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Caráter ideológico da educação

No documento Sete licoes sobre educacao de adultos (páginas 33-37)

Temos ressaltado várias vezes o caráter ideológico da educação. Aqui desejamos apenas deixar explícito que esse caráter, sendo dado pela consciência social, traz a marca de sua origem, isto é, em termos

concretos, refere-se à consciência de alguém. É um dos modos do pensar social, porém se expressa pela consciência dos indivíduos que se ocupam desta questão, que são indivíduos vivos, dotados de condições materiais e intelectuais, com interesses confessados e implícitos, com desejos e intenções, etc.

A discussão completa deste assunto só pode ser feita depois de se estudar o problema da consciência geral, sua forma coletiva e individual, suas modalidades (ingênua e crítica), etc.

Por ora, desejamos estabelecer que não há educação sem idéia da educação. Nas sociedades primitivas, de educação não institucionalizada, esta idéia é inconsciente e se cumpre mediante os ritos sociais. Nas sociedades civilizadas, esta idéia pode continuar implícita ou alcançar o nível da plena consciência (ingênua ou crítica), na mentalidade dos educadores e legisladores educacionais.

A idéia da educação (implícita ou explícita) dirige o processo educacional. Por isto é que este tem caráter ideológico. Daqui esta tese fundamental: Não há educação sem teoria da educação (implícita ou explícita).

Igualmente, por isso é que constitui um processo social (histórico- antropológico) e não um processo material. São objetivos tanto um como o outro processo, porém as leis, os momentos do primeiro são ditados pela consciência humana, enquanto as leis e fatos do segundo são independentes da consciência do homem.

A educação é um fenômeno social total. Para atendê-la é indispensável empregar a categoria de totalidade. Significa que não se pode interpretá-la (nem planejá-la) se não se tem em vista todo o conjunto de valores reais (sociais) que sobre ela influem e dos efeitos gerais que dela resultam sobre os demais aspectos da realidade social. A educação é parte de um conjunto de interações e de interconexões recíprocas e não pode ser dissociada dele, tratada isoladamente. É parte de um todo, porém este todo sendo um processo, só a noção de totalidade permite compreender a inter-relação de cada parte com as demais, pois não se trata de um todo estático, e sim de uma realidade total em movimento, na qual a alteração de qualquer elemento influi sobre todos os demais. A noção de totalidade introduz uma nova percepção de fatos sociais, como são as campanhas de alfabetizado e de educação de adultos. Porque coloca estes fatos à luz do princípio de totalidade e mostra como repercutem necessariamente sobre todos os

aspectos da sociedade, ao mesmo tempo que as mudanças ocorridas nos demais campos, como efeito daquelas campanhas, revertem sobre a compreensão, a valoração e o curso destas mesmas campanhas.

A alienação educacional como característica da atividade pedagógica do país em vias de desenvolvimento.

Que é a alienação? Em sua expressão mais geral, filosófica, é um conceito que define a condição de um ser que se encontra privado de sua essência, ou porque se encontre separado dela ou porque ela não se realiza completamente, perfeitamente em tal ser. Este é o aspecto antropológico do conceito de alienação.

Em sentido mais restrito, histórico, social, a alienação se refere ao estado do indivíduo, ou da comunidade, que não retira de si mesma, de seus fundamentos objetivos, os motivos, os determinantes (as matrizes) com que constitui sua consciência, e sim os recebe passivamente de fora, de outros indivíduos ou comunidades (para os quais são válidos), e se comporta de acordo com esses motivos e determinantes como se fossem seus. Neste sentido é que o indivíduo ou a comunidade perdem sua essência. O homem perde sua dignidade de ser livre, a sociedade perde suas características de autonomia, de capacidade criadora de si, material e culturalmente. A essência que exibem não é a sua, é emprestada, quase sempre imposta a eles por outro indivíduo ou sociedade mais forte que os submete. Assim, a essência de tais seres está deslocada, eles são estranhos (alheios) a ela, ao que deveriam ser, perdem por isso a condição, a dignidade antropológica, existencial, de sujeitos de si, tornando-se objetos de outro.

A consciência alienada não se sente ligada à sua realidade autêntica (a seu ser nacional), à sua condição na sociedade, e sim se comporta como indiferente à sua realidade ou alheio a ela, e se transporta em pensamento a um mundo que não é o seu, ao qual passa a pertencer, adotando suas atitudes, seu estilo de vida, seus valores, etc. É a transferência imaginária do indivíduo para um mundo alheio, no qual vai buscar inspiração para seus atos e suas idéias desprezando o autêntico fundamento de sua realidade (que lhe parece pobre, feia, atrasada, suja, enferma, etc.). Pretende modificar sua realidade com o auxílio de idéias e procedimentos que não foram induzidos do seu próprio mundo e sim importados de realidades sociais e culturais alheias.

A alienação é um fato social objetivo e se refere à consciência toda (por isso é um fenômeno total). O indivíduo alienado repele totalmente sua inserção em seus fundamentos histórico-nacionais e pretende resolver os problemas de sua sociedade, de seu mundo (em particular o problema da educação) por meio de critérios e métodos que não foram extraídos de sua realidade, e sim recebidos de fora, venerados justamente por ter esta origem. Vê-se assim que a consciência alienada se impermeabiliza à sua realidade objetiva Entre os dados de sua alienação figura evidentemente o desconhecimento da mesma alienação e a repulsa a aceitar esta acusação. A alienação é característica da pedagogia nos países em vias de desenvolvimento. Tratando-se de países economicamente dependentes de um centro poderoso e também culturalmente dependentes desse centro, é natural que sua consciência social comum seja do tipo ingênuo e por isto sua visão de si mesmos e do mundo não se origina de sua realidade, e sim é parte da dominação cultural que recebem dos centros dominantes. Não possuem óptica própria, vendo-se a si mesmos e a toda a realidade com olhos alheios.

Somente quando se inicia o processo de tomada de consciência por uma sociedade, surge a possibilidade da denúncia da alienação cultural da qual se encontra imbuída.

A pedagogia é naturalmente um dos campos prediletos de exercício da consciência alienada. Os pedagogos desta espécie não buscam extrair de sua realidade as idéias com as quais devem compor sua visão do processo educacional (que teria então por tarefa principal a denúncia e o término da alienação), e sim, aceitam docilmente e sem críticas as fórmulas que lhes são oferecidas ou insufladas pelas áreas culturalmente e economicamente mais adiantadas, porque acreditam ser a última palavra do progresso científico.

A possibilidade da implantação das idéias alienadas deriva do prestígio dos centros que as produzem. O pedagogo do país pobre (o intelectual em geral) julga inconscientemente que não está à altura, não tem condições de produzir o saber, a arte, o gosto, o estilo de existência, crendo que isso só é patrimônio de nações ricas. E por isso julga que só lhe cabe imitar o que estas produzem, "aproveitando" (como diz) o que de bom e de grande se produz, se descobre e se usa em outras partes. Temos assim os fenômenos do mimetismo e da transplantação cultural, que caracterizam a existência

das áreas atrasadas. Num período inicial do desenvolvimento social, estes fenômenos são inevitáveis (e podem então até desempenhar um papel útil). Quando a sociedade adquire suficiente consciência de si, baseada em um já substancial desenvolvimento material, a alienação não mais se justifica e traz o mais nefasto obstáculo à livre expansão da força criadora do povo.

No documento Sete licoes sobre educacao de adultos (páginas 33-37)