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4. METODOLOGIA

4.1. A Epistemologia Qualitativa

4.1.1. Caráter Construtivo-Interpretativo do Conhecimento

Este princípio concebe a produção do conhecimento como um processo que ocorre por meio da interpretação e construção de um modelo teórico em relação ao que se estuda. O conceito de modelo teórico, conforme aponta González Rey (2014), corresponde a uma visão da ciência que se expressa por meio de teorias, de sistemas conceituais elaborados para gerar inteligibilidade aos fenômenos. No entanto, esta elaboração teórica ocorre de forma articulada ao momento empírico por meio da construção de indicadores articulados às hipóteses que vão se alterando ou consolidando ao longo da pesquisa.

Nesses termos, o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento sobre a subjetividade é a qualidade que separa essa proposta das epistemologias realistas orientadas ao entendimento do saber enquanto reflexo da realidade, diferenciando- se também de qualquer tipo de fundacionalismo epistemológico.

O caráter construtivo-interpretativo do conhecimento está estritamente associado com o tipo de problema que o estudo da subjetividade nos coloca. A

subjetividade não aparece de forma direta em nenhuma das expressões humanas e seu estudo precisa de modelos teóricos que ganham legitimidade pela sua capacidade de articulação com sistemas múltiplos de significados diferentes que, gerados por via indireta, podem se articular na capacidade explicativa do modelo teórico em desenvolvimento no curso da pesquisa. Neste momento, o conhecimento é uma produção construtivo-interpretativa, legitimado pela qualidade da expressão única do pesquisador, que compreende o entendimento da realidade como produção e não apropriação linear. Dessa forma, o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento se refere à produção que está em constante processo de transformação, diferentemente de ser cristalizado pelo ordenamento da realidade social e reificado como categoria de valor imutável (GONZÁLEZ REY, 2002, 2005, 2005a).

Igualmente, conforme aponta Mitzáns-Martínez e González Rey (2017), fazer teoria é o objetivo geral da produção do saber e se distingue de “aplicar” teorias, termo que se associa às ciências definidas como empíricas. O autor se refere a fazer

teorias enfatizando o papel ativo do pesquisador que, a partir de sua interpretação e

articulação do momento empírico com as teorias, constrói novos modelos compreensivos sobre o fenômeno, pressupondo permanentemente a sua condição de autor.

Na base do caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, ainda segundo o autor, está o conceito de indicador que se torna um recurso de produção de inteligibilidade. Sua definição é apresentada por González Rey (2002) da seguinte forma:

Um indicador é uma construção capaz de gerar um significado pela relação que o pesquisador estabelece entre um conjunto de elementos que, no contexto do sujeito estudado, permitem formular uma hipótese que não guarda relação direta com o conteúdo explícito de nenhum dos elementos tomados em separado (p.113).

O indicador aponta um conjunto de expressões com o mesmo sentido proveniente de diferentes fontes de informação e se estabelece na interface das informações indiretas ou ocultadas no trajeto da pesquisa. Dessa forma, a formulação teórica dos indicadores baseia-se numa via de inteligibilidade construída pelo pesquisador na interpretação, expressando um momento no curso da pesquisa que não tem efeito conclusivo.

De acordo com González Rey (2011), a ideia da pesquisa como processo teórico, interpretativo, que avança no curso de construções hipotéticas, cuja consistência vai emergindo no processo de pesquisa, tem como unidade principal o indicador. O indicador é a base sobre a qual as construções hipotéticas se organizam. Os indicadores são os significados que o pesquisador constrói sobre eventos, expressões ou sistemas de expressões, os quais não aparecem explícitos, em seu significado, pelos participantes de uma pesquisa. Um indicador é uma construção capaz de gerar um significado pela relação que o pesquisador estabelece entre um conjunto de elementos que, no contexto do sujeito estudado, permitem formular uma hipótese que não guarda relação direta com o conteúdo explícito de nenhum dos elementos tomados em separado. De acordo com González Rey (2011):

O indicador é uma revelação de sentido subjetivo produzida pelo pesquisador no curso das expressões do sujeito ao longo da pesquisa; o modelo teórico, porém, é o sistema hipotético em andamento que capta a integração desses sentidos subjetivos na organização mais complexa das configurações subjetivas. Os modelos teóricos são as hipóteses teóricas inter-relacionadas e em desenvolvimento que se vão organizando como produção de saber nas pesquisas e nos diagnósticos, processos que defino como geradores de inteligibilidade e não como verdades últimas, o que tem profundas implicações éticas, legais e profissionais (p. 34).

Diferente das pesquisas que tratam as informações como dados, os indicadores ganham vida a partir das reflexões e elaborações que se constroem na subjetividade do pesquisador, envolvidos com os sentidos que emergem no processo interpretativo, caracterizando-se como dinâmicos e, dessa forma, capazes de influenciar na decisão do pesquisador para usar novos instrumentos orientados à procura de novos indicadores sobre uma hipótese levantada no curso da pesquisa (González Rey, 2005a).

Com essa noção, o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, é compreendido como produção e não apropriação. Dessa forma, conforme aponta González Rey (2005), o valor do conhecimento não está na correspondência linear com o real, mas na geração de novas zonas de inteligibilidade sobre o real, as quais não pretendem esgotar a questão, mas, ao contrário, abrem constantemente espaços para novos aprofundamentos. Na articulação que se propõe entre o teórico e o empírico a especulação adquire legitimidade, na medida em que caracteriza a forma como se expressa o processo do pensamento e da criatividade do

pesquisador no processo construtivo-interpretativo, superando a ilusão da validade do conhecimento que se vale da suposta neutralidade do cientista para apontar “evidências”, e que teve como consequência a produção de conhecimentos simplificadores da realidade.

A perspectiva qualitativa dessa proposta de pesquisa não busca evidências e, sim, a compreensão e as relações configuracionais que o momento empírico representa no horizonte de atuação dos indivíduos pesquisados. Além disso, conforme indica González Rey (2005a), compreender o caráter construtivo- interpretativo do conhecimento permite aproximarmo-nos da condição multidimensional sobre a qual se concebem as formas de organização de um indivíduo, sem reduzi-lo a nenhuma de suas instâncias, auxiliando no entendimento dos processos subjetivos, atrelados ao trabalho qualitativo da construção de informações dos participantes da pesquisa.