capacitação de uma pessoa atingir seus próprios objetivos e valores, relacionados ou não com seu próprio bem-estar. Implica a capacitação de tomar decisões e agir por conta própria, com uma implicação relevante que nada mais é do que ter um impacto sobre o mundo.

O conceito de agente [agent] não é aquele comumente utilizado na literatura econômica como uma pessoa que age em nome de outra pessoa. O conceito de agente elaborado por Sen tem uma conotação especial; um agente é uma "pessoa que age e provoca mudanças e cujas realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e objetivos, independentemente de que também o avaliarmos ou não em função de alguns critérios externos" (SEN, 1999, p. 19). Quando uma pessoa age e provoca mudanças no mundo e suas realizações são julgadas a partir de seus próprios valores e objetivos, pode ser considerado que seu papel de agente tenha se exercitado.

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