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1 O DESENVOLVIMENTO HUMANO E SUA RELAÇÃO COM O ENSINO

3.5 Características centrais da gênese da comunicação no bebê

Segundo Lísina (1987), a importância da comunicação entre o bebê e o adulto evidencia-se pelo fato de serem os adultos os portadores da experiência social acumulada, necessária ao desenvolvimento psíquico das novas gerações. A comunicação com o adulto ocupa lugar central na promoção das mais variadas atividades infantis e possui formas distintas em acordo com a atividade que ocupa o lugar central do desenvolvimento do bebê ou da criança pequena.

Para que a atividade comunicativa ocorra, Lísina (1987) enumera duas propriedades fundamentais que precisam estar presentes. A primeira delas define que o objeto dessa atividade é necessariamente outro indivíduo e a segunda diz respeito à mútua participação de, pelo menos, dois indivíduos durante a atividade comunicativa.

Nós definimos a comunicação como determinada interação entre as pessoas, no curso da qual elas intercambiam diferente informação com o objetivo de estabelecer relações ou unir esforços para alcançar um resultado comum (LISINA, 1987, p.276).

A interação à qual se refere Lísina (1987), na citação acima, se determina pelas propriedades da atividade comunicativa. Sendo um tipo peculiar de atividade, ela determina-se pela qualidade da ação que a compõe: a comunicação se realiza por meio da ação comum, compartilhada entre os indivíduos que a integram, ora na posição de sujeito, ora na posição de objeto dessa atividade.

Do ponto de vista psicológico a comunicação é um tipo peculiar de atividade que se caracteriza, antes de tudo, por sua orientação em direção a outro participante da interação em qualidade de sujeito. A comunicação possui também todos os demais traços estruturais da atividade (LISINA, 1987, p.276).

Em consequência dessa definição, evidencia-se que as primeiras reações do recém-nascido não integram o quadro de uma atividade comunicativa, no sentido apontado pela autora. O recém-nascido carece do desenvolvimento de sua percepção para que possa distinguir-se do entorno e diferenciar-se do outro, colocando-se como sujeito e alternando-se como objeto da atividade de comunicação.

Em seus estudos sobre a gênese das formas de comunicação nos bebês, Lísina (1987) revela que o recém-nascido não apresenta a necessidade de comunicar-se com o adulto. Segundo a autora, essa necessidade se produz mediante duas condições fundamentais. A primeira delas vincula-se à total dependência do bebê em relação ao adulto cuidador.

Desde os primeiros dias de vida, o recém-nascido apresenta reações primitivas: mediante movimentos maciços que abarcam todo seu corpo emite sons e altera sua fisionomia. Essas reações se produzem em acordo com seus estados emocionais, estreitamente vinculados à satisfação de suas necessidades básicas, biologicamente orientadas, como a alimentação e o sono, por exemplo.

Porém, o bebê, nesse período, não dirige seus sinais a nada em particular; não mira a mãe, não expressa prazer algum pelo fato de ter recebido o que desejava, mas que, simplesmente, se afunda em sonho (LISINA, 1987, p.281).

O adulto cuidador, por sua vez, costuma aprender rapidamente a identificar os estados carenciais do bebê, atendendo às demandas expressas por ele mediante suas reações difusas. Para Lísina (1987, p.281), o atendimento das necessidades primárias do bebê, através da observação do adulto cuidador, entretanto, sinaliza tão somente a “aparição no bebê de uma atividade que indica aos circundantes sobre seu estado, como resultado da qual recebe deles o necessário para a vida”.

O adulto cuidador atende ao bebê respondendo às suas reações reflexas incondicionadas, como se elas fossem direcionados para si, como se fossem comportamentos sociais. Ao fazer isso, o adulto inclui o bebê na atividade comunicativa, mesmo antes de ele ter condições para nela atuar. É justamente essa iniciativa antecipadora realizada pelo adulto que produzirá, sobre a base das reações instintivas do bebê, as suas reações sociais, de fato (LISINA, 1987).

Dada sua importância no quadro geral da formação inicial da comunicação, a atividade antecipadora do adulto é a segunda condição fundamental na produção da necessidade de comunicar-se no bebê (LÍSINA, 1987).

Se a necessidade da criança em relação ao adulto constitui a condição indispensável para a aparição da comunicação nas crianças, a iniciativa antecipadora do adulto, que se dirige ao bebê como se fora um sujeito e que modela ativamente a nova conduta infantil, constitui a condição decisiva neste processo e em conjunto ambas são suficientes para que apareça a atividade comunicativa. Em consequência é o adulto quem atrai a criança à comunicação e então, no processo desta mesma atividade, nos pequenos se gera paulatinamente a nova necessidade de comunicação, diferente de todas as que existiam no bebê desde os primeiros contatos com os circundantes (LÍSINA, 1987, p.282).

É evidente que a inclusão do bebê na atividade comunicativa, pelo adulto, deve respeitar os limites de atuação do bebê em cada período de seu desenvolvimento, em acordo com suas possibilidades potenciais. A possibilidade de uma atuação conjunta entre o bebê e o adulto se realiza através da comunidade psicológica que se estabelece entre eles, e vincula-se também à delimitação do campo de possibilidades para a imitação (LISINA, 1987; VYGOTSKI, 1996).

No ato de imitar, o bebê se beneficia do campo psicológico comum que se forma entre ele e o adulto para realizar sua ação.

A comunidade, como fato psíquico, obedece a uma motivação interna, é um ato imitativo do bebê, que fusiona diretamente em sua atividade com a pessoa que imita. O bebê não imita nunca o movimento dos objetos inanimados, por exemplo, a oscilação do pêndulo. Suas ações imitativas se produzem tão somente quando está presente a comunidade pessoal entre o bebê e a pessoa a quem imita. Por esta razão está tão pouco desenvolvida a imitação nos animais e tão estreitamente vinculada com a compreensão e os processos mentais (VYGOTSKI, 1996, p. 310).

Vygotski (1996) acredita que há indícios seguros de que a imitação compõe o rol de peculiaridades especificamente humanas. Isso porque o substrato da imitação é composto pelas possibilidades intelectuais compartilhadas entre o sujeito e o objeto da imitação. Por meio da ação comum com o adulto, se amplia o desenvolvimento do bebê em aspectos que somente pode adquirir mediante a ação compartilhada. A imitação, como elemento dessa ação conjunta, corrobora com a produção do novo no comportamento.

É válido notar que a partir da relação reciprocamente determinada entre as propriedades concretas da existência do bebê e as propriedades de sua vida psíquica, o desenvolvimento dos recursos operacionais do bebê representa um importante aspecto na ampliação das possibilidades de atuação do mesmo e da manifestação de comportamentos sociais, sob a direção do adulto.

Para Vygotski (1996), uma questão própria ao vínculo entre as possibilidades operacionais do bebê e suas reações sociais, nesse período, identifica-se pelo domínio do próprio corpo.

À medida que o bebê torna-se capaz de dominar seu corpo, ter domínio sobre as posturas – sentado, em pé – amplia-se o rol de possibilidades de atuação social. Estando desconfortável em relação à posição em que se encontra, o bebê gastará sua energia fundamentalmente em superar esse estado ou condição, reduzindo-se as possibilidades de relação com as pessoas e objetos de seu entorno (VYGOTSKI, 1996).

Em certas posições e estados, uma vez satisfeitas suas necessidades, o bebê possui grande excesso de energia. Em semelhante estado, seus sentimentos podem ser ativos, ainda que seja em mínimo grau: pode escutar atentamente e olhar ao seu redor com determinada vivacidade. Porém, se a postura cômoda e segura em que se encontra é mudada por outra que ele não domina, dirige toda sua energia em superar tal

incômodo. Já não sorri para a pessoa que lhe fala nem a olha tampouco (p. 302-303).

É válido ressaltar que, a princípio, o bebê é um ser que reage, mas, mesmo estando na dependência da ação com os adultos, não inicia ativamente uma ação conjunta com os mesmos. Iniciar e promover uma atividade comum com o bebê é, no início, função exclusiva do adulto cuidador.

De fato, o bebê é reativo desde o princípio. Do adulto que lhe cuida, atende-lhe, se desprende tudo quanto recebe o bebê nessa etapa de sua vida, não somente a satisfação de suas necessidades, mas também os estímulos e distrações provocados pelas mudanças de postura, o movimento, o jogo, e a voz convincente. O bebê reage cada vez mais e mais a esse mundo de vivências criado pelo adulto, porém, não entabula ainda comunicação com outro bebê, ainda que esteja no mesmo quarto, em outra caminha (VYGOTSKI, 1996, p. 302).

A superação das reações primitivas do bebê é o primeiro passo em direção à manifestação da atividade comunicativa, produzem-se, justamente, sobre a base das primeiras reações espontâneas, sobre a base as quais o adulto irá moldar e promover novas reações, que virão a se produzir voluntariamente (LISINA, 1987).

Em relação à dinâmica da formação das reações sociais no bebê, Lísina (1987) revela que o primeiro aspecto da atividade comunicativa a ser assimilado e reproduzido por ele é o aspecto operacional externo. Somente depois de assimilar as operações e meios da atividade comunicativa se produz no bebê o conteúdo interno da atividade de comunicação, formando uma vinculação entre a dimensão operacional e a dimensão das necessidades e motivações internas para a realização dessa atividade.

Ao ultrapassar o primeiro mês de vida, com o final do período pós-natal, surgem as primeiras reações sociais do bebê, como o sorriso ao ouvir a voz humana e o choro como reação ao ouvir o choro de outros bebês ou crianças. Ao atingir “dois-três meses recebe com um sorriso ao olhar de um adulto”, o bebê “se volta para a pessoa que lhe fala, presta atenção a sua voz e se aborrece quando se separa dela. Aos três meses, emite diversos sons quando se aproxima dele uma pessoa, sorri e se manifesta disposto à comunicação” (VYGOTSKI, 1996, p.302).

Todas essas reações indicam uma comunicação primária, carente do desenvolvimento da linguagem humana, no bebê. Essa comunicação possui características próprias e surge em meio à contradição essencial que se apresenta na

situação social de desenvolvimento do bebê: sua total dependência do adulto, ao mesmo tempo em que não possui o principal meio para comunicar-se com ele, isto é, a linguagem humana.