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Capacitores com dielétricos

No documento Fis403EM1 (páginas 108-115)

Usualmente os capacitores são construídos com materiais isolantes preenchendo a região entre suas placas condutoras. Isso serve ao propósito não apenas de con- seguir uma maior eficiência na armazenagem de carga e energia, como também ao de otimizar o projeto no quesito de sustentação mecânica das placas condu- toras. A desvantagem é que devemos nos atentar para o limite de tensão a que ele pode ser submetido. Cada material tem um valor máximo de campo elétrico que ele suporta sem comprometer a integridade de suas moléculas, conhecido como rigidez dielétrica do material. Campos de intensidades acima desse valor podem causar a ruptura de algumas moléculas, provocando ionização deste e sua descaracterização como isolante, fato semelhante ao que ocorre com o ar em tempestades, quando um raio é deflagrado. Como as distâncias entre as placas condutoras são geralmente muito pequenas, o campo elétrico entre elas pode facilmente atingir valores elevados, às vezes próximos ao de ruptura. A tabela mostra valores de rigidez dielétrica para alguns materiais tipicamente utilizados como isolantes em capacitores.

O que ocorre quando inserimos um material dielétrico no interior de um ca- pacitor? Tomemos com exemplo o capacitor de placas planas paralelas estudado na seção 5.5.1. Inicialmente a vácuo, ele adquire uma carga de módulo Q em cada placa quando conectado a uma bateria de tensão V , sendo sua capacitância

C =Q

V = ²0 A d.

Introduzindo um dielétrico, todas as suas moléculas serão submetidas a um campo uniforme. Na ausência de um campo externo, as moléculas em geral se comportam de maneira neutra do ponto de vista elétrico. Sua carga elétrica total é nula e, com poucas exceções, seu momento de dipolo elétrico total é nulo, pois o centro geométrico das cargas negativas coincide com o centro geométrico das cargas positivas. Na presença de um campo externo, entretanto, existirá uma força elétrica adicional sobre os elétrons na mesma direção, mas oposta ao campo aplicado. Essa força fará com que os orbitais dos elétrons sejam ligeiramente deslocados nessa direção, passando o centro de cargas negativas a não mais coincidir com o das cargas positivas, formando um pequeno dipolo elétrico. O centro das cargas negativas desloca-se no sentido oposto do campo externo, de modo que o vetor momento de dipolo elétrico da molécula, nesse novo estado, será paralelo (mesma direção e sentido) ao campo.

No caso do nosso capacitor, todas as moléculas irão sofrer a mesma distorção, dado que o campo externo é uniforme. O efeito global disso é que nas superfícies do dielétrico normais ao campo, surgirão cargas de polarização, negativas onde o campo penetra no dielétrico e positivas onde ele sai do dielétrico. Não fosse o campo uniforme, surgiriam também cargas de polarização ao longo do volume do dielétrico, pois as moléculas distorcidas pelo campo poderiam dar origem a den- sidades médias não nulas. Nesse nosso exemplo, em qualquer pequeno elemento de volume considerado, a soma das cargas positivas e negativas (aqui considera-

5.6 Capacitores com dielétricos 103

das como as cargas +q e −q dos centros geométricos de cargas das moléculas) se anula, devido à uniformidade da distribuição dos dipolos moleculares.

Se o capacitor for carregado à vácuo, desligado da fonte de tensão e então preenchido com um material isolante, essas cargas superficiais de polarização criarão um campo oposto ao das placas do capacitor, fazendo com que o campo total seja de intensidade menor que na situação à vácuo. Como a d.d.p. entre as placas é o integral de linha do campo elétrico entre elas, essa quantidade sofrerá um decréscimo em relação ao valor original. Isso se traduz numa capacitância maior que aquela à vácuo, pois com a mesma quantidade de cargas armazenada (a bateria foi desligada, portanto a carga nas placas não se altera), a diferença de potencial é menor:

C0= Q

V0, com V

0< V =⇒ C0> C .

Se, por outro lado, mantivermos a bateria conectada ao introduzirmos o dielétrico, ela forçará o campo resultante dentro do capacitor a ter o mesmo valor. Como sabemos que os dipolos moleculares criam um campo em sentido oposto a este, o campo criado pelas placas condutoras deve sofre um acréscimo igual em módulo ao valor do campo criado pelos dipolos. Isso só é possível com um aumento da quantidade de cargas nas placas condutoras, que são supridas pela bateria. Da mesma forma, isso revela um aumento da capacitancia do dispositivo, haja vista que

C0=Q

0

V , com Q

0

> Q =⇒ C0> C .

Como as características geométricas do capacitor não foram alteradas, concluí- mos que, algebricamente, o responsável pelo acréscimo no valor da capacitância deve estar relacionado com a constante²0. Devemos substituí-la por uma cons-

tante que seja característica do isolante, e ela será sempre maior que a do vácuo.

Capítulo 6

Dielétricos

Algumas moléculas, como a da água, podem apresentar um momento de dipolo elétrico permanente não nulo. Isso acontece devido à configuração de seus áto- mos constituintes, resultando em centros de cargas intrinsecamente separados. Normalmente esses dipolos moleculares estão orientados aleatoriamente, pro- duzindo um momento de dipolo total nulo para uma amostra finita do material, mas eles podem ser alinhados pela ação de um campo externo, o que faz com que o campo produzido pelo conjunto de dipolos se torne razoavelmente intenso.

Mesmo moléculas que não possuam tal propriedade são afetadas pela pre- sença de um campo externo. Num material isolante um campo externo leva a uma separação dos centros de cargas positiva e negativa nas suas moléculas constituintes, produzindo pequenos dipolos que, em conjunto, irão também gerar uma contribuição não desprezível ao campo e potencial da região.

dp O r dv0 r0 P r −r 0

Fig. 6.1 Elemento de dipolo

Em ambas as situações, podemos tratar a contribuição dos pequenos dipo- los moleculares definido o vetor Polarização P; qualquer elemento de volume, mesmo que macroscopicamente muito pequeno, contem um número muito grande de moléculas polarizadas. O momento de dipolo total desse pequeno volume,∆p é a soma dos momentos de dipolos das moléculas constituintes

∆p = X

i pi.

O vetor P é o momento de dipolo total por unidade de volume:

P = lim ∆v0→0 ∆p ∆v0 = d p d v0, d p = Pd v 0.

Devemos lembrar que, apesar da natureza discreta da estrutura da matéria, do ponto de vista macroscópico pode-se assumir que os dipolos estejam distribuídos continuamente no interior do volume. Isso é uma aproximação, mas funciona bem desde que o elemento de volume seja grande comparado com distâncias interatômicas, e ainda assim pequeno comparado com a escala típica de variação das grandezas que definem o campo eletrostático.

Consideremos um dielétrico ocupando uma região V0do espaço, onde por uma razão ou outra, exista uma distribuição de dipolos elétricos. Um volume

106 Capítulo 6 Dielétricos

d v0possuirá um momento de dipolo d p(r0) = P(r0) d v0, e sua contribuição para o potencial num ponto r pode ser dada por

dVd= 1 4π²0 d p·(r − r0) |r − r0|3 = 1 4π²0 P(r0)·(r − r0) |r − r0|3 d v 0.

O potencial causado por toda a distribuição de dipolos será então

Vd= 1 4π²0 Z v0 P(r0)·(r − r0) |r − r0|3 d v 0. (6.1)

Vamos utilizar a identidade

∇0 1 |r − r0|=

r − r0

|r − r0|3 para reescrever o integrando de (6.1) como

Vd= 1 4π²0 Z v0P(r 0)·∇0 1 |r − r0|d v 0. (6.2)

A seguir, empregamos a identidade

∇0·(ψA) = ψ∇0·A + ∇0·ψA comψ = |r − r0|−1e A = P(r0): ∇0· P(r 0) |r − r0|= ∇0·P(r0) |r − r0| + P(r 0)·∇0 1 |r − r0|, o que nos permite escrever (6.2) como

Vd= 1 4π²0 µ − Z v0 ∇0·P(r0) |r − r0| d v 0+Z v0∇ 0· P(r0) |r − r0|d v,

ou, usando o teorema de Gauss na segunda integral

Vd= 1 4π²0 Z v0 −∇0·P(r0) |r − r0| d v 0+ 1 4π²0 I S P(r0)· ˆn |r − r0| d S. (6.3) Reconhecemos nessa expressão a contribuição de uma distribuição volumétrica e uma superficial de cargas,

ρP= −∇·P e σP= P· ˆn,

que representam as densidades de cargas de polarização no dielétrico. Elas resumem o efeito da distribuição de dipolos.

107

6.0.1 Lei de Gauss na presença de dielétricos

Como vimos, os dielétricos podem ser polarizados pela ação de campos externos e, em conseqüência, surgirão cargas que contribuirão para o campo total em qualquer ponto da região. A lei de Gauss deve levar em conta tais cargas. Para explicitar sua contribuição, vamos denotar porρ`a densidade de carga livre (em excesso) em cada ponto; a densidade de carga total será

ρ = ρ`+ ρP,

de modo que a lei de Gauss fica ∇·E = 1 ²0 (ρ`+ ρP) = 1 ²0 (ρ`− ∇·P) =⇒ ∇·(²0E + P) = ρ`.

Definimos o vetor Deslocamento Elétrico como

D = ²0E + P, (6.4)

em termos do qual a lei de Gauss assume a forma

∇·D = ρ`. (6.5)

A vantagem dessa formulação é que não precisamos, a priori, conhecer os efeitos da polarização sobre o dielétrico, mas somente a carga em excesso deste. Na forma integral teríamos

I

SD· ˆndS = Qi`

, (6.6)

onde Qi` =Rρ`d v é a carga livre interna à superfície S. Para a maioria dos

materiais dielétricos, a polarização é diretamente proporcional ao campo elétrico externo aplicado e independente da direção deste (meios isotrópicos ou lineares). Nesses casos, definimos a susceptibilidade (di)elétrica como

P = χE.

A equação (6.4) pode ser reescrita como

D = (²0+ χ)E = ²E,

onde definimos a permissividade do meio,², como ² = ²0+ χ. Costuma-se definir

também uma grandeza adimensional, a permissividade relativa ou constante dielétrica do meio, como

κ = ²rel= ² ²0

.

108 Capítulo 6 Dielétricos

6.0.2 Condições de contorno para o campo elétrico

+ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ ++ + + + ++ +++++++++++++++++++++++++++++++++ + σ A D2 D1ˆn meio 1 meio 2 ˆ t ∆` E1 E2

Fig. 6.2 Comportamento dos cam-

pos na fronteira entre meios distin- tos

Analisemos agora como se comporta o campo elétrico numa região onde existem dois meios não condutores diferentes. A figura ilustra essa situação onde, além de possíveis cargas livres distribuídas ao longo dos dielétricos, admitimos também que possa haver uma carga livre na superfície interface entre os dois meios, cuja densidade éρ`. A lei de Gauss aplicada a uma pequena superfície cilíndrica (área da seção reta A e altura∆h) atravessando perpendicularmente essa interface

fornece I

SD· ˆndS = Qi`' ρ` A,

pois podemos imaginar uma seção reta suficientemente pequena a fim de des- prezar quaisquer variações deρ`ao longo da mesma. Pelo mesmo motivo, o o vetor deslocamento não sofrerá variações significativas ao longo das tampas do cilindro gaussiano; por outro lado, o fluxo através da superfície lateral pode ser desprezado no limite em que∆h → 0. Sendo ˆn o versor perpendicular à interface dos dielétricos, orientado do meio 1 para o meio 2, vem

I

SD· ˆndS ' D2· ˆn A + D1·(− ˆn) A ' ρ` A,

ou seja,

(D2− D1)· ˆn = ρ`, ou D2n− D1n= ρ`. (6.7)

Se não houver cargas livres na interface, o componente normal do vetor desloca- mento será contínuo através desta.

Por outro lado, considerando que o campo eletrostático é conservativo, o percurso mostrado na figura, onde novamente∆h → 0 e ∆l podem ser tomados tão pequenos quanto se queira, permitindo assim calcular o integral nos trechos do percurso que são paralelos à interface

I

`E·dr ' E2·ˆt∆l + E1·(−ˆt) ∆l = 0,

isto é

(E2− E1)·ˆt = 0, ou E2t= E1t, (6.8)

que significa que o componente de E tangente à interface não se altera ao atra- vessarmos de um lado para outro.

No documento Fis403EM1 (páginas 108-115)

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