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2. UMA ANÁLISE MARXISTA ACERCA DO MOVIMENTO DO CAPITAL NO

2.3 Capital fictício: particularidades e suas representações sob a ótica marxista

2.3.1 Capital fictício e fundos de pensão

Marx não chegou a ver a gigantesca proporção que o sistema de crédito alcançou, nem mesmo chegou a conhecer alguns fenômenos desenvolvidos pelo mundo das finanças, como os fundos de pensão, por exemplo. Mas nos deu as bases para chegarmos à compreensão desses atuais movimentos do capital através da fiel análise da natureza do capital-dinheiro, do capital portador de juros, do capital fictício e do crédito no livro terceiro de O Capital. A partir da investigação feita ao capital em sua forma fictícia, iremos considerar aqui, os fundos de pensão como uma de suas articulações fundamentais dentro do universo financeiro na atualidade.

Em conformidade com o desenvolvimento do comércio de dinheiro, do sistema de crédito e do capital portador de juros, emprestar e tomar dinheiro emprestado tornou-se a função particular de uma categoria de capitalistas, estes são os “intermediários entre o verdadeiro prestamista e o mutuário do capital monetário” (MARX, 1986, p. 303). A grande massa de capital monetário emprestável se concentra nas mãos dos banqueiros e é administrada por eles para desempenhar as funções creditícias e emprestar a juros mais altos do que pegam emprestado. Isso possibilitou a expansão do capital financeiro. Salienta Marx (1986, p. 276):

Acresce que, com o desenvolvimento da grande indústria, o capital monetário, à medida que aparece no mercado, é cada vez menos representado pelo capitalista individual, pelo proprietário desta ou daquela fração do capital existente no mercado, mas surge como massa concentrada, organizada que, de maneira bem diversa da produção real, se encontra sob controle do banqueiro, que representa o capital social.

Considerando o tempo histórico vivido por Marx, que não chegou a ver o grande crescimento do capital financeiro e a ampliação do sistema de crédito em todo o mundo, temos na explicação do nosso autor, os fundamentos de como o capital emprestável está concentrado nos bancos e como este se movimenta através dos banqueiros:

Primeiro, concentra-se em suas mãos, por serem cobradores dos capitalistas industriais, o capital monetário que todo produtor ou comerciante mantém como fundo de reserva ou que lhe aflui como pagamento. Esses fundos se transformam assim em capital monetário emprestável. Desse modo, o fundo de reserva do mundo do comércio, por concentrar-se num fundo comum, é limitado ao mínimo necessário, e parte do capital monetário, a qual de outro modo ficaria ociosa como fundo de reserva, é emprestada, funciona como capital portador de juros. Segundo, seu capital emprestável é constituído dos depósitos dos capitalistas monetários, que lhes cedem a tarefa de emprestá- los (MARX, 1986, p. 303).

Às instituições financeiras foi designado também o papel de administrar os recursos financeiros ociosos que lhes foram entregues, para serem convertidos em capital e em negócios rentáveis. Sendo assim, os recursos financeiros de capitalistas, trabalhadores, governos, proprietários de terras, rentistas, administradores etc. passaram a ser gerenciados pelas instituições financeiras. “Poupanças de todos os tipos podem ser mobilizadas como capital monetário. No caso da poupança dos trabalhadores, − afirma Harvey que estes − [...] perdem sua identidade social e se tornam poupadores” (2013, p. 348). O montante de recursos de todos os poupadores ganha um caráter indiscriminado e independente, configurando dessa forma, o que Marx (1986, p. 303) chama de poder monetário:

Com o desenvolvimento do sistema bancário e nomeadamente tão logo os bancos paguem juros por depósitos, as poupanças de dinheiro e o dinheiro momentaneamente inativo de todas as classes são depositados neles. Pequenas somas, cada uma por si incapaz de atuar como capital monetário, são unificadas em grandes massas e constituem assim um poder monetário. Os trabalhadores que reservam uma parcela de seu salário para destinar a uma poupança numa instituição financeira têm em vista assegurar a presença de recursos em momentos de dificuldade (doença, óbito, desemprego, etc.) ou quando o mercado de trabalho não os aceita mais pela sua condição de velhice. Dessa forma, os fundos de pensão são compreendidos pelos trabalhadores como uma opção a complementar sua renda no futuro. Já para o sistema do capital, é mais uma forma de apropriação de riqueza. Tendo em vista que esses montantes de recursos dos trabalhadores estão sendo gerenciados pelas instituições financeiras e pelos administradores dos fundos, o sistema do capital encontra aí uma grande oportunidade para aumentar seu lucro, inserindo esses recursos no mercado financeiro para serem transformados em capital. Assim, todo o processo que envolve os fundos de pensão tem início a partir da expropriação do trabalho e apropriação de parte do salário pago ao trabalhador. Granemann (2006) ressalta que quando os recursos dos fundos de pensão são duplicados como capital fictício e utilizados através do crédito no setor tecnológico industrial, isso contribui para o aumento do desemprego, pois, mais tecnologia significa menos postos de trabalho. Dessa forma, a autora escreve:

Assim, serão as porções mensais de remuneração do próprio trabalho necessário que, retidas pelo capital, proporcionarão o incremento da acumulação do capital com a dispensa de crescente parcelas de trabalhadores cujos postos de trabalho desapareceram ou foram precarizados. Sem rodeios, os próprios trabalhadores financiam e contribuem para o aumento mesmo de sua exploração e de toda a classe trabalhadora (GRANEMANN, 2006, p. 58).

Reinaldo Carcanholo (2013, p. 137) afirma que o capital financeiro “[...] do final dos anos 1970 para cá, não só dominou o cenário capitalista como superou os investimentos produtivos no que se refere à capacidade de apropriação de lucros”. Assim, o sistema do capital encontrou na especulação uma maneira de tentar solucionar um problema que é estruturalmente irreversível: a tendência à crise. No início isso até que funcionou e houve um crescimento significativo das taxas de lucro do capital, mas logo a verdade veio à tona e isso implicou numa série de ataques à classe trabalhadora.

Aqueles recursos que os trabalhadores lançam nos fundos de pensão são convertidos em capital e os trabalhadores tanto podem ganhar com os investimentos, como também podem perder essa parte de seu salário que foi poupada. São investimentos arriscados e o sucesso da operação irá depender do tipo de negócio e da dinâmica do mercado financeiro. Dessa forma, esses trabalhadores são induzidos pela lógica rentista e acabam colaborando para a preservação do sistema do capital, visando manter seus interesses individuais.

É por meio do sistema de crédito e do capital fictício que é gerado o produto do investimento feito com os recursos dos fundos de pensão. Por intermédio dos bancos, os gestores dos fundos de pensão buscam investir e participar de negócios que possam proporcionar taxas de juros mais elevadas possíveis. Um exemplo disso é a compra de títulos da dívida pública. Mediante a aquisição de títulos da dívida pública, os fundos de pensão participam até do financiamento de obras públicas. Os maiores fundos de pensão do Brasil (Previ, Petros e Funcef) participaram durante os governos petistas (2003-2016), do financiamento da construção de rodovias, aeroportos, estádios de futebol, moradias, etc11.

Mas, para além da aparência, ou seja, da participação em programas de infraestrutura do governo, a natureza dos fundos de pensão é essencialmente especulativa e parasitária, pois, numa estreita relação com o capital fictício, seus recursos volumosos são destinados a vários tipos de negócios no universo especulativo do mercado financeiro. Assim, “[...] o capital monetário possui no mercado monetário realmente a figura em que se reparte, como elemento comum, indiferente à sua aplicação particular, entre as diversas esferas, entre a classe capitalista, conforme as necessidades de produção de cada esfera produtiva” (MARX, 1986, p. 276). O sistema do capital se destina ao aprofundamento da expropriação da classe trabalhadora para sobreviver, e os fundos de pensão alimentam o capital a juros e contribuem para que os capitalistas possam captar elevadas taxas de lucro.

Diferente da Previdência Social, que tem sua origem baseada na cooperação entre trabalhadores − através das associações de auxílio mútuo12, antes de ser cooptada pelo Estado −, os fundos de pensão foram criados pelo sistema do capital. Portanto sua lógica não pode ser alterada pela simples vontade da classe que o custeia para atender exclusivamente aos seus interesses. Sua lógica consiste essencialmente em servir ao sistema do capital, e em particular, ao capital financeiro.

Entre as metamorfoses e as mais variadas formas de capital que já se conheceu até hoje, o capital fictício se caracteriza como sua forma mais insana, pois no mundo das finanças, o capital pode ser duplicado e até triplicado de uma maneira puramente fantasmagórica para fazer crescer o lucro do capital que rende juros. Ou seja, sua função consiste em aumentar a taxa de lucro do capitalista sem que, em determinado estágio do processo, se tenha a mediação do processo de produção.

Com o desenvolvimento do capital portador de juros e do sistema de crédito, todo capital parece duplicar e às vezes triplicar pelo modo diverso em que o mesmo capital ou simplesmente o mesmo título de dívida aparece, em diferentes mãos, sob diversas formas. A maior parte desse “capital monetário” é puramente fictícia (MARX, 1986, p. 14).

Na contemporaneidade, o capital fictício (mediante o sistema de crédito e do capital a juros) atua como vetor fundamental no processo de produção e circulação de mercadorias. Pois, desde o início dos anos 1970 se iniciou uma fase muito mais destrutiva do capital. O sistema de crédito é compreendido aqui como “um produto dos próprios esforços do capital para lidar com as contradições internas do capitalismo” (HARVEY, 2013, p. 322). Marx, em sua análise, conforme mencionado anteriormente, mostra que essa solução adotada pelo sistema do capital, ao invés de diminuir, acaba aumentando ainda mais essas contradições. Conforme salienta Harvey (2013, p. 351) o sistema de crédito permite que:

As aquisições e as vendas podem se tornar cada vez mais separadas uma da outra, tanto no tempo quanto no espaço. Nessas condições, o potencial para as crises torna-se muito maior. O crédito não permite apenas que as funções tradicionais do dinheiro sejam ampliadas, generalizadas e elaboradas: ele faz exatamente o mesmo em relação às tendências para a crise no capitalismo. Em um contexto de crise estrutural a expropriação do trabalho se intensifica e, os fundos de pensão, se desenvolvem como uma nova modalidade de apropriação de parte do salário pago aos trabalhadores. Mesmo com o surgimento dessas novas modalidades de elevação exorbitante da taxa de lucro, o trabalho é e sempre vai ser o único elemento capaz de

12 A origem e o processo histórico que permeia o sistema público de previdência serão desenvolvidos no último

produzir mais-valia. Marx faz um alerta para aqueles que acreditam que o capital monetário poderia sobreviver sem o capital produtivo:

A transformação de todo capital em capital monetário, sem haver pessoas que comprem e valorizem os meios de produção, em cuja forma existe todo o capital, abstraindo a parte relativamente pequena deste, existente em dinheiro − isso naturalmente é um absurdo. Nisso está contido o absurdo ainda maior de que, sobre a base do modo de produção, o capital proporcionaria juros sem funcionar como capital produtivo, isto é, sem criar mais-valia, da qual o juro é apenas parte; de que o modo de produção capitalista seguiria seu curso sem a produção capitalista. Se parte indevidamente grande dos capitalistas quisesse transformar seu capital em capital monetário, a consequência seria uma imensa desvalorização do capital monetário e uma imensa queda da taxa de juros; muitos se veriam imediatamente impossibilitados de viver de seus juros, e portanto forçados a retransformar-se em capitalistas industriais (MARX, 1986, p. 282).

A hegemonia do capital financeiro não significou uma saída para a crise, apenas atenuou alguns de seus efeitos e com o passar do tempo aprofundou outros. “A lógica da circulação geral do capital os obriga a criar novos investimentos financeiros e um sistema de crédito sofisticado que impulsiona o dinheiro e o capital que rende juros para um papel proeminente em relação à acumulação” (HARVEY, 2013, p.338). No entanto a alta competitividade entre os capitalistas e a busca desenfreada por acumulação de capital através do uso desses recursos sofisticados levou o sistema capitalista ao agravamento de suas crises e da inflação.

A crise do capital se aprofunda porque ocorre a hipertrofia dos mercados financeiros, pois os lucros exorbitantes, provenientes da lógica do capital fictício, não resultam dele mesmo. É preciso que a riqueza real (capital produtivo) em algum momento do processo de circulação se confronte com a riqueza fictícia (capital fictício). Não é tão simples, como se o dinheiro procriasse dinheiro. O sistema do capital é extremamente complexo e composto de contradições. O capital em sua forma fictícia não é capaz de eliminar essas contradições, pois essas fazem parte da própria natureza do capital em sua totalidade. Somente é possível eliminar as contradições do sistema do capital, se ele próprio for destruído e eliminado. A partir do momento que a forma fictícia se confronta com a forma real do capital, se revelam então a sua natureza ilusória e os seus limites em relação ao processo real de produção de mercadorias.

No capítulo a seguir, será exposto como ocorre o processo de criação e desenvolvimento dos fundos de pensão e como estas instituições financeiras irão atuar na economia brasileira, com o intuito de apropriar ainda mais a riqueza gerada pelos

trabalhadores, ampliando seus ativos financeiros principalmente através de mecanismos que possuem estreita relação com o capital fictício.

3. OS FUNDOS DE PENSÃO E SUA DIMENSÃO NA ECONOMIA CAPITALISTA