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Caráter enigmático

No documento douglimarmeirelesdeoliveira (páginas 113-116)

3.5 Características de análise

3.5.3 Caráter enigmático

O caráter enigmático ou “significante enigmático” foi abordado por Jencks (2005) como uma das principais características da arquitetura icônica e espetacular na pós-modernidade. Este caráter diz respeito aos aspectos subjetivos de identificação, apreciação e aproximação com o espectador, ou usuário daquela arquitetura.

Esse caráter se relaciona com o grau de identificação e assimilação que tal objeto arquitetônico pode gerar e o poder do mesmo em suscitar ideias, formas, etc. O significante enigmático é definido pela quantidade de metáforas que tal objeto gera. A análise destas metáforas pode ser tão fácil quanto difícil, considerando os diferentes níveis metafóricos possíveis (JENCKS, 2005).

Este aspecto, segundo Jencks (2005), se relaciona de tal forma com a arquitetura espetacular, na medida em que o poder das metáforas produzidas por estas arquiteturas, contribuem para aumento de sua notoriedade e até mesmo reconhecimento midiático. Um fácil exemplo que é possível destacar, é o caso do edifício do Museu de Arte Contemporânea de Niterói, projeto pelo arquiteto Oscar Niemeyer, que frequentemente é associado à metáfora de uma “nave espacial”, um “disco voador”, um “troféu” etc., que para além da forma, podem também, tais metáforas, abrangem as sensações que os edifícios podem gerar.

De acordo com Almeida (2012), as metáforas extra-arquitetônicas, ou a aptidão de um edifício de ativar lembranças de objetos e formas exteriores ao contexto da

arquitetura, são elementos importantes na “interpretação” de um caráter mais popular. Isso permite com que até mesmo as pessoas “leigas” na arquitetura criem um vínculo e significado, favorecendo seu sucesso midiático e sua repercussão. Para Jencks (2005),

as pessoas invariavelmente olham um edifício (. . . ) Em termos de um objeto singular; em resumo como uma metáfora. Quanto mais desconhecido é um edifício moderno, mais eles o compararam metaforicamente como que conhecem. Esta combinação de uma experiência com outra é uma é uma propriedade de todo pensamento, particularmente daquele que é criativo. Assim, quando grelhas de concreto pré-moldado foram utilizadas pela primeira vez nos edifícios no final dos anos 50, estas foram vistas como ’raladores de queijo, ’colméia’, telas de metal’, (. . . )(JENCKS, 2005, p.40).

Deste modo, o caráter enigmático dos edifícios icônicos, descrito por Paiva (2014) como “associações figurativas”,

potencializam seu alcance e visibilidade, pois se referem a figuras e objetos do conhecimento do público leigo. Mesmo nas situações em que comparece uma maior abstração formal ou excessiva extravagância, acaba se estabelecendo uma associação com figuras, sobretudo pelos “não iniciados”(PAIVA, 2014, p118).

Para a realização do projeto para a Marqués de Riscal, Frank Gehry impôs como condições para aceitação, uma visita prévia aos vinhedos da adega. Alguns meses depois, Gehry decide visitar a cidade de Elciego, e conhecer suas tradições, moradores e vinhos. Aceitando a proposta de realização do projeto, o arquiteto, discursa com a população local que o objetivo era homenagear a região através de um edifício que “surgisse da terra como uma videira”. Durante a apresentação do projeto, Gehry enfatiza que seu desejo foi projetar algo “excitante e festivo, pois o vinho é prazer”. O arquiteto também afirmou que “não se trata de uma versão reduzida do Guggenheim, mas de uma evolução de estilo, sendo talvez uma de suas obras mais significativas até o momento (MOURA, 2007).

As formas expressivas e orgânicas da cobertura foram executadas em metal, assemelhando-se a uma “massa de fitas fluindo descomunal”. Elas simbolizam as várias partes da garrafa que são removidas antes de servir o vinho. A folha dourada de titânio representa a fina gaiola de arame que envolve os vinhos Marqués de Riscal, a

folha rosada representa o próprio vinho e a folha de prata, de aço inoxidável, a folha que cobre a cortiça (EUROINOX, 2001).

Para além das metáforas utilizadas como elemento de inspiração projetual, diversas outras podem ser estabelecidas. A coloração vinho utilizada na cobertura lembra os tons das uvas, que com a forma desconstruída pode se assemelhar a uma “parreira” de uva, que é ainda mais acentuado pelos pilares metálicos que parecem os suportes de madeira que sustentam as parreiras. Associações como “jorro de vinho”, “fitas de vinho”, “videira gigante” são frequentemente utilizadas em artigos relacionadas à adega, sendo grande parte das metáforas dirigidas a algum elemento do mundo do vinho.

No caso da adega Ysios, seus aspectos podem facilmente ser associados a objetos e elementos que possuam uma natureza ondulatória, que é a característica mais forte e marcante representada pela sua cobertura. São possíveis associações com as ondulações de um líquido ou ondulações do vinho, com animais, objetos, paisagem, etc. O sentido de monumentalidade provocado pela hierarquia adotada, que centraliza a entrada principal do edifício, traz a ideia de um “ser que recebe o visitante de braços abertos”, um “ser” misterioso que pousa suavemente sobre os vinhedos e que está em constante movimento.

A ideia das barricas de carvalho são sugeridas pelas ondulações nas fachadas que também são revestidas de madeira. A utilização do metal na cobertura que cria um contraste com a madeira da fachada, sugere as etapas do processo de elaboração do vinho, no caso, a maturação nos tanques de inox e posterior maturação nas barricas de carvalho.

Na adega Portia, o caráter enigmático se manifesta pela sua forma simétrica, resultado segundo Foster (2018), de uma decisão funcional. Tal forma pode ser associada como um trevo de três folhas, uma estrela, uma flor, dentre outros. Tal forma bastante sintética, só é possível ser observada através de um perspectiva aérea, o que dificulta um pouco mais a criação destas metáforas, se comparado aos exemplos anteriores. Apesar disto, a própria adega utiliza em diversos mecanismos de marketing,

imagens aéreas que permitam esta fácil identificação, além da mencionada maquete exposta aos visitantes da adega, e imagem nos rótulos de seus vinhos.

De acordo com o discurso de Foster (2018) sobre o projeto, a metáfora de “coração de uma flor com três pétalas”, que o arquiteto britânico faz do seu edifício, tem múltiplos significados. Para Foster, este projeto tentou reproduzir uma arquitetura que reaja ao clima e ao tempo, utilizando um processo análogo à natureza, onde a flor é o seu equivalente simbólico.

No documento douglimarmeirelesdeoliveira (páginas 113-116)