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3. REVISÃO DE LITERATURA

3.2. O MERCADO E O EXERCÍCIO DA MEDICINA

3.2.6. Caráter liberal da profissão médica

Ao se analisar a palavra autonomia, deve-se levar em consideração duas dimensões: a técnica e a administrativa. Os aspectos de ordem trabalhista e econômica estariam relacionados a esta última.

No tocante à liberdade de tomar decisão profissional, Machado (1997) discorre que ao trabalho médico, é imprescindível a liberdade de ação, a autonomia de decidir a conduta técnica que melhor se adapte à necessidade do cliente. Adotando a definição de autonomia como a capacidade de tomar decisões por conta própria, observa-se que ela constitui um valor em si mesmo para profissão médica. Quase sempre, com base na premissa de que cada caso é um caso, os médicos são levados a tomar decisões independentes, em muitos casos, contrariando interesses ambientais – sejam eles institucionais ou sociais – e até mesmo interesses políticos, vinculados ao Estado.

Na profissão médica, essa capacidade de autorregular o próprio trabalho é fruto da medicina moderna, do século XX. Para tanto, a profissão médica buscou primeiramente, produzir crédito social, validando seus serviços como “bens sociais” capazes de promover o desenvolvimento social da coletividade; num segundo

momento, fundar seu conhecimento e sua prática profissional na racionalidade científica; num terceiro momento, basear a autoridade técnica do médico na expertise técnica, no conhecimento especializado, da mesma forma que seu trabalho tem, em si mesmo, um forte apelo ético, alicerçado em um código de atitudes profissionais que rege o ato médico (MACHADO, 1997).

Por outro lado,

embora o conhecimento médico seja produzido socialmente, sua apropriação, paradoxalmente, é privada. A profissão médica arquitetou estratégias profissionais que são elementos pré-capitalistas, de antimercado, os quais atuam na proteção e manutenção de prerrogativas monopolistas. Em outras palavras, o domínio e o monopólio desse conhecimento constituem o fundamento da autonomia das profissões e do prestígio profissional (LARSON, 1977 apud MACHADO, 1997, p. 23).

A ideia de profissional liberal está intimamente ligada à autonomia, ou seja, um profissional com liberdade para tomar conduta técnica e, dentro de certas limitações, estipular o horário de trabalho e a remuneração.

Aprofundando mais este tema, faz-se necessário definir profissão liberal. Nos dizeres de Fernando Antônio Vasconcelos

[...] é aquela que se caracteriza pela inexistência, em geral, de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício predominantemente técnico e intelectual de conhecimentos especializados, concernentes a bens fundamentais do homem, como a vida, a saúde, a honra, a liberdade (VASCONCELOS, 2003 apud PASQUINI, 2005).

Esta visão tradicional encontra-se nos léxicos. Ferreira (1986) define profissional liberal como “aquele que exerce atividade ausente de qualquer vinculação hierárquica e pelo exercício preponderantemente técnico e intelectual dos conhecimentos”.

Ainda na acepção tradicional da expressão, PRUX (1998) diz que profissional liberal é

[...] uma categoria de pessoas, que no exercício de suas atividades laborais, é perfeitamente diferenciada pelos conhecimentos técnicos reconhecidos em diploma de nível superior, não se confundindo com a figura do autônomo, [...] sempre que atuem de forma independente, no sentido de não serem funcionários de um empregador (p.38).

Já em um sentido mais amplo, a expressão profissão liberal, refere-se a qualquer atividade laborativa de caráter autônomo.

Apesar do exposto acima, progressivamente o médico tem sua condição de profissional liberal abalada e sua autonomia diminuída. De fato, uma das queixas dos médicos é a falta de autonomia. Este fato fica evidente, quando verificamos os

resultados de Carneiro e Gouveia (2004). Estes autores evidenciaram que 78% dos pesquisados informaram que a autonomia profissional diminuiu e 50,7% relataram que pioraram as facilidades de internação e solicitação de exames.

Percebe-se que outras instâncias da vida humana passaram a enveredar na área médica. Aspectos administrativos e econômicos passaram a ter influência importante na autonomia técnica do médico.

Quando se entra na dimensão administrativa da palavra autonomia, Carneiro e Gouveia (2004) obtiveram dados curiosos que tratam sobre este tema: 25,7% os médicos são proprietários de empresa médica; 31% dos médicos com consultório são pessoas jurídicas por exigência dos convênios; 83,6% informaram piora na liberdade de fixação de honorários e há uma tendência a reduzir a atividade médica em consultório.

Isto equivale a dizer que a figura do médico autônomo com seu consultório está mitigando diante de uma nova realidade econômica.

3.2.6.1. Plantão em disponibilidade (sobreaviso, à distância)

Entende-se por plantão em disponibilidade, o plantão onde o médico não se encontra fisicamente no serviço. Desta forma, caso surja algum paciente que necessite de seus cuidados, geralmente relacionados a uma especialidade, o paciente será atendido primeiramente por um médico não especialista na área que solicitará avaliação do médico à distância. Este poderá fazer orientações por telefone ou poderá vir ao serviço. A locomoção do médico vai depender da peculiaridade do caso. O termo plantão em disponibilidade se contrapõe, portanto, ao plantão presencial.

Embora tradicionalmente o plantão seja uma atividade inerente à vida do médico, ele era exercido fundamentalmente por médicos no início de carreira ou na fase de afirmação no mercado (MACHADO, 1997). Recentemente, médicos em fases posteriores (fases de consolidação da vida e de desaceleração da vida profissional) têm aumentado suas presenças nesta modalidade de assistência

Inicialmente, pode parecer estranho reservar um espaço exclusivo para este tema. No entanto, pretende-se ressaltar o cúmulo de uma situação, onde o médico (trabalhador) fica à disposição de um empregador sem direito à remuneração, salvo se houver atendimento. Em outras palavras, um médico fica de plantão à distância,

sem poder fazer um curso, viajar ou até mesmo comparecer a uma festa de família. Do contrário, ele corre o risco de ter que sair e atender ao chamado, que em muitas circunstâncias significa a locomoção para o hospital. Este é um exemplo do grau de “autonomia” do médico contemporâneo no Brasil

O que mais causa espanto é que esta realidade até tempos recentes nunca teve uma normatização. Isto vinha ao encontro do objetivo de qualquer empresário, cuja premissa é pagar a menor remuneração possível por um serviço, a fim de aumentar os lucros.

Se levarmos em consideração que o plantão é uma realidade da maioria dos médicos (64,2% presencial; 12,4% de sobreaviso; 23,4% presencial e de sobreaviso), conforme Carneiro e Gouveia (2004), urge uma conscientização do profissional em relação às normas que regem o tema.

Em resposta a diversas reclamações da classe médica, duas normatizações legais paulistas vieram minimizar este absurdo ao qual a classe médica está submetida (SÃO PAULO, Lei Complementar nº 839, 1997; SÃO PAULO, Decreto nº 42.830, 1998).

Por meio destas legislações, o ex-governador do estado de São Paulo, Mário Covas, reconheceu o direito a médicos e dentistas de serem remunerados pelo plantão em disponibilidade. As queixas também tiveram eco no CRM de São Paulo, o que resultou na Resolução 142, de 2006. A mesma diz que “todo médico que permanecer em estado de disponibilidade em qualquer instituição de serviços de saúde, deverá ser remunerado, no mínimo, por um terço do valor recebido pelo médico de plantão local” (SÃO PAULO, Resolução nº 142, 2006).

Infelizmente, apesar das tentativas de normatização, a não remuneração do plantão à distância ainda é uma prática adotada pelo empresariado do setor da saúde. Caso o médico seja contrário a esta postura abusiva, o empresariado arranja outro que a aceite.

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