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Características da formação político-administrativa do Estado brasileiro

2 ESTADO E PESSOAL DE ESTADO

3 CARACTERÍSTICAS DO ESTADO BRASILEIRO E A ADOÇÃO DA INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS

3.1 Características da formação político-administrativa do Estado brasileiro

Nas reflexões sobre o Estado brasileiro, procuramos recuperar alguns elementos históricos da formação social do Brasil que, na conformação do Estado brasileiro, dão bases aos traços patrimonialistas e clientelistas presentes nos processos de implementação das políticas públicas no país, bem como determinam e contribuem na formação de uma estrutura burocrático-gerencial que se institucionaliza e orienta as práticas dos agentes estatais. Essa recuperação tomou por base os

estudos de Caio Prado Junior31(1961), Fernandes32 (2005), Bresser-Pereira (2001), Godoy e Teixeira (2009), Maciel (2007) e Souza Filho (2009).

Os elementos histórico-sociais que apresentamos a seguir não compõem uma profunda digressão no processo de formação social do Brasil, antes se apresentam como elementos relevantes para que possamos compreender tanto a formação do Estado brasileiro quanto, na realidade recente, a adoção da intersetorialidade como diretriz e estratégia das políticas públicas brasileiras.

3.1.1 Traços predominantes da cultura política no início do século XX, no Estado brasileiro — patrimonialismo

Ao partirmos do reconhecimento de que os valores e princípios gestados num dado momento histórico não são integralmente superados pelos projetos societários hegemônicos, implementados nos contextos subsequentes, defendemos que os traços de uma determinada formação social atravessam o tempo e coexistem, contraditoriamente com processos estruturais ou superestruturais posteriores. Assim, recuperamos processos históricos do Brasil que ainda marcam presença nas práticas estatais, por meio das políticas públicas.

Em exemplo do que nos fala Fernandes(2005), no Brasil, “o estatuto colonial foi condenado e superado como estatuto jurídico-político. O mesmo não sucedeu com o seu substrato material, social e moral, que iria perpetuar-se e servir de suporte à construção de uma sociedade nacional” (p. 51).José de Souza Martins (2005), em sua explanação ao prefaciar a obra A

Revolução burguesa no Brasil, destaca que,mesmo os processos

31Coutinho (2011b) o considera como um teórico fundamental na

compreensão da formação histórico-social brasileira pautada num referencial analítico marxista (ainda que apresente limitações quanto ao acesso a categorias importantes dessa tradição, cunhadas por Lênin e Gramsci), chega a conclusões muito similares a estes ao identificar uma via "não clássica" de revolução burguesa no Brasil.

32Segundo Coutinho (2000a), a obra de Florestan Fernandes,

Revolução Burguesa no Brasil, é o "seu primeiro texto onde o marxismo é assumido explicitamente como ponto de vista metodológico" (COUTINHO, 2000a, p. 1).

políticos motivados a uma mudança social profunda, “acabam sendo alcançados de algum modo pela força dessa trama que nos ata ao enredo da permanência” (FERNANDES, 2005, p. 9), especialmente no que toca aos elementos de ordem cultural e moral.

Outro aspecto relevante a se considerar é que uma particularidade histórica, quando inserida na dinâmica de relações econômicas internacionalizadas, não pode ser explicada endogenamente. Por tal razão, é importante entendermos que não é possível, ao pensar a formação do Estado brasileiro moderno, abrir mão de análises que contemplam a influência da realidade europeia sobre a nossa. Nos termos de Caio Prado Junior, “a ocupação e povoamento do território que constituiria o Brasil não é senão um episódio, um pequeno detalhe daquele quadro imenso” (PRADO JUNIOR, 1961, p.14), ou seja, das atividades colonizadoras dos países europeus a partir do século XV, e mesmo que, na dinâmica econômica, esse país desempenhasse funções relacionadas à manutenção e reprodução do sistema capitalista central, em seu processo de formação social apresenta aspectos distintos, os quais destacamos a seguir.

a) As mudanças políticas que são introduzidas no início do século XIX (com a transferência da monarquia portuguesa para o Brasil) não repercutiram significantemente numa mudança econômica de tipo capitalista, dado que as bases econômicas continuaram marcadas pela “produção extensiva para mercados do exterior” (PRADO JUNIOR, 1961, p. 7), e o trabalho livre não constituía ainda, naquele contexto, realidade em todo o território nacional, uma vez que a eliminação da escravidão foi tardia em nosso país.

b) A afirmação de Florestan Fernandes(2005) de que a formação histórica brasileira foi marcada por um capitalismo inconcluso e insuficiente, cujos impasses e contradições evidenciam singularidades de nossa história, em “relação às tradições de compreensão e explicação das sociedades dominantes com as quais dialogamos” (MARTINS, 2005, p.11– 12), resulta na interpretação da história social brasileira por análises das relações econômicas e políticas contraditórias, concluindo pela “predominância de uma estrutura social de estamentos e não classes, a conduzir o processo histórico e a

cobrar tributos sociais de uma economia colonial tributária do mando senhorial e da mentalidade tradicionalista e conservadora” (MARTINS, 2005, p.18–19).

c)A escravidão moderna, vivenciada no Brasil, restaura e mantém uma instituição que em outros lugares do mundo tinha perdido totalmente sua razão de ser e havia sido substituída por outras formas de trabalho. Na formação do continente latino- americano, “o trabalho servil será mesmo a trave mestra de sua estrutura, o cimento com que se juntarão as peças que o constituem. Oferecerão por isso um triste espetáculo humano [...]”(PRADO JUNIOR, 1961, p. 268–269).

d) A grande propriedade rural se mantém, no início do século XX, não somente como motor da economia agroexportadora, mas como representante da moralidade advinda do estatuto colonial, expressa no coronelismo que transpôs aquele período histórico e se encontra presente nos dias atuais em várias regiões do país, explicitamente pela manutenção do mando político de famílias tradicionais.

Esses elementos presentes na formação social do Brasil encontram, em alguma medida, alcance no interior da administração pública, na qual o Brasil se mantém espelho da

administração portuguesa, como uma administração

patrimonialista, cuja "[...] centralização política e administrativa é a estrutura material fundamental para o exercício do poder" (SOUZA FILHO, 2006, p. 123).

A transposição da administração portuguesa para o Brasil, tendo como função operar a exploração colonial e manter a estrutura de dominação vigente, não requisitará uma estrutura de especialização, tal qual a existente em Portugal, que é a responsável pela organização de empreendimentos comerciais de vulto. Por isso, a ordem administrativa da corte exigirá uma dimensão burocrática mais presente, que irá se expandindo, como nos mostra Faoro, por dentro do Estado Patrimonial Português. No caso brasileiro, o objetivo centrado na exploração mercantil provocará na ordem administrativa patrimonialista a ausência de especialização e, por conseguinte, um

espaço maior para o desenvolvimento da absorção privada das riquezas públicas (SOUZA FILHO, 2006, p. 125).

A propriedade rural também será um elemento referencial na forma social de organização da vida privada na colônia no Brasil e repercutirá na forma de organização da administração pública, baseada num clã patriarcal (PRADO JÚNIOR, 1961). A Coroa portuguesa objetiva criar pelo alto a organização política do Brasil. O poder local dos senhores rurais à colônia se dá via cooptação de lideranças locais pelos recursos de que a Coroa dispunha.

Os senhores rurais, autoridades locais com poder real, passam a gozar, via patentes e postos de comando na administração da colônia, poder legal da autoridade pública. Para a Coroa, essa aliança representa não apenas a possibilidade de dar direção política para a colônia mas, ao mesmo tempo, neutralizar um possível opositor político, cuja autoridade local gozava de prestígio e legitimidade entre os que viviam, de algum modo, em torno das atividades da propriedade rural.

Segundo Souza Filho,

é esse élan forjado no período colonial que produzirá, simultaneamente, o fortalecimento do poder e da dominação dos proprietários

rurais e a incorporação da lógica

patrimonialista de administração pública na estrutura do poder local (SOUZA FILHO, 2006, p. 128).

É uma via de mão dupla, há, por parte do poder central, a incorporação dos interesses agrários. A estrutura de comando da Coroa será transmutada da sede administrativa portuguesa para o Brasil, e a própria dinâmica de organização e desenvolvimento da estrutura econômica, social e política colonial desse território, por meio dos proprietários rurais, responderá pela via de cooperação com a Coroa na "garantia da ordem legal e administrativa por ela instituída" (SOUZA FILHO, 2006, p. 128).

No caso brasileiro, a burguesia comercial vinda da colônia que se estabelece não faz frente à nobreza agrária que gozava de autoridade local, mas a incorpora, assim como adere a elementos de sua consciência social.

A força econômica e política dos proprietários rurais na formação da estrutura administrativa patrimonialista brasileira dá ao Estado sua vinculação à forma social. Para o autor,

[...] a emancipação da classe burguesa nos países periféricos será feita de forma articulada à oligarquia/aristocracia existente, tendo o Estado como elemento garantidor desse pacto de dominação e a estrutura administrativa como forma de materializar e objetivar tal dominação (SOUZA FILHO, 2006, p. 130).

Nos termos do que discorre Fernandes (2005), "a aristocracia agrária, bem como os grupos ligados à dinamização do esquema de exportação-importação empenhavam-se, de fato, na consolidação do mercado capitalista moderno e em sua difusão interna" (p.268), o que assegurou, na transição neocolonial, uma elite política sem grandes oposições, com a qual representantes do capitalismo central hegemônico conseguiam estabelecer bases comerciais.

Nas realidades de transições não clássicas, a ascensão da burguesia não se dá no combate à elite pré-capitalista, mas articula-se a ela, como se verifica nos estudos sobre a realidade brasileira, a exemplo de Souza Filho (2006), que salienta a importância de utilização do Estado e sua estrutura administrativa para assegurar o novo pacto de dominação, alijando desses processos os segmentos sociais democráticos e populares. Fundam-se assim as bases de uma modernização conservadora que repercute num grau de autonomização do Estado e sua máquina administrativa. E esta se constitui sob traços patrimonialistas, cujas características peculiares são, segundo Godoy e Teixeira (2009, p. 2), o "lucro político predatório, uso direto da força de dominação (impostos) e acordos não usuais com autoridades políticas (corrupção)". Outro elemento que estrutura a cultura patrimonialista e serve a ela de instrumento de cooptação é o cargo público.

Em síntese, tomamos as palavras de Souza Filho para explicar como os traços do patrimonialismo não são superados com a adoção dos parâmetros da organização burocrática pelo Estado brasileiro em sua dinâmica institucional, em razão de alianças de classe que vão se conformando nessa realidade.

[...] a manutenção do patrimonialismo no Brasil não decorre apenas, nem sobretudo,

da estrutura estamental do Estado

centralizador, pois este tem de ir se burocratizando para atender às demandas da expansão capitalista e da construção da unidade nacional. Nem, tampouco, o patrimonialismo é produto do atraso de parte de nossa elite econômica. Na verdade, o patrimonialismo brasileiro se mantém vivo devido, principalmente, à articulação que se efetiva, no início, sob a batuta do Estado Patrimonial colonial, entre a burguesia comercial e os proprietários rurais, selando uma conciliação entre os interesses divergentes, visando realizar a dominação política no País (SOUZA FILHO, 2006, p. 131). O Estado será responsável pela permanência e apoio a práticas pré-capitalistas na manutenção da mão de obra escrava para as lavouras de monoculturas, do açúcar ao café. Temos aí a gênese de influência de uma cultura patriarcal que vai se mantendo desde a colônia e perpassa toda a república, como componente dos traços da administração do Estado brasileiro, tipicamente configurado em suas mudanças, como transições pelo alto.

Souza Filho (2006) destaca três aspectos relevantes para caracterizar a administração do Estado na colônia: 1) é uma organização administrativa que prescinde de uma estrutura formal-racional de corte burocrático, em razão da relação econômica que estabelece com a sede da Coroa, ou seja, de ser subsidiária do comércio europeu, respondendo ao fornecimento de riquezas naturais (minerais, de extrativismo vegetal ou resultantes do cultivo de monoculturas) em benefício do comércio europeu; 2) a relevância da ação dos proprietários rurais na ordem administrativa colonial, ainda que a detenção do poder permaneça sob as mãos da Coroa, porém com participação efetiva daqueles proprietários rurais na defesa do poder central. Sua participação na economia de Portugal é decisiva, na medida em que é sob o comando desses proprietários rurais que chegam à sede da Coroa as riquezas obtidas aqui e respondem com participação na administração política da colônia; 3) o pacto de

dominação vigente no período colonial está centrado na exclusão das massas populares de qualquer participação nos desígnios políticos. Especialmente porque, sob relações de trabalho cujo traço predominante era a servidão, obstaculizam no Brasil do século XIX o surgimento de movimentos operários organizados, o que reduz sobremaneira elementos de organização das massas populares, traços que serão verificados em nossa história no início do século XX pela imigração de trabalhadores europeus.

Complementarmente, a desigualdade de que falamos no Brasil não é gerada exclusivamente pelos processos do capitalismo industrial, especialmente no que se refere à produção de um excedente de mão de obra, mas codeterminada pela concentração da propriedade fundiária e pela abolição do trabalho escravo, o qual passa a ser mão de obra livre, porém com bases servis.

Por fim, antes de adentrarmos os traços da administração pública brasileira no próximo período, onde já temos elementos burocráticos presentes, cabe lembrar que o gérmen desse novo traço está diretamente associado à chegada da Coroa portuguesa ao Brasil em 1808, constituindo-o como centro da administração lusitana.

Ou seja, a chamada “inversão brasileira”, por ocasião da substituição da capital do Império Português de Lisboa para o Rio de Janeiro, fortalece o caráter patrimonial do poder central nas terras brasileiras. [...] tal “inversão” também traz para cá o que será o embrião da estrutura burocrática brasileira, na medida em que as decisões

que requeriam especialização e

racionalidade, principalmente relacionadas às questões de comércio internacional e relações exteriores, passaram a ser tomadas no Brasil a partir do aparelho de Estado Português que migrou com a coroa (SOUZA FILHO, 2006, p. 132).

O sistema capitalista reproduz sua existência também por elementos subjetivos que constituem a forma social e, sob a contribuição da norma jurídica, as práticas políticas das organizações estatais. Coutinho (2011b) aponta que a obra de

Caio Prado Jr, pela ênfase que dá à manutenção dos traços coloniais no processo de formação econômico-social brasileira no século XX, se aproximaria da via não clássica de transição de uma sociedade, identificada tanto na obra de Lênin como via prussiana ou na de Gramsci como transição pelo alto. A noção de via prussiana em Lênin é dada pelo processo de aprimoramento e modernização da estrutura agrária de um país, sem que tenha suprimido os traços de feudalismo ou colonialismo. Já a via não clássica identificada por Gramsci no processo de unificação da Itália e, no chamado Risorgimento, é demarcada pela categoria revolução pelo alto, ou transformismo, demonstrando as alianças que são forjadas pelas elites econômicas e políticas, que chegam a novas institucionalidades políticas sem uso da força, em larga escala e à margem de qualquer admissão de reivindicações populares, ou da participação política ativa das classes subalternas.

No caso brasileiro, não se confirma o clássico processo de formação burguesa, o qual seria dado por processos de rupturas com formas arcaicas de produção, instauração de processos de reformas agrárias que culminariam com a implantação e consolidação de propriedades camponesas. Caio Prado, segundo Coutinho (2011b), irá chegar às conclusões de que no Brasil adotou-se, em contextos distintos, predominantemente uma ou outra via não clássica, concluindo que o que somos resulta desses dois traços fundamentais.O latifúndio se mantém e se moderniza, assumindo uma faceta capitalista (predomínio na produção para exportação/comercialização) etc., porém mantendo traços patrimonialistas no interior dessa nova formação. Quanto aos avanços de implementação de processos produtivos industriais tipicamente capitalistas, Caio Prado indica o relevante papel do Estado nesse processo, na primeira metade do século XX.

3.1.2 Elementos da burocracia e da tecnocracia no Estado brasileiro

O ingresso do modelo burocrático de gestão no Estado brasileiro se associa à conjuntura de formação e expansão do capitalismo competitivo que, segundo Fernandes (2005), abrange o último quarto do século XIX, num processo de transição

neocolonial e alcança seu auge nos anos de 1950. Para esse mesmo autor, a dinâmica de afirmação da modernização capitalista no Brasil tem que ser situada no conjunto das relações de forças econômicas na dinâmica do mercado mundial.

Recuperamos alguns elementos da formação social e econômica desse período que podem ser esclarecedores da adoção do modelo burocrático pelo Estado brasileiro. Internamente o mercado capitalista moderno que se instituía apresentava potencialidades de crescer via comércio, contando com o enlace,

[...] à cidade e à sua população, que serviam de suporte imediato ao seu funcionamento e crescimento, e a uma hinterlândia mais ou menos descontínua, longínqua e ainda indiferenciada, constituída pelos estratos possuidores ricos e pelo vasto pequeno ou médio comércio, disseminado por regiões limítrofes ou tributárias, e que operava como elo de reforço (FERNANDES, 2005, p. 265). Esse novo mercado que se estabelece vai gerando excedentes econômicos que não mais se aplicam na reprodução do sistema escravista e migram para "transações especulativas mais abstratas e complexas [...] e podiam incrementar o volume do dinheiro, do crédito e, por vezes, da riqueza materializada em ouro, em propriedade" (FERNANDES, 2005, p. 266) mas apresenta também crescimento diversificado de bens e gêneros de várias naturezas, ainda artesanais. Nessa conjuntura, a cidade passa a monopolizar as funções de centro estratégico do desenvolvimento da economia interna.

No entanto, uma herança da economia neocolonial de produção para a exportação possibilita a incorporação da economia brasileira no mercado mundial, o que dá bases à articulação da economia urbano-comercial com a economia agrária, ou seja, nos termos de Fernandes (2005, p. 266), "uma autêntica revolução urbana, que iria germinar de modo lento e descontínuo".

Aquele novo setor urbano-comercial da economia brasileira podia se expandir com recursos da expropriação do trabalho escravo e servil dos fins do século XIX. Participavam diretamente da estruturação da economia urbana os setores de rendas altas,

e "a cidade convertia-se em polo dinâmico do crescimento capitalista interno, sem necessitar estender ao campo qualquer desdobramento da revolução urbana" (FERNANDES, 2005, p. 269).

Os movimentos demográficos em direção às cidades-chave levavam em seu bojo todo tipo de gente. Contudo, havia uma forte proporção de grupos de rendas altas e médias [...], de origem nativa ou estrangeira (entre estes prevaleciam naturalmente as pessoas que iriam operar as várias posições do complexo comercial-financeiro, em constituição e expansão). Os grupos de baixa renda que se incorporavam ao processo (e que vinham predominantemente do exterior), buscavam as oportunidades que as cidades-chave abriam ao trabalho livre — especialmente no comércio, em ocupações artesanais e em vários tipos de serviços (inclusive públicos), todos em crescimento moderado, mas oferecendo perspectivas de mobilidade econômica e de ascensão social (FERNANDES, 2005, p. 269).

Chegando, digamos assim, à fase de maturação do desenvolvimento econômico interno, com base na relação entre o setor arcaico pré-capitalista e o novo setor capitalista, se colocavam elementos para saltos qualitativos nesse processo que culminariam com a intensificação e dinamismo do mercado mundial. Segundo Fernandes (2005), esse momento é determinante de "circunstâncias que tornaram o Brasil muito atraente para os países que disputavam a partilha do mundo já sob a pressão do padrão de desenvolvimento do capitalismo industrial" (p. 272).

O interesse de países centrais, como a França, a Inglaterra e a Alemanha, juntamente com os EUA, nas reservas naturais de recursos e as possibilidades que se colocavam na exploração de um país de níveis continentais como o Brasil, tudo isso aliado a um certo sentimento de solidariedade em decorrência da imigração europeia massiva de trabalhadores, suscitou "um movimento de recursos humanos, técnicos e monetários de certa magnitude [...] concorrendo para algo novo, que era a construção

de uma economia capitalista dependente nos trópicos" (FERNANDES, 2005, p. 272).

Dessa forma, com recursos externos (para além daqueles advindos da produção para o mercado externo), se estabeleceu a necessária reorganização da infraestrutura da nossa economia,e as relações sociais capitalistas se instituíram aqui de modo diferenciado dos países do capitalismo central, ainda que mantendo suas características essenciais e com ele articuladas num caráter dependente.

Algumas dessas marcas e particularidades consoantes ao que apresentamos anteriormente, quais sejam, subordinação e dependência ao mercado mundial, consequentemente uma sociedade e economia que se organizaram para fora; peso do escravismo na sociedade brasileira; lenta substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre; coexistência da aristocracia agrária (e seu estatuto conservador), com o surgimento de novos agentes econômicos; bem como a “ausência do compromisso com qualquer defesa mais contundente dos direitos do cidadão