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O contexto de adoção da intersetorialidade nas políticas públicas

2 ESTADO E PESSOAL DE ESTADO

3 CARACTERÍSTICAS DO ESTADO BRASILEIRO E A ADOÇÃO DA INTERSETORIALIDADE NAS POLÍTICAS

3.2 O contexto de adoção da intersetorialidade nas políticas públicas

A linguagem política transformou-se num jargão, criou-se uma atmosfera de igrejinhas de tanto repetir sempre as mesmas fórmulas, de manejar os mesmos esquemas mentais enrijecidos, termina-se na realidade, por pensar do mesmo modo, já que se acaba por não pensar mais. Gramsci - 2014b

Pela incursão em análises teóricas sobre a realidade contemporânea da ação do Estado no Brasil, apresentadas no item anterior, bem como pela análise de determinantes macrossociais da política, percebemos que a sociedade contemporânea vivencia um processo de submissão da vida social aos ditames da organização econômica do capitalismo financeiro globalizado. Não apenas os processos afetos à vida material, ao trabalho, à produção e reprodução social estão organizados sob os princípios dessa ordem econômica, fundados centralmente em relações mercantis mas também as dimensões política, cultural e ética parece terem subsumido à hegemonia do capital.

A intensificação das crises cíclicas do capital no último quarto do século XX impactaram significativamente sobre os Estados nacionais resultando na adoção de modelos de gestão pública orientados pela perspectiva neoliberal, sob os quais predomina a lógica gerencial. Nessa direção, não somente as políticas sociais — ainda que sobre elas pesem as principais restrições do gasto público — mas também as políticas de infraestrutura foram alvos de novos experimentos em sua operacionalização na relação entre Estado, mercado e sociedade civil, abrindo campo às privatizações de serviços públicos, às denominadas parcerias público-privadas ou sua execução por organizações não tipicamente estatais. Esses fenômenos da gestão pública têm sido designados como contrarreformas do Estado (BEHRING, 2008).

A primazia das relações econômicas como referência às práticas sociais cotidianas “tende a ocultar, a partir de diferentes estratégias, a importância da esfera política da vida social”, conforme afirmam Almeida e Alencar (2011, p. 56). Tal domínio aprisiona o tempo que dispúnhamos com outro e para o outro, individualiza a existência, determina a pauta cultural por princípios de mercado. Interrompe dia a dia a produção coletiva da cultura e nos remete ao status de consumidores de bens culturais e produtos de lazer. Temos dificuldades de produzir espaços públicos de debates políticos na prática social cotidiana e principalmente nos espaços de trabalho.

O processo de reestruturação produtiva, intensificado a partir dos anos oitenta do século passado e espraiado pelo

globo, aliado ao desenvolvimento da robótica, das tecnologias de informação e da microeletrônica, dentre outras tecnologias, força os trabalhadores à dedicação integral de seu tempo ao trabalho, dedicação exigida diretamente na atividade laboral nas organizações, em estudos e cursos de aperfeiçoamento de caráter instrumental, demandados para execução de determinadas funções ou ainda no prolongamento da jornada de trabalho nos demais espaços sociais.

Sob o neoliberalismo, o mercado é tido como responsável pelas virtudes da sociedade, quais sejam: a produção de riquezas, a eficiência técnico-gerencial e a justiça, ocultando suas contradições e efeitos degradantes. A riqueza é traduzida como dádiva do capital, e não como resultado da expropriação de mais-valia na exploração do trabalho assalariado. A eficiência é explicada pela adoção de processos de trabalho e tecnologias que reduzam custos de produção, assegurem competitividade num mercado globalizado, ampliem a lucratividade e o acúmulo do capital. A justiça é expressa como sinônimo de normalização e legalidade, tendo seu conteúdo ético-político delimitado aos direitos civis, políticos e sociais, conquistados no contexto das revoluções burguesas e, quando mantidos, em decorrência da luta dos trabalhadores e demais segmentos sociais organizados. Quando não, estes também são colocados à prova, submetidos a cortes e restrições, com fortes impactos sobre as políticas públicas.

Até mesmo a crise do final dos anos de 1970, que repercute centralmente sobre as modalidades do trabalho formalizado e de suas regulações respectivas e que, por essa razão,é percebida de modo ampliado pela sociedade e sustentada como inexistente pelo neoliberalismo. Sob essa racionalidade, a realidade da crise é explicada pelo elevado custo da força de trabalho, o que justificaria sua flexibilização e consequente criação de postos de trabalho em número suficiente para absorver os desempregados. Tal visão é aceita de modo generalizado pela sociedade, respaldada por dados estatísticos do crescimento de postos de trabalho e do rendimento per capita, de países onde a desregulamentação de direitos foi introduzida. Porém, a realidade das condições de trabalho é obscurecida pelas cifras do emprego. A exemplo do Brasil que, ao apresentar um significativo crescimento do emprego formalizado no período

que compreende meados da primeira década do século XXI até 2014, conseguiu obscurecer o debate sobre as condições mesmas em que esses empregos foram estruturados. Ou seja, o nível de remuneração, o traço de insegurança que perpassa as ocupações, a redução dos padrões previdenciários, enfim, toda uma série de condições que a perspectiva neoliberal não evidencia.

Esses e tantos outros processos que observamos no cotidiano são interconectados e interdependentes na dinâmica do sistema capitalista contemporâneo, não sendo possível, no que se propõe este estudo, a análise de processos afetos às políticas públicas sem a compreensão de que a organização política da sociedade é correlacionada à sua estrutura macroeconômica ou, nos termos de Mascaro, "o Estado [moderno] é o núcleo material da forma política capitalista" (MASCARO, 2013, p. 38). No entanto, ainda que esse Estado possa representar hegemonicamente os interesses das classes dominantes, ele também se apresenta como um espaço de disputas na luta de trabalhadores e segmentos minoritários que buscam tornar efetivos direitos sociais, gerando, por parte dos capitalistas, a necessidade de edificar um discurso contrário ao Estado, mas não contrário a qualquer Estado, e sim às conquistas sociais que se viabilizaram e se viabilizam por esse mesmo Estado burguês.

Na particularidade de países latino-americanos,33 desde a década de 1980 e na realidade brasileira que abre a década de 1990, a busca por refrear a expansão de políticas de corte social se traduziu em reformas neoliberais do Estado, as quais, segundo Simionatto (2006), têm como pilares os ajustes econômicos que elevam a supremacia do mercado, fazem a “apologia da privatização e reforçam a cultura antiestado [...], desqualificando a política e a democracia. Também não fica tão evidente o refreamento do Estado no campo das conquistas sociais, pois se verifica a permanência ou até, em alguns casos, a ampliação do tamanho do Estado (de sua estrutura institucional), entretanto reorienta suas funções e cria uma série de agências que trabalham em prol do capital.

33 A exemplo de reformas implementadas na Argentina, no Chile e no

De um lado, os discursos antiestado, nos períodos de expansão econômica — produção, circulação e consumo em alta — classificam as intervenções e regulações da autoridade pública como práticas indevidas e/ou desnecessárias nesses processos, fazendo valer a máxima da autorregulação pela mão invisível do mercado. De outro lado, nos períodos de crise, como o que presenciamos atualmente, os discursos antiestado se intensificam e materializam-se em críticas sobre os processos gerenciais públicos e seus componentes democráticos (BORÓN, 2002, p. 178). Eles ressaltam a ineficiência dos serviços, a necessária introdução de métodos e técnicas gerenciais privadas, a defesa de que os serviços públicos sejam operados diretamente pelo mercado.

Na análise de Moraes (2002), há a constatação do reforço ao pilar de supremacia do mercado, nos efeitos concretos da reforma dos serviços públicos orientada pela proposta neoliberal, cujo elemento central é a ideia de privatizar, isto é, de acentuar o primado e a superioridade da ratio privada sobre as deliberações coletivas. Nos termos do autor, essa premissa se expressa de diferentes modos:

[...] transferir a agentes privados (empresas), a propriedade e gestão de entes públicos; delegar a gestão, sem necessariamente transferir a propriedade [ou ainda] manter na esfera estatal a gestão e a propriedade, mas

providenciando reformas que façam

funcionar os agentes públicos 'como se' estivessem no mercado, modelando o espaço público pelos padrões do privado (MORAES, 2002, p. 20).

Na década de 1990 e início dos anos 2000, o Estado brasileiro diminuiu os recursos para políticas sociais e viabilizou, segundo Sader (2004),

[a] expansão dos serviços privados [os quais] restringiram a proporção da população com acesso a direitos [e ampliaram o papel] desempenhado pelos mercados como reguladores das relações sociais. E os mercados, como se sabe, não reconhecem direitos (SADER, 2004, p. 7).

Na segunda metade da década de 1990, o Estado brasileiro estabeleceu um marco jurídico que dá suporte às mais diversas formas de o setor privado participar diretamente na execução das políticas sociais. Essa dinâmica opera na contramão de conquistas obtidas por meio de movimentos e lutas políticas, populares, sindicais e estudantis pela democratização de países da América Latina,34 os quais contribuíram na consolidação de Estados de Direito.

No caso brasileiro, tais lutas ampliaram o espectro de direitos sociais e expuseram demandas de participação da sociedade civil na gestão das políticas públicas (formulação da agenda e controle social) e fortalecimento do caráter público estatal na implantação/execução das políticas. Entretanto, mantém-se até o presente a participação da sociedade civil organizada na execução de determinadas políticas sociais, como é o caso das Comunidades terapêuticas no atendimento à dependência química e doenças mentais.

Ou seja, no Brasil, a participação política e social no Estado consolidou-se como princípio na Constituição Federal de 1988 e foi incorporada na estrutura de gestão, por meio da institucionalização de Conselhos de políticas públicas, com significativa relevância. No entanto, se mantém a contradição de a sociedade civil também participar na execução das políticas sociais públicas. Tais premissas legais foram mantidas no período do governo de Luís Inácio Lula da Silva, porém, de um modo distinto do que se configurou nos anos de 1990, nos quais a ampliação da participação da sociedade civil na execução de políticas públicas era correspondente à redução de investimentos públicos na estrutura estatal.No governo Lula, houve ampliação de investimentos públicos em políticas sociais estatais, como é o caso da educação universitária e da Política Nacional de Assistência Social, porém isso não se fez como superação às ofertas de serviços privados ou via sociedade civil, criaram-se, via Estado e com base no fundo público, mecanismos de repasse de recursos a tais estruturas, a exemplo do PROUNI e da manutenção de serviços sociais comunitários, como as comunidades terapêuticas, dentre tantas outras.

34Esses países vivenciaram as décadas de 1960, 70 e 80, períodos de

Hoje as estruturas da sociedade civil que permanecem com caráter executivo-operativo atuam de modo híbrido com as políticas sociais públicas estatais, sob regulações jurídicas, financiamento, estrutura de controle e fiscalização dos poderes de Estado.

Essa dinâmica pode ser ilustrada na gestão de Lula, nos anos 2000, pela implementação de políticas sociais públicas asseguradas como direitos já na década anterior (a exemplo da

Política Nacional de Assistência Social), porém,

contraditoriamente, sem a ruptura com o marco legal que possibilita sua operacionalização pela sociedade civil organizada. Ou seja, mesmo reconhecida a ampliação de cobertura de serviços públicos na área social na última década, o Estado brasileiro continua a operar num modelo mix a gestão das políticas sociais, fazendo eco às orientações de agências internacionais.

Aliada a tais características de gestão, a proteção social brasileira se traduziu, segundo Ivo (2006), na refuncionalização das políticas sociais para dar conta: a) do alcance de um determinado público — focalização; b) de fortalecer as capacidades das populações pobres para lutarem contra a pobreza; c) da eficácia de sua operacionalização — gerencialismo técnico — uso da bioestatística e biopolítica para controle da pobreza, evitando a elevação de índices determinados por órgãos internacionais credores; e) do processo

de descentralização administrativa, convertido na

operacionalização de serviços sociais por Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), por Organizações Sociais, Fundações Estatais com personalidade jurídica de direito privado; f) de capacitar os pobres para atuarem como sujeitos políticos organizados, por meio da participação e do controle das políticas (IVO, 2006, p. 68). Isso deixando explícito que os mecanismos de controle social que foram concebidos nos marcos do projeto de democratização35 da sociedade brasileira, nos idos dos anos de 1980 e 1990, com vistas à ampliação da participação popular, acabaram por resultar em capacitações técnicas e gerenciais infindáveis,

35 O qual, ainda que não tenha se consagrado hegemônico, registrou

alguns avanços dadas as correlações de forças favoráveis ao campo democrático-popular naquela conjuntura histórica.

objetivando a compreensão das políticas públicas e, em contrapartida, reduzindo-se o debate político, quando não o esvaziando. E, ainda mais recentemente, esse fenômeno se traduziu em polêmico decreto36assinado pela presidenta Dilma, em que o governo cria uma Política Nacional de Participação Social (PNPS), gerando controvérsias imensas em seu entorno, desde apoios mais fervorosos até o entendimento de que representa um claro processo de institucionalização das lutas políticas e, quiçá, de cooptação das forças populares.

A refuncionalização a que fazemos menção não é produzida por uma relação determinista, mecânica, de reprodução do vínculo de classe no Estado, materializada por uma elite dirigente burguesa; tampouco concordamos que haja um pacto de dominação ardilosamente orquestrado coerente e coeso, mas, sim, um processo mediado por determinações de classe, um Estado que não é um ente abstrato — homogêneo, uniforme e universal — expressão de bem comum nos termos de Rousseau (2001), mas uma instituição cujos aparatos, burocracias, agências e jurisdições precisam e devem ser analisados, mediados pelas relações de classes.

Esse caráter contraditório presente nas relações das classes fundamentais e de frações de classes no capitalismo, além de se configurar no que determina a configuração do Estado como forma política desse sistema, se espraia pelo Estado como instituição, nos permitindo superar a concepção de que representaria apenas os interesses da burguesia, mas se traduzindo contemporaneamente como o espaço privilegiado, não somente das disputas ideopolíticas mas da tradução material dos interesses de classes — na regulação jurídica pró-capital e no poder decisório de destinação do fundo público.

Assim, por esse caráter contraditório,

[...] uma reforma do Estado pode operar na direção de aumentar os direitos da força de trabalho ou pode aprofundar as exigências

36 Decreto n. 8.284, assinado pela presidenta Dilma Rousseff em 21 de

junho de 2014"institui o que o governo chama de uma nova política de participação social, assim como um maior diálogo entre sociedade civil e governo [...]. A base seria mesa de diálogo entre governo e movimentos sociais, a fim de alinhar certas políticas públicas às demandas desses". (CARTA CAPITAL, 2014).

de acumulação do capital e, nesse caso, será uma contrarreforma do Estado, por afetar os interesses e direitos da força de trabalho (GRANEMANN, 2011, p. 2).

Retomando as reflexões sobre o discurso antiestado, voltamos à argumentação de Ivo (2006) quando, ao mencionar que esse discurso desqualifica a democracia e a participação política, atribui à forma de organização e funcionamento do Estado a responsabilidade pelo endividamento público, pelo pesado custo de operação dos processos democráticos. Nessa lógica, oculta o fato de que as restrições de direitos e a negação da cidadania conquistada são produtos da opção pelo sistema capitalista de produção — o qual produziu as maiores taxas de desigualdade social no continente latino-americano —, e não efeitos da institucionalização da democracia.

O discurso antiestado, ao produzir o deslocamento da crítica à regulação macroeconômica para aspectos da operacionalização cotidiana das políticas sociais públicas — as quais constitucionalmente primam por estruturas e processos de participação social — oculta os inúmeros socorros que o capital demanda ao Estado. Aportes viabilizados por isenções fiscais, subsídios diretos na produção, intervenção para mediar processos econômicos, seja em termos da concorrência internacional, seja na fixação de regras para o sistema financeiro e manutenção das altas taxas de juros que permitem o acúmulo de rendas via especulação financeira, controlam os processos inflacionários e dão segurança ao mercado de capitais.

Destacando também a contradição da retórica antiestado, Borón afirma que "a experiência econômica recente [na América Latina, a partir dos anos de 1980] demonstrou que [...] as forças do mercado requereram a continuada expansão do Estado" (2002, p. 178), porém não daquele Estado burguês que assegurou os moldes do welfare state, a expansão dos direitos sociais, e sim um Estado que assuma dívidas de empresas privadas, socorra da bancarrota instituições financeiras, subvencione a produção para o agrobusiness, promova isenções fiscais para estimular o consumo da indústria automobilística, de eletrodomésticos e eletroeletrônicos.

Na direção de atender os reclames do mercado, os ajustes e processos de contrarreformas dos Estados latino-americanos,

nas últimas décadas, acabaram por pesar na conta dos trabalhadores, pois, além de atribuir às contribuições sociais sobre o trabalho formal assalariado o alto custo da produção, defendem restrições de investimentos na seguridade social, a exemplo das inúmeras reformas previdenciárias no Brasil a partir da década de 1990.

Na defesa de tais reformas, movimentos políticos do capital são gestionados para as desregulamentações, flexibilizações de contratos de trabalho, prolongamento do período contributivo do trabalhador, desoneração da previdência pública e retração de direitos, dentre outras medidas que asseguram o que Borón (2002) denominou de “estatificação dos processos de acumulação capitalista e da vida cotidiana nas sociedades burguesas” (BORÓN, 2002, p. 245).Ou seja, nos momentos de crise, o ataque às políticas sociais é frontal, atribuindo-se a elas os custos crescentes — e, em tese, insuportáveis — e seus impactos sobre os fundos públicos, sobre a inflação e a ampliação do endividamento, recaindo ironicamente sobre o trabalhador a pressão moral de cooperação para as saídas da crise.

O movimento de restrição dos investimentos para as áreas sociais é potencializado pelo discurso de senso comum, antifinanciamento de políticas sociais, propagado sob um caráter moralizador que aponta "efeitos deletérios dessas políticas sobre valores, comportamentos de indivíduos, grupos sociais e empresas" (MORAES, 2002, p. 14). Políticas sociais de caráter universal ou mesmo programas focalizados de transferências monetárias são responsabilizados pelo desestímulo à ética do trabalho e teriam como efeitos, no sistema produtivo, a geração de déficit de mão de obra — pois elevam padrões salariais e dificultam ao capital a admissão de trabalhadores que se submetam às condições de baixa remuneração e precarização de condições de trabalho.

Fica claro que as políticas públicas que sofrem maior interferência desses modelos e processos de gestão de base

burocrático-gerencial são as políticas sociais. Nas

contrarreformas que impactam as políticas sociais, uma das tendências relatadas por Boschetti (2012) é o modelo de intervenção do Estado chamado universalismo leve e meritocrático pesado que se expressa nas propostas de mínimos

nacionais ou copagamento por alguns tipos de serviços e de políticas sociais que estimulam as responsabilidades individuais e a sobrerresponsabilização das famílias. Conforme afirma Boschetti (2012, p. 782), “há transferência de atividades públicas de proteção social [...] com crescimento constante de atribuições e responsabilidade das famílias e de associações, em nome da participação e da solidariedade familiar e comunitária”.

Intensificam-se, nessa esteira de discursos, a propagação de estratégias de enfrentamento da pobreza pela via da liberdade de escolhas e estímulo à capacitação para o mercado de trabalho, seja por meio de alianças do Estado brasileiro com organizações de formação gestadas pelo empresariado industrial, comercial e rural (Sistema S: SENAI, SENAC, SENAR) ou na oferta de cursos de curta duração ao público da política de assistência social como cumprimento de contrapartidas ao Programa Bolsa-Família, objetivando o incremento da renda familiar, sob um discurso de estímulo ao empreendedorismo individual, inovação empreendedora, empreendedorismo social ou outros tantos adjetivos. Sobre tais estratégias, há uma multiplicidade de estudos37 que abordam os contornos das políticas sociais em sua operacionalização em nível local, os efeitos de ordem político-cultural em seus usuários, em especial o caráter moralizador que permeia a agência dos implementadores dessas políticas. Ou seja, na perspectiva neoliberal, se admite a presença e ação do Estado no âmbito econômico-social, porém suas atribuições devem ser claramente especificadas sob contornos jurídicos definidos, sem comprometer os pilares do sistema capitalista, bem como seguir as cartilhas dos modelos de gestão pública recomendados