• Nenhum resultado encontrado

II. REVISÃO DA LITERATURA

3. A QUISIÇÃO DA L INGUAGEM E SCRITA ANTES DA A PRENDIZAGEM F ORMAL

3.2. Características do Código Alfabético

Um sistema de escrita alfabético permite representar graficamente os fonemas ou unidades mínimas de som da linguagem oral através da grafia ou grafemas (escrita). De acordo com Ferreiro (1995) esta definição não traduz a real complexidade do sistema alfabético uma vez que incide exclusivamente numa perspetiva fonológica.

Chauveua et. al. (2001) consideram que o sistema alfabético é simultaneamente fonográfico, morfográfico e logográfico. Com isto, os autores (2001) evidenciam que o sistema alfabético tem intrinsecamente várias características e dimensões que o tornam complexo e difícil de apropriar.

A dimensão fonográfica relaciona-se com a natureza fonémica dos códigos alfabéticos, indicando que as letras codificam os fonemas duma língua. No entanto, esta relação não é direta e exclusiva entre fonema e grafema uma vez que a mesma letra pode representar diferentes fonemas (por exemplo, a letra o pode representar os sons /u/, /o/ ou /ou/). Seymour, Aro e Erskine (2003) verificaram que a natureza das correspondências grafo-fonética é distinta nas diferentes línguas europeias. Os autores (2003) referem que em algumas línguas europeias, como o Finlandês, Grego ou Alemão, a relação grafo-fonológica é transparente, ou seja, existe uma relação biunívoca entre fonemas e grafemas, enquanto noutras, como o Português, esta relação é relativamente transparente ou, como no caso do Inglês e Dinamarquês, mais profunda ou opaca. A maior ou menor transparência de uma língua está associada à maior ou menor regularidade na relação que existe entre os sons da linguagem oral e os sons da escrita (Seymour, 2005). Em síntese, a dimensão fonográfica dos sistemas alfabéticos tende a refletir a estrutura fonológica duma língua.

Por outro lado, a dimensão morfográfica (Chauveau et. al, 2001) remete para a natureza combinatória de certas letras, ou seja, para as combinações de diferentes letras que implicam alterações no sentido interior das palavras. São exemplo desta característica os prefixos “in” de insatisfeito ou a letra “s” final na palavra elefantes (Rosa & Nunes, 2008).

Quanto à natureza logográfica dos sistemas alfabéticos (Chauveu et. al, 2001) consideram-se as palavras que, mesmo com igual pronuncia, se escrevem de formas diferentes e têm significados diferentes, ou seja, as palavras que só são possíveis de distinguir pelos aspectos visuais. Como exemplo podemos referir as palavras homófonas

nós e noz.

Vários outros autores (e.g. Barbeiro, 2007; Fayol & Jeffré, 1999) referem que é fundamental considerar a multiplicidade de dimensões dum sistema de escrita alfabético (algumas comuns a Chauveua et. al., 2001), como por exemplo a morfologia das línguas (Fayol & Jeffré, 1999), os critérios lexicais (Barbeiro, 2007), a sua sintaxe (Barbeiro, 2007) ou os aspectos logográficos (Coulmas, 2003). Quanto mais complexas forem as dimensões morfológica, lexical, sintaxe e logográfica dum sistema de escrita, mais opacos se podem considerar (Perfetti, 1997). Pelo contrário, os sistemas mais transparentes refletem quase exclusivamente os aspetos fonológicos da língua (Perfetti, 1997).

Para além das dimensões linguísticas, encontram-se outras características importantes nos sistemas de escrita alfabéticos. Uma delas é a possibilidade de uma mesma letra ser representada com diferentes marcas gráficas, como, por exemplo, b, B, b,

ou ainda o facto de algumas letras terem traços perceptivos semelhantes como o b e o d ou o p e o q, que são, basicamente representadas por uma circunferência e uma linha vertical que variam as suas orientações (Chauveau et. al. 2001). As letras podem ser maiúsculas ou minúsculas, cursivas ou impressas e cada uma destas formas de notação tem representações distintas, surgindo integradas num conjunto de índices textuais, como os parágrafos ou os sinais de pontuação (Silva, 2003). A forma como estas marcas são organizadas também varia nos diversos sistemas de escrita. Comparando os sistemas de escrita ocidentais com os sistemas de escrita árabe, hebraico ou chinês verificam-se diferenças quanto ao sentido com que se escreve. Enquanto nos sistemas escrita ocidentais a escrita é linear da esquerda para a direita e de cima para baixo, nos sistema de escrita árabe e hebraico a escrita é linear da direita para a esquerda e de baixo para cima. Já no sistema de escrita chinês escreve-se verticalmente.

A compreensão destas dimensões linguísticas e não linguísticas é fundamental para a apropriação do código escrito (Goodman, 1995; Ferreiro, 2004).

3.1.1. A fonética e fonologia do Português

Como referimos anteriormente, os sistemas de escrita alfabéticos refletem os aspetos fonológicos e, embora o português seja uma língua relativamente transparente (vimos que quanto mais transparente é uma língua mais linear é a relação grafo-fonológica) importa compreender como se organizam os sons da língua portuguesa.

Para estudar os sistemas fonológicos duma língua é necessário conhecer as características dos sons, ou seja, é fundamental conhecer a fonética para compreender a fonologia duma língua. Mateus, Andrade, Viana, Villalva (1990) referem que para se comparar e determinar os diferentes elementos fonológicos duma língua, devem comparar- se palavras que, diferindo num som (fonema), diferem no significado. Para os autores (1990) são os elementos fonológicos (fonemas) que são responsáveis pela distinção entre palavras, ou seja, são estas unidades que diferenciam as palavras entre si.

Então, pode-se considerar que uma palavra se distingue de outra pela existência de, pelo menos, dois sons diferentes. De acordo com Freitas e Santos (2001) podemos representar os sons do Português recorrendo ao Alfabeto Fonético Internacional da seguinte forma (figuras 3 e 4 adaptadas de Horta, 2010):

43

Figura 3. Vogais e Semivogais.

Figura 4. Consoantes.

No entanto, tratando-se do Português uma língua relativamente transparente nem todas as letras correspondem aos fonemas. Como se verifica nas figuras 3 e 4 existem mais fonemas do que letras do alfabeto. A natureza relativamente transparente do sistema de escrita português implica que se dê particular destaque à consciência fonológica. A propósito, Fernandes, Ventura, Querido e Morais (2008) referem que, numa fase inicial da aprendizagem da linguagem escrita, as crianças se baseiam quase exclusivamente na mediação fonológica para identificarem e representarem os sons da linguagem oral. Ou seja, um dos recursos necessários para este processo é a consciência fonológica.

Documentos relacionados