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“Uma longa viagem começa com um único passo”.

Lao-Tsé

O povo nordestino - principalmente a população rural - que ainda não absorveu a “modernidade” capitalista ocidental, vive num sistema implícito de cooperação. Existem as

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“Bóia-fria” é um tipo de trabalhador rural . Cortador de cana nas usinas( Nordeste e Sudeste) e na colheita da laranja, no Sudeste. Vão para o trabalho de madrugada e só retornam à noite. Usam trajes parecidos (camisas mangas compridas e lenços na cabeça, além do chapéu de palha). São homens, mulheres e crianças. Receberam esse nome porque, quando saem de casa, já levam o almoço e quando vão almoçar meio-dia a comida já está fria.

“debulhas” de feijão, onde uma família que tem uma boa colheita do cereal mais conhecido e consumido da zona agrícola nordestina chama os vizinhos para uma noitada, quando todos vão ajudar a tirar as cascas do feijão (debulhar). Isto era antigamente, há uns quarenta anos, quando não havia debulhadeira de feijão. Hoje a maioria dos camponeses tem um “Jeep” velho com uma debulhadeira acoplada, ou mesmo um trator (chamado trator de pneu), porque muitos não sabiam a diferença entre trator de esteira e trator de pneus. Outros chamavam para a farinhada, onde um proprietário com uma boa colheita de mandioca marcava um período, às vezes, até uma semana, em que iria transformar sua produção em farinha, em beiju (grandes tapiocas, porém feitas de massa e não de féculas) e muitas vezes ainda sobrava alguns restolhos para o gado ou os animais de pequeno porte. Nessas ocasiões, matavam-se porcos, carneiros, galinhas e havia muita cachaça e se jogava muita conversa fora. Esta era uma cooperação sadia, fraterna e até cívica. Noutras ocasiões, tínhamos as moagens, onde o plantador de cana-de-açúcar marcava o corte da cana e todos eram convidados para os dias de moagens, quando muitas vezes, com uma ou mais junta de bois mansos, girando em torno de uma moenda, a cana era toda triturada e só sobrava o mel, sendo fervido em grandes tachos de cobre, depois se fazia alfenim e as várias cargas de rapaduras. Nestas ocasiões periódicas, era como se eles estivessem comemorando as colheitas e fazendo uma grande confraternização, com toda a vizinhança e familiares. Daí surgiam os batizados, os casamentos, as histórias de “Trancoso”18, enfim, todo este envolvimento cooperativo não era planejado adequadamente, ou pelo menos no papel, mas tinha uma seqüência lógica de ajuda mútua. É o caso de nos perguntar: será que a vida nas cidades acabou com essa experiência de cooperação tão singular? Será que esses rurícolas não se dão conta da necessidade de que com a cooperação as coisas seriam melhores para todos?

Putnam (2002:173) menciona que “A incapacidade de cooperar para o mútuo proveito não significa necessariamente ignorância ou irracionalidade. Os especialistas em teoria dos jogos estudaram esse dilema fundamental em diversas circunstâncias”.

• “No drama dos bens comuns, um criador de gado não pode limitar o pastoreio dos rebanhos dos demais. Se ele limitar seu uso das pastagens comuns, somente ele sairá perdendo. Mas o pastoreio excessivo destrói o recurso comum de que depende subsistência dos demais”;

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• “Um bem público, como o ar ou um ambiente despoluídos, pode ser desfrutado por todos, mesmo pelos que não contribuem para prover esse bem. Logo, normalmente ninguém é incentivado a prover um bem público, e a falta de iniciativa é prejudicial a todos”;

• “Pela curta lógica da ação coletiva, todo trabalhador seria beneficiado se todos fizessem greve ao mesmo tempo, mas quem toma a iniciativa do movimento corre o risco de ser traído por um fura-greve subornado, assim, todos aguardam, contando tirar proveito da imprudência de alguém”;

• “No dilema do prisioneiro, dois cúmplices são mantidos incomunicáveis, e diz- se a cada um deles que, se delatar o companheiro, ganhará a liberdade, mas se guardar silêncio, e o outro confessar, receberá uma punição especialmente severa. Se ambos mantivessem silêncio, seriam punidos levemente, mas na impossibilidade de combinarem suas versões, cada qual faz melhor em delatar,

independentemente do que o outro venha a fazer”.

Hoje, os habitantes dos antigos sítios e fazendas vivem mais nas pequenas e grandes cidades do que nos vilarejos, nos distritos e nos povoados. Todos querem morar na cidade. Apesar de ser um direito de todos, o direito de escolha, mas a vida nas cidades é uma vida muito sofrida, mais sofrida ainda do que a vida no campo, haja vista a falta de cooperação, a falta desta ação coletiva espontânea, na qual interesses são parecidos e ainda permanece esta cumplicidade saudável. E o que é pior, o povo do ambiente rural está vindo para as capitais, para as áreas metropolitanas à procura de trabalho ou algum meio de renda, nada encontrando, se entrega à marginalidade e termina aumentando as favelas das grandes cidades e vivendo numa vida mais miserável do que se estivesse no campo.

Putnam (2002:174) diz que “para haver cooperação é preciso não só confiar nos outros, mas também acreditar que se goza de confiança dos outros”.

Thomas Hobbes, foi um dos primeiros teóricos a buscar uma terceira pessoa ou entidade para mediar as relações de todos contra todos, sendo esta entidade o Estado (Ente soberano), que traria a harmonia entre os cidadãos. Atualmente, com o Estado moderno, e o Estado entendido no seu sentido amplo (No Brasil – União, estados, Distrito Federal e municípios) as pessoas entregam seus destinos a essa terceira pessoa.

Esta instituição tem sido um mal necessário, porque a vida moderna tem sido vasculhada pelos entes do Estado, seja o guarda na rua, sejam os funcionários de bancos pegando todos seus dados e manipulando-os, seja a polícia e a Justiça cumprindo a lei,

sejam os servidores públicos em geral. O cidadão é vigiado 24 horas por dia, mas o Estado, com seu poder de polícia veio substituir a confiança que uns não tinham nos outros. Para minorar tais questões, nada melhor do que uma sociedade mais educada, mais fraterna e politicamente consciente para dirigir o próprio Estado, principalmente no poder e desenvolvimento local, e evitar as ações equivocadas e em proveito próprio que possa algum governante desejar efetivar.