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Características da memória: ênfase na memória de curta duração

1 REVISÃO DE LITERATURA

1.4 SÍNDROME DE DOWN

1.4.3 Características da memória: ênfase na memória de curta duração

Dentre as pesquisas que investigam a capacidade de indivíduos com SD para memorizar ou processar informações armazenadas, serão destacadas aquelas que explicam o funcionamento a partir do Modelo de Componentes Múltiplos (BADDELEY, 2000), destacando estudos que incluem entre seus objetivos investigar aspectos verbais, além de revisões sobre o assunto (JARROLD; BADDELEY, 1997, 2001; JARROLD; BADDELEY; PHILLIPS, 1999, 2002; VICARI; MAROTTA; CARLESIMO, 2004; BROCK; JARROLD, 2005; BADDELEY; JARROLD, 2007; CONNERS et al., 2011; FRENKEL; BOURDIN, 2009; LEE; PENNINGTON; KEENAN, 2010; DUARTE et al., 2011; PURSER; JARROLD, 2005, 2013; LANFRANCHI et al., 2012; LANFRANCHI; MAMMARELLA; CARRETTI, 2014; YANG; CONNERS; MERRILL, 2014).

Jarrold e Baddeley (1997), em um primeiro estudo sobre o assunto, verificaram que a MCDV de crianças e adolescentes com SD era significativamente inferior à de controles com mesma idade mental verbal, medida por meio de um teste de vocabulário. Entretanto, nesse mesmo estudo, os grupos não apresentaram diferenças no desempenho em tarefas envolvendo armazenamento de informações visuoespaciais. Os autores interpretaram esses resultados como um possível déficit no componente denominado alça fonológica do sistema de memória de trabalho de Baddeley e Hich (1974). Jarrold, Baddeley e Phillips (1999) e Jarrold e Baddeley (2001) realizaram revisões de literatura com o objetivo de levantar evidências sobre o suposto déficit. Com base em estudos já realizados, os autores concluíram que, em média, spans verbais de sujeitos com SD tendem a ser mais baixos que o esperado, considerando outras habilidades, como a inteligência verbal ou não verbal. Além disso, foram encontrados fortes indícios de que a memória de curta duração visuoespacial é relativamente preservada. Estudos subsequentes tendem a confirmar essas características. No estudo de Brock e Jarrold (2005) participantes com SD apresentaram prejuízos na reconstrução da ordem de sequências de dígitos apresentados verbalmente, mesmo demonstrando habilidades para reordenarem localizações espaciais. Laws (2002) verificou que indivíduos com SD mostraram maior facilidade para armazenar informações visuais (cores derivadas sem um nome específico) do que para memorizar nomes de cores primárias. Roch, Florit e

Levorato (2012) verificaram diferenças significativas entre indivíduos com SD e crianças com DT pareadas pelo nível de compreensão em leitura em testes de repetição de palavras dissilábicas em ordem direta e inversa. Entretanto, não houve diferença entre o desempenho dos participantes dos dois grupos em tarefas similares envolvendo itens visuais. Frenkel e Bourduin (2009) também não encontraram divergências entre indivíduos com SD e DT pareadas por sexo, critérios cognitivos e socioeconômicos no que se refere à memória de curta duração visual, entretanto eles apresentaram diferenças significativas em relação à memorização de sequências de palavras de uma sílaba. A partir de dados de uma ampla revisão de literatura, Yang, Conners e Merrill (2014) concluíram que as habilidades visuoespacias de indivíduos com SD são consideradas pontos fortes quando comparadas às habilidades verbais, entretanto, não são mais desenvolvidas do que suas habilidades cognitivas gerais poderiam predizer. Duarte et al. (2011) demonstraram que, com a utilização de um suporte visuoespacial em tarefas de MCDV, há uma melhora no desempenho de indivíduos com SD; esse achado pode ter implicações para intervenções com objetivo de otimizar suas capacidades. No estudo citado, o span médio de palavras repetidas corretamente pelos indivíduos com SD foi significativamente inferior ao dos controles com DT.

Baddeley e Jarrold (2007) ressaltam que o funcionamento de aspectos da memória de indivíduos com SD reforça o entendimento do sistema de memória de trabalho como proposto pelo modelo de Componentes Múltiplos. A dissociação entre o armazenamento de curta duração verbal e visuoespacial, como demonstrado nos estudos citados, é uma alegação inteiramente consistente com o modelo de Baddeley (2000). Pesquisas comparando o perfil do funcionamento da memória na SD com o de outras síndromes que também são acompanhadas de deficiência intelectual fornecem suporte adicional ao modelo proposto (CONNERS et al., 2011). Um estudo de revisão por meio de meta-análise apresentou, recentemente, evidências científicas do déficit de MCDV em indivíduos com SD em relação à idade mental não verbal (N

æ

SS et al., 2011). Lanfranchi et al. (2012) e Lanfranchi,

Mammarella e Carretti (2014) demonstraram que o prejuízo é verificado mesmo quando os grupos são pareados pela idade mental verbal. Mengoni, Nash e Hulme (2014) também encontraram diferenças na MCDV de indivíduos com SD e DT utilizando como critério de pareamento habilidades de decodificação. No estudo de

Laws e Gunn (2004) foi observado que a maioria dos participantes com SD, incluindo adolescentes, recordaram no máximo três dígitos. Alguns pesquisadores defendem que o déficit de memória não pode ser totalmente explicado por fatores relacionados à audição ou alterações de fala (JARROLD; BADDELEY; PHILLIPS, 2002; BROCK; JARROLD, 2005). Entretanto, Lanfranchi et al. (2012) ressaltam a importância de mais estudos sobre o impacto de alterações auditivas, já que estas ocorrem em aproximadamente dois terços dos indivíduos portadores dessa cromossomopatia. No que se refere à discriminação auditiva desses sujeitos, enquanto Lee, Pennington e Keenan (2010) defendem que dificuldades para discriminar pares de pseudopalavras iguais e diferentes apresentam relação com o déficit na MCDV, Purser e Jarrold (2013), ao avaliarem essa habilidade por meio de pares de palavras reais, não encontraram o mesmo resultado. Os últimos pesquisadores afirmam que problemas de discriminação auditiva também não são suficientes para explicar o déficit na MCDV. Baddeley e Jarrold (2007) referem que o problema na alça fonológica parece estar relacionado principalmente à dificuldade de armazenamento e não a outros fatores como o esquecimento rápido (BROCK; JARROLD, 2005) ou comprometimentos envolvendo o treino articulatório (JARROLD; BADDELEY; HEWES, 2000; SEUNG; CHAPMAN, 2000). Jarrold e Baddeley (2001) postularam que o déficit no armazenamento de informações verbais poderia ser uma condição da própria SD. Seung e Chapman (2000) entendem que o déficit na MCDV está associado ao problema de linguagem presente na SD.

Lee, Pennington e Keenan (2010) investigaram se o déficit na MCDV de crianças e adultos jovens com SD se estendia também a aspectos semânticos. Os resultados desse estudo sustentaram a hipótese de déficit específico do processamento fonológico, confirmando a existência de alterações no subsistema denominado alça fonológica. A consequência é um prejuízo no funcionamento do sistema memória de trabalho de uma maneira geral. Nesse estudo, o efeito de similaridade fonológica não facilitou o desempenho dos indivíduos com SD, como ocorreu com as crianças com DT. No que se refere às qualidades semânticas, não foram encontradas diferenças entre os grupos nos testes com palavras semanticamente similares.

Vicari, Marotta e Carlesimo (2004) ressaltam, ainda, a importância de considerar possíveis prejuízos em outras áreas do modelo da memória de trabalho, como o executivo central. Pesquisas que avaliam supostas dificuldades em tarefas

envolvendo modalidades visuoespacias e o processamento executivo são em menor número e relativamente recentes. Lanfranchi, Cornoldi e Vianello (2004) utilizaram tarefas que envolviam processamento verbal e visual com diferentes níveis de controle: armazenamento simples, armazenamento simultâneo e processamento em tarefa duplas. Os indivíduos com SD apresentaram performances inferiores às dos controles com DT pareados pela idade mental em todas as tarefas verbais. Nas tarefas visuais, a diferença ocorreu somente em níveis mais avançados, os quais envolviam o executivo central. Os autores concluíram que a SD é caracterizada por um déficit específico que causa prejuízos em tarefas de memória baseadas em material apresentado verbalmente, combinados a um comprometimento no processamento executivo. Achados similares foram relatados por Lanfranchi, Jerman e Vianello (2009) e Lanfranchi, Mammarella e Carretti (2014).

No estudo de Lanfranchi et al. (2012), 45 indivíduos com SD foram comparados a um grupo com o mesmo número de participantes com DT pareados pelo escore de um teste de vocabulário referente à idade mental verbal. Foram aplicadas tarefas envolvendo MCDV e espacial e o processamento dessas informações (memória de trabalho), a fim de avaliar o funcionamento do executivo central. Dentre as tarefas verbais, aplicou-se uma de armazenamento simples (repetição de palavras), uma dupla que envolvia duas atividades verbais simultâneas e outra com uma atividade visuoespacial associada a uma tarefa verbal. Outras três tarefas visuoespaciais com o mesmo formato foram aplicadas. Os resultados mostraram que houve diferença significativa entre os grupos nas três tarefas verbais; nas tarefas visuoespaciais só não houve diferença na tarefa simples. Nesse estudo, assim como no de Lanfranchi, Mammarella e Carretti (2014), foi observado que os controles com DT, apesar de terem mostrado algumas dificuldades em tarefas com atividades simultâneas, não apresentaram diferença significativa, como encontrada nos indivíduos com SD, entre tarefas verbais e visuoespacias. Dados dessas pesquisas mostram que indivíduos com SD têm déficits em dois componentes do modelo: na alça fonológica e no executivo central, responsável, por exemplo, por dividir a atenção entre duas tarefas. De acordo com os autores, também se pode postular que o funcionamento executivo pobre é característica do prejuízo cognitivo e não um déficit específico. Entretanto, o prejuízo no executivo central é, em geral, uma característica de uma gama de síndromes genéticas.

Diversas pesquisas têm demonstrado que dificuldades envolvendo a memória de curta duração, o processamento executivo e a memória de trabalho como um todo são aspectos centrais para o funcionamento cognitivo, podendo, assim, influenciar aspectos como o desenvolvimento da linguagem e o desempenho escolar, incluindo o aprendizado da língua escrita (FOWLER; DOHERTY; BOYNTON, 1995; CHAPMAN; HESKETH; KISLER, 2002; LAWS; GUNN, 2004; RATZ, 2013; JARROLD; THORN; STEPHENS, 2009; LEE; PENNINGTON; KEENAN, 2010; N

æ

SS et al., 2011; LANFRANCHI et al., 2012; ROCH; FLORIT;

LEVORATO, 2012; RATZ, 2013). Particularidades desse aprendizado na SD serão comentadas no próximo tópico.