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Sexo oral com preservativo. NIGHTS Noites. Significa passar a noite com o cliente.

Passar a noite significa que estão incluídos serviços sexuais e não sexuais. A duração deste tipo de serviços é variável, tendo também preços variáveis: pode ir das 6 às 12 horas de

acompanhamento. Este serviço não significa que a acompanhante durma (este é um outro serviço, geralmente designado por OVERNIGHT).

COMPLETA Acompanhante cujos serviços sexuais contemplam

penetração vaginal, sexo oral e anal. Muitas acompanhantes anunciam este tipo de serviço apenas como estratégia de marketing, como uma forma de corresponderem às expectativas iniciais dos potenciais clientes, contudo, durante o encontro promovem guiões sexuais que lhes permitam evitar a prática do sexo anal.

COUPLES Casais. Atendimento a casais. Significa que a

acompanhante é aberta a participar em práticas bissexuais.

BBBJ Bare Back Blow Job. Sexo oral sem protecção (sem

preservativo). A expressão Bare Back refere-se originalmente a montar a cavalo sem cela. No contexto prostitucional remete para práticas sexuais desprotegidas (sem o uso de preservativo).

OWC Oral With Condom. Sexo oral protegido (com

preservativo). O contrário de OWO.

BDSM Bondage, Discipline and Sado-Masochism OWO Oral Without Condom. Sexo oral sem protecção

(sem preservativo). Sinónimo de: BBBJ. O contrário de OWC.

DATY Diner at Y. A letra Y simboliza o corpo de uma mulher

de pernas abertas. Sexo oral praticado pelo cliente à acompanhante.

DFK Deep French Kissing. Beijo na boca com língua.

DFE Dead Fish Experience. Expressão utilizada por clientes

(sobretudo em contexto do fórum da internet) para designar prostitutas que se comportam de forma indiferente durante o acto sexual. Indiferentes em relação ao que se passa e ao cliente/homem com quem estão a ter relação sexuais. O contrário de: GFE.

HR Hand release. Masturbação.

FIGHT Luta ou combate. Expressão utilizada por clientes para

descreverem os encontros sexuais com as acompanhantes.

TD Test-Drive. Expressão utilizada entre clientes membros de fóruns de clientes para designar relatórios de avaliação dos encontros com as acompanhantes. Forma de crítica ao serviço e às competências das acompanhantes.

FLIGHT Voo. Sinónimo de FIGHT. Descreve um encontro

sexual com uma acompanhante considerada especialmente bonita e atraente (um avião).

WF Whisper Friendly. Expressão originalmente utilizada em conversações de chat. Significa abertura para receber e trocar mensagens privadas de carácter íntimo. Uma forma de flirt que se prolonga para alá do encontro comercial.

FOTC Fuck of the Century. Expressão mais comummente

utilizada pelos clientes para designar uma acompanhante especialmente competente nos saberes-fazer sexuais. Algumas acompanhantes também utilizam a expressão quando falam quer dos seus clientes.

69 Sexo oral simultâneo. O número 69 simboliza a posição dos corpos durante esta prática sexual.

2.6 | Prostituição, quadro de interacção e redes de confidência

As redes de relações sociais apresentam-se como dimensão decisiva da estruturação do desta forma de prostituição enquanto quadro de interacção por duas razões fundamentais.

Em primeira instância as relações sociais de que acompanhantes e clientes fazem parte constituem-se como redes de confidência daquilo que fazem. Partilhar a intimidade e o segredo não será uma opção casual. O acto de falar sobre a sexualidade na primeira pessoa, confidenciar que se trabalha como prostituta acompanhante ou que a elas se recorre, implica uma postura reflexiva e a verbalização e exposição de si aos outros (Aboim, 2010b; Plummer, 1997; Foucault, 1994). Daqui derivam consequências importantes. Esta postura indicia, por parte destas mulheres e homens, a incorporação de ideias de liberdade e expressividade sexual contemporâneos (Giddens, 2001; Weeks, 1985, 1995 e 2007) que tem seguramente efeitos na forma como percebem, racionalizam e avaliam a

prostituição e aquilo que fazem nesse mundo (ser acompanhante ou ser cliente). Por outro lado, a postura reflexiva e a capacidade de se situarem a si e aquilo que fazem no mundo social mais alargado produz particulares condicionantes para a confidência deste aspecto oculto das suas vidas, determinando se se revela, a quem se pode revelar e como se revela.

Em segundo lugar, as redes de relações sociais não fornecem apenas outros disponíveis para escutarem aquilo que temos para contar acerca da vida, nem são simplesmente laços de solidariedade potencial, são também produtoras de múltiplos contextos de socialização sexual. Isto é, as redes que podem influenciar os comportamentos sexuais, funcionando como lugar de ancoragem e recriação de discursos reguladores da sexualidade. Interessa, por isso, compreender os condicionamentos normativos – constituindo morais sexuais – que emergem destas redes de relações sociais: de que forma essas ligações funcionam como suporte, constrangimento ou orientação das suas biografias sexuais, nomeadamente como se cruzam com o universo prostitucional.

Estas mulheres e homens estão inseridos em redes diversificadas quanto ao seu conteúdo, dimensão e efeitos. Contudo, as redes estabelecidas que vão para lá da prostituição conectam-se de forma decisiva com este contexto: os amigos e os familiares podem ter conhecimento ou podem ser actores decisivos na entrada no universo prostitucional (quer para as acompanhantes, quer para os clientes). Os amigos e a família são constituintes primordiais de redes de confidência, avaliação e constrangimento recíproco, funcionam como indutores de comportamentos e certificam-se que homens e mulheres cumprem o que deles é esperado. No fundo estas redes de conhecimento e de confidência resultam em contextos específicos de socialização sexual reveladores da força normativa, repressora e condicionadora da acção do capital social (Putnam, 2000).

O que se identifica como particularmente assinanalável quanto ao modo como as redes relacionais de confidência contribuem para a constituição do quadro de interacção em torno desta forma de prostituição é que se estabelecem três nós relacionais onde se debatem fortes tensões entre interior e exterior: (i) os amigos, as amigas e as tensões entre ocultação e o desejo de afirmação como elite sexual; (ii) a família e a tradição prostitucional; (iii) a relação de pesquisa e o investiador como confidente.

Amigos e confidentes?

As relações de amizade, a rede de amigos e confidentes a quem as mulheres acompanhantes e os homens clientes partilham as suas aventuras e desventuras sexuais, funcionam também como uma pequeno colectivo dentro do qual se estabelece uma hierarquia sexual-social (Collins, 2004). Uma hierarquia que tem como princípios organizadores a experiência acumulada (contabilidade sexual), a intesidade e a radicalidade da vida sexual. De forma breve, homens e mulheres desejam estar entre a elite sexual dos amigos ou ser o representante dessa vanguarda sexual entre os seus amigos.

A necessidade de aceitação daquilo que se faz por outros relevantes não desaparece pelo facto da prostituição se situar num plano secreto da vida. Frequentemente homens clientes e mulheres prostitutas acompanhantes revelam parcialmente aquilo que fazem. Ou melhor, recontam ou reconstroem as suas experiências no âmbito do sexo comercial através de verdadeiras ficções sexuais (Plummer, 1997) que transformam a natureza comercial dos encontros em casualidade e, implicitamente, o dinheiro em capacidade de sedução e conquista. Desta forma, contam as suas experiências relacionais, íntimas e sexuais em contexto prostitucional como se se tratassem de aventuras acontecidas fora do contexto sexual pago. Esta ficcionalização dos acontecimentos funciona como uma espécie de gabarolice que autoriza confidenciar aos amigos aquilo que se vive, as emoções, os sentimentos, mas também consente o reconhecimento social daquilo que se faz capitalizando ganhos simbólicos.

No meio da heterogeniedade e da complexidade das redes relacionais dos amigos, os homens clientes e as mulheres prostitutas encontram espaços de apoio, aprovação, suporte ou admiração. Os seus comportamentos encontram possibilidades de legitimação e até de valorização num cenário de relações sociais. Os homens clientes e as mulheres acompanhantes pela forma como vivem a sua sexualidade, pela forma como revelam os seus comportamentos sexuais, passam a ocupar posições de destaque no interior do ciclo de amigos como produtores e actores de uma espécie de vanguardismo sexual que se torna referência entre aquele círculo social.

Para as acompanhantes os amigos homens são apresentados como portadores de visões liberais e aparentemente igualitárias sobre a sexualidade. Entre os amigos encontram tolerância e mesmo admiração e respeito pela forma como vivem e exprimem a sua sexualidade. Os amigos homens, quer das acompanhantes quer dos clientes, raramente apresentam posições abertamente críticas à forma como vivem a sexualidade.

Nicole “Sim, entre as amigas. Comento com as amigas sim, Mas, comentava os encontros como acompanhantes como se fossem outras aventuras sexuais, sexo casual (...) Sim, é verdade, acho que ganhei um espaço espcial entre os amigos. Mais uma vez, o sexo dá power, mesmo entre os amigos (...) Os meus amigos homens que me conhecem, mesmo que não saibam da minha situação como acompanhante sabem que sou muito aberta sexualmente, acho que me admiram, admiram a minha postura e maneira de ver e agir na sexualidade. As minhas amigas também (…) Eles não criticam tanto. Elas são sempre mais negativas (…) Eles não. Para eles é o máximo e só desejam que as mulheres deles também fossem assim. É uma maravilha falar com eles (…) dou mais importância à [opinião] dos amigos homens. Acho sempre que as mulheres são muito complicadas e vêem mal as coisas.”

Apesar da confidência sexual poder produzir ganhos simbólicos associados à vanguarda sexual, as amizades podem tornar-se problemáticas para os homens obrigando a uma gestão cuidadosa e criteriosa do que de diz e do que se deixa por contar acerca da vida sexual. As confidências são sempre limitadas, porque entre os homens o sexo deve ser secretizado (Kimmel 1996, 2000 e 2005b) sobretudo, se aquilo que se quer relatar pode indiciar fragilidade na competição no campo das masculinidades. No fundo, o cuidado com aquilo que se partilha com os amigos homens traduz-se na garantia de que os seus confidentes terão posições menos críticas acerca da forma com o são homens e o revelam pela sexualidade.

André Eu só contei a um grupo muito restrito de amigos, muito restrito mesmo… só áquelas pessoas que tenho total confianla e que sei que também confiam em mim, que sei que vão estar sempre comigo a vida toda (…) Ter-lhes contado este lado da minha vida acho que ainda veio aumentar a confiança que temos, fortaleceu a amizade, ficámos mais próximos (…) Não, jamais contaria à minha família, aos meus pais nunca, acho que tinham um ataque porque não me educaram assim (…).”

João “Isto é mesmo um grande segredo. Talvez seja o maior segredo da minha vida… não conto isto a ninguém, ninguém sabe que ando nesta vida, ninguém mesmo (…) contar isto, mesmo que fosse aos meus amigos mais próximos, aos amigos do peito, seria contar uma coisa demasiado pessoal… eu conto a minha vida a esses meus amigos, tudo da minha vida menos isto. Tenho medo da forma como reajam e não quero desiludi-los nem correr o risco de perder a amizade deles (…) ia contar-lhes uma coisa muito íntima e eles também não contam esse tipo de coisas da vida deles, acho que há coisas que nem entre gajos se contam. Não vou dar o flanco…tas a perceber não tas?!”

Jorge “Eu mantenho tudo no máximo dos segredos, mas acho que não tenho nada a esconder, não faço nada mal (...) se dissesse para aí que estou com acompanhantes caiam-me todos em cima… no trabalho, no trabalho nem sei se não seria despedido que isto nos escritórios de advogados são todos muito conservadores e moralistas e têm uma imagem a proteger. Na minha relação a coisa também não iria cair muito bem, e tenho muito medo de perder a relação que tenho agora, por isso não arrisco nada (...) Se se soubesse que pago a acompanhantes era uma vergonha, acho que ficava sem saber o que fazer… queria era um buraco onde me meter [risos]… seria complicado para enfrentar a namorada e as pessoas no trabalho e tudo isso (…) acho que não fica assim muito bem a um homem saber-se que paga para estar com mulheres… fica-se com aquela ideia que tipo de homem é este que tem de pagar para conseguir estar com uma mulher (…).”

Entre os homens clientes o reconhecimento ou a aceitação daquilo que fazem (ser cliente) apenas está garantindo entre homens amigos com quem partilham alguns desses episódios sexuais em contexto comercial. Isto é, a confidência desprovida de vigilância sobre o que diz apenas ocorre num contexto em que os homens clientes assegurem igualdade no acesso a informação potencialmente constrangedora; neste caso, quando asseguram que os seus confidentes também experimentam os mesmos acontecimentos.

Miguel “Partilho com alguns, poucos… com alguns até fui com eles! (…) foi com eeses que comecei esta aventura das acompanhantes (…) a sugestão partiu de dois deles, são pessoas que são amigos de infância, sei que com eles não tenho problemas (…) mas hoje em dia isso já esmureceu [idas conjuntas a apartamentos] (...) Às vezes damos umas dicas uns aos outros sobre acompanhantes [risos]. Outros amigos sabem mas não partilham a aventura. Ouvem as histórias, mas têm imenso preconceito e acham uma idiotice fazer isso (…) Uns acham chocante e um desperdício, outros divertem-se imenso mas não vão.”

A família e a prostituição

Os nós familiares das redes de relações sociais são percebidos e descritos como conservadores, defensores de velhos padrões morais e normativos da sexualidade. Viver a sexualidade de forma livre e relativamente aventurosa, emocionante ou experimentalista, depende em grande medida nas formas de inserção em círculos sociais exteriores à família (Aboim, 2010b), numa lógica de densificação e complexificação dos círculos sociais que permite a construção de uma existência social inimitável e constituição enquanto indivíduo singular (Simmel, 1995 e 2009). Ou seja, o corte com o controlo familiar é base fundamental para a expressão de uma sexualidade liberta. A complexificação da teia relacional e a perda do monopólio relacional por parte da família e dos laços institucionalistas torna-se fundamental para a afirmação das vontades e desjos pessoais quer das mulheres (acompanhantes) quer dos homens (clientes).

A experiência prostitucional é percebida por uma parte das acompanhantes como uma conquista do carácter aventuroso e expansivo da vida sexual. A revelação daquilo que fazem, da

sexualidade comercial a que dão corpo, a elementos das famílias de origem representa uma forte ruptura com um padrão moral e como uma visão da sexualidade feminina segundo o qual foram educadas e que obriga ao afastamento das mulheres da prostituição e de comportamentos sexuais experimentalistas. Mas, este conflito disposicional e familiar é superado por uma visão de tipo utilitário que os familiares fazem desta sexualidade comercial.

Rita “A quem é que já revelei o segredo… à minha mãe e à minha irmã (…) Elas tinham a completa noção do meu estado de degradação a nível financeiro e… e quando tomei esta atitude disse que ia entrar nesta área… porque estava a precisar do dinheiro e não tinha (…) a minha mãe disse, ‘eu não gosto, eu não quero, mas eu não te posso ajudar mais do aquilo que já te dou só quero é que corra tudo bem’”

Clara “(...) a minha mãe sabe que eu tenho a casa, mas não sabe que eu também atendo (…) Houve um dia que bateu aqui [apartamento/bordel] de surpresa e viu um ambiente normal, elas receberam-na na sala, conversaram com ela com conversas normais e viu que elas não correspondiam ao estereótipo e começou a encarar isto como uma coisa normal. As pessoas têm de ver um bocadinho para perceber o que é (...)”

Para alguns homens o carácter conservador de velhos padrões morais e sexuais dos nós relacionais familiares está associado à imposição de uma tradição familiar de recurso à prostituição e de iniciação sexual pelo recurso a mulheres prostitutas. Para eles, a entrada no universo prostitucional das acompanhantes significa, finalmente, a fuga a normas, moralidades e condicionamentos da experimentação sexual que se iniciaram pela imposição de uma tradição familiar. Mais, significa a descoberta de que a prostituição (as acompanhantes) pode significar um quadro de interacção onde se joga mais do que sexo, onde se pode experimentar formas específicas de intimidade.

A iniciação sexual faz-se por influência directa de familiares ou de redes masculinizadas de relações próximas de familiares: são acompanhados pelos pais, tios, primos ou amigos dos pais, na ida a um bordel. Estas primeiras experiências sexuais e prostitucionais apanham estes homens (ainda jovens) de surpresa e é uma experiência marcada pela confusão, a excitação e o desconhecimento. O papel dos homens mais velhos da família é fundamental na preparação desse acto inaugural, organizando previamente o que acontecerá. A linhagem masculina da família destes homens clientes abre as portas a um período marcado pelo desejo de aprendizagem e pelo estabelecimento da confiança necessária nas suas competências sexuais. Numa forma de cumplicidade silenciosa (raramente falando abertamente do que acontece e do que fazem), os pais e tios introduzem os filhos e sobrinhos no circuito da sexualidade comercial, permitindo que estes homens clientes passem a dominar desde jovens determinados modus operandi da prostituição e das mulheres prostitutas. Finalmente, esta forma familiar de recurso à prostituição acaba por ser fundamental para a aquisição de disposições específicas para as experimentações e gestão da sexualidade. Uma visão que cruza sexualidade e relações de género produzindo uma dissonância clara entre a sexualidade lúdica e experimentalista e uma sexualidade enquadrada numa relação amorosa. Isto é, uma visão que separa por um lado, experimentalismo, aventura, loucura; e por outro, o casamento, a seriedade, a responsabilidade e a família. Ao limite, separa as mulheres castas das devassas.

Vítor “O meu pai… o meu pai não, um amigo dele levou-me a uma casa! Era uma coisa discreta e relativamente requintada (…) esse amigo do meu pai e a senhora da casa é que combinaram tudo, escolheram a rapariga com quem estive e tudo (…) foi estranho, muito estranho… Foi bom, muito bom, sentia que ia tornar-me homem naquele momento e isso era a coisa mais importante da vida! Ia passar a ser homem! Mas não sabia nada do que me esperava e por isso estava confuso, também não percebia nada daquele ambiente da casa (…) nessa altura frequentei a prostituição durante algum tempo, era a tentativa de ganhar experiência, de aprender mais e estava admirado com o sexo e com as mulheres! Queria mais e mais!”

Para outros homens clientes o carácter conservador das relações familiares tem um significado bem distante daquele que descrevemos. Neste caso, o conservadorismo está fortemente associado a visões ideológicas e morais que fazem da prostituição um problema de violência contra as mulheres, uma forma de degradação social e sexual das mulheres para qual não deveriam contribuir. Estes homens foram socializados no sentido da incorporação de disposições e de ideias de rejeição e crítica à prostituição. Ideais e disposições que se baseiam essencialmente nas ideias feministas de tendência abolicionista. Neste sentido, o facto de se tornarem clientes significa um confronto ideológico particular entre as disposições e os ideais incorporados duradouramente e novas disposições adquiridas para conseguir jogar o jogo social e sexual do campo social das acompanhantes.

Investigador como confidente

O investigador vai lentamente passando de intruso que força o relato da vida a membro desta rede de confidência. Contudo, o estatuto do investigador enquanto confidente é especial. O seu estatuto deriva em grande parte da instrumentalização de que é alvo pelas pessoas-objecto de estudo passando a ser visto como uma espécie ouvido psicanalítico (Coelho, 2009a).O investigador passa por um processo de construção de confiança fundamental que se intenfica gradualmente, permitindo atingir aspectos mais reservados, preservados, omitidos e ocultados dos protagonistas. Nesta altura, o investigador é transformado num repositório: nele se descarregam acontecimentos, narrações de episódios da vida, muitas vezes a ele se revelam aspectos nunca contados nem mesmo aos confidentes e amigos mais próximos. O carácter temporário da presença do investigador na vida dos protagonistas poderá, contra-intuitivamente, favorecer o relato destes aspectos secretos da vida. Porque, o investigador desaparece e não implica a confrontação sistemática do narrador com aquilo que narrou e com o facto do outro saber o que foi vivido. Ou seja, não existe constrangimento e desfaz-se a potencial relação de poder associada à partilha de informação potencialmente perturbadora da vida.

Apesar de transformado em ouvido psicanalítico (Coelho, 2009a), a relação não será a típica de um encontro de natureza terapêutica, fundamentalmente porque basear a pesquisa numa sociologia à escala individual (Lahire, 1998, 2004 e 2005), sensível (Pais, 2003) e produtora de narrativas biográficas multidimensionais (Lahire, 2002; Conde, 1993a, 1993b e 1994) obriga à reciprocidade na partilha da vida (Conde, 1993a, 1993b e 1994; Plummer, 1997). Os lugares de narratário e ouvinte vão sendo ocupados alternadamente ao longo do processo pesquisa por sociólogo e pessoas-objecto de estudo. A inevitabilidade da reciprocidade será, em grande medida, uma consequência do método

biográfico. Porque, a auscultação da vida do outro tem efeitos interrogativos e catalisadores de reflexividade sobre a vida de quem ouve. Ao limite, todo o exercício biográfico, a recolecção de si, a reorganização da vida, a reconstrução do vivido e sentido, a imaginação ou a remontagem dos acontecimentos passados, do presente vivido e dos projectos de futuro, será em grande medida feito a dois. Ao mesmo tempo, as pessoas-objecto de pesquisa estão curiosas acerca do próprio pesquisador e

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