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2.2 DIMENSÃO PRAXIOLÓGICA

2.2.3 Capital cultural

Ao revisitar a obra de Pierre Bourdieu (1983, 1997, 2007), identifica-se um importante conceito trabalhado pelo autor: capital cultural. O termo surge a partir de uma reflexão sobre a escola e seu aparente caráter democrático. Para Bourdieu (1997), os sujeitos chegam aos ambientes escolares com distintas bagagens culturais. Alguns trazem um rol de conhecimentos de berço, ou seja, de família, e isso acaba por distingui-los, perante o grupo.

A cultura é percebida como um rol de valores e significados que embasam um determinado grupo social. Partindo da premissa de que os indivíduos possuem distintas

culturas, Bourdieu (1997) entende que elas podem ser um fator de diferenciação na sociedade, cunhando, portanto, o conceito de capital cultural.

Acumulação de capital cultural desde a mais tenra infância – pressuposto de uma apropriação rápida e sem esforço de todo tipo de capacidades úteis – só ocorre sem demora ou perda de tempo, naquelas famílias possuidoras de um capital cultural tão sólido que fazem com que todo o período de socialização seja, ao mesmo tempo, acumulação. Por consequência, a transmissão do capital cultural é, sem dúvida, a mais dissimulada forma de transmissão hereditária de capital (BOURDIEU, 1997, p. 86).

O autor entende, então, que a cultura é uma das faces do capital, tão importante quanto o viés econômico de cada agente social. O capital cultural abrange, prioritariamente, o aspecto educacional, embora não se restrinja a ele, pois consiste numa perspectiva de diferenciação poderosa, no contexto de um determinado grupo social. Bourdieu (1997) compreende, ainda, com o termo, uma lógica de luta política, porque a escola privilegia a distinção de alunos com diferentes capitais culturais. Aqueles sujeitos que trazem um capital mais formado da família, por exemplo, levam vantagem frente aos que são desprovidos dessa acumulação, em seu seio familiar.

Ampliando essa perspectiva, ao revisitar o conceito de Bourdieu (1997), percebe-se que o sistema escolar tende a criar uma censura entre alunos de distintas instituições escolares, o que ocasiona uma fronteira social, denominada, pelo autor, como a “nobreza” e os “simples plebeus”. O sujeito que atinge um determinado nível na sua evolução educacional ganha o direito de portar um nome, uma titulação, proporcionando um significado simbólico inerente a um ato de classificação. Logo, o capital cultural é resultante de diferentes atos de ordenação, que trazem uma organização para a sociedade, mas, ao mesmo tempo, distingue aqueles indivíduos que atingiram um determinado patamar, estabelecendo uma hierarquia.

Outro aspecto relevante são os ritos observados nesse processo, pois as entregas de diplomas equiparam-se aos antigos cerimoniais da Idade Média, em que os cavaleiros recebiam condecorações por seus feitos e realizações nos campos de batalha. Reservadas as devidas proporções da analogia, a escola consagra uma distinção para o sujeito que atinge determinado grau perante a sociedade. Portanto, para Bourdieu (1996), ao finalizar uma etapa escolar, o indivíduo garante um diferencial.

A classificação escolar é sempre [...] um ato de ordenação, no duplo sentido da palavra. Ela institui uma diferença social de estatuto, uma relação de

ordem definitiva: os eleitos são marcados, por toda a vida, por sua pertinência (antigo aluno de...); eles são membros de uma ordem, no sentido medieval do termo, e de uma ordem nobiliárquica, conjunto nitidamente delimitado (pertence-se ou não a ela) de pessoas separadas dos comuns mortais por uma diferença de essência e, assim, legitimados para dominar. É nisso que a separação operada pela escola é também uma ordenação no sentido de consagração, de entronização em uma categoria sagrada, em uma nobreza (BOURDIEU, 1996, p. 38).

Nessa perspectiva, a escola contribui para a ordenação de um determinado grupo social, com critérios pautados pela meritocracia. O espaço escolar revela-se como um ambiente social onde, a priori, deve haver a distribuição do capital cultural entre os mais diversos sujeitos componentes de uma realidade social. Tal estrutura é fomentada pelas diferentes culturas, oriundas das famílias, entendidas como verdadeiras credenciais de cada indivíduo. Para Bourdieu (1997), isso contribui para uma dominação social, capitaneada pelos atores sociais que possuem maior capital cultural.

De acordo com Bourdieu (1997), há três possibilidades da existência e constituição do capital cultural: o incorporado, o objetivado e o institucionalizado. Na primeira, ele pressupõe um ciclo de diferentes processos de ensino e aprendizagem, durante a vida escolar, integrando, assim, o indivíduo em seu caráter singular e biológico. No segundo viés, o objetivado é relacionado à existência de um suporte físico, sendo transferível pelo viés material e simbólico, a partir de uma experiência. Nesse caso, o sujeito tem diferentes interações com objetos que formam o seu universo simbólico, e, assim, contribuem para o capital cultural. Por último, o capital cultural institucionalizado reflete os títulos adquiridos pelo sistema escolar, que se revela como um futuro sistema de distinção social.

Ao pontuar que, de acordo com Bourdieu (1997), toda forma de dominação necessita ser reconhecida, fazendo com que as bases arbitrárias sejam irreconhecíveis como tais, o autor indica a possibilidade de embasar as peculiaridades do poder simbólico, revelando a capacidade de significação dos sistemas de opressão e exploração da sociedade. Segundo alguns autores, a sociologia de Bourdieu contempla uma “economia política da violência simbólica”, revelando dispositivos sociais que recomendam o conhecimento como forma de dominação, a partir da meritocracia.

A noção de capital cultural objetiva, portanto, manter as relações socialistas, pois Bourdieu evolui a noção de capital do marxismo, “criando conceitos como o de capital cultural, que designa uma relação privilegiada com a cultura erudita e a cultura escolar” (LOYOLA, 2002, p. 66). Da perspectiva de que o capital cultural influencia a luta das classes

no cenário social, há outro conceito significativo para este estudo: a distinção.

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