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2.4. Modelos de Programação Linear Etnográfica

2.4.1. Características da Programação Linear Etnográfica

A programação linear etnográfica junta a programação linear, um método quantitativo, à etnografia, um método de pesquisa qualitativa, utilizada para aprofundar a compreensão sociocultural dos agregados familiares (Bernard, 1995), uma vez que, a etnografia tem como principal foco o estudo da cultura e o comportamento de determinados grupos sociais. Assim, a PLE liga a informação etnográfica qualitativa a um instrumento de análise quantitativo, incorporando os dados demográficos, socioeconómicos, culturais, ecológicos, climáticos, de produção e outros, num único modelo (Breuer, Hildebrand & Cabrera, 2004).

Na modelação dos agregados familiares utilizando a PLE, o propósito da etnografia é compreender: 1) o que é feito; 2) quem faz o quê; 3) quando é feito; 4) como é feito; e 5) por que razão é feito (Wilsey, Gill & Rios, 2012). Sendo modelos de natureza heurística, de suporte à tomada de decisão, a PLE considera a dimensão humana no sistema, sendo uma ferramenta básica na análise dos sistemas de agricultura de subsistência nas suas dimensões produtiva, reprodutiva e social (Hildebrand, Breuer, Cabrera & Sullivan, 2003). São especialmente importantes para estudar sistemas em que

a agricultura é, ainda, um modo de vida e não apenas uma profissão, como é o caso de Timor-Leste. Permitem integrar as várias dimensões de vida na análise, simular os sistemas complexos de agricultura e de autossubsistência, nas suas diferentes actividades e tecnologias de produção e compreender as razões que levam os agregados familiares a fazer escolhas, nomeadamente, estratégias de sobrevivência com base nos seus recursos e restrições.

São duas as grandes dimensões dos modelos de PLE: actividades de produção de bens agrícolas e actividades de reprodução. Nestas últimas estão incluídas tarefas como a preparação da alimentação, cuidar dos filhos/crianças, lavar a roupa, cuidar da casa, recolher água, lenha e plantas selvagens para a alimentação e saúde, cuidar dos animais e das hortas e participar nas actividades comunitárias e festivas. Algumas destas tarefas implicam o respeito pelas normas sociais vigentes nas comunidades e um sentimento de pertença que é fundamental para a segurança e o bem-estar dos agregados familiares (Hildebrand et al., 2003).

Os modelos de PLE, normalmente, representam um agregado familiar específico com estratégias de subsistência próprias, podendo ser anuais e multiperíodo ou dinâmicos. Para além da maximização do lucro das actividades produtivas, um agregado familiar tem outros objectivos, que incluem a satisfação das actividades reprodutivas (manutenção da casa e família) e as do grupo a que pertence (comunitárias e festivas), as quais consomem recursos disponíveis. Hildebrand et al., (2003) considera apenas dois grandes grupos de actividades, produtivas e reprodutivas, incluindo nesta última as comunitárias e festivas. A opção de as individualizar na presente investigação resulta do facto de estas serem muito relevantes para a situação de Timor-Leste.

Um modelo de PLE pode ser representado na forma matemática: 𝑀𝑎𝑥 (𝑜𝑢 𝑀𝑖𝑛): 𝜋 = ∑ 𝐶𝑗 𝑗 𝑋𝑗 (𝑗 = 1, … , 𝑛) Sujeito a: ∑ 𝐴𝑖𝑗 𝑗 𝑋𝑗 ≤ 𝑅𝑖 (𝑖 = 1, … , 𝑚) ∑ 𝐴𝑖𝑗 𝑗 ≥ 0 𝑋𝑗 ≥ 0

em que 𝜋 é a função objectivo a ser maximizada ou minimizada, 𝐶𝑗 é o custo ou receita de cada uma das n atividades 𝑋𝑗, 𝐴𝑖𝑗 é o conjunto dos coeficientes input-output de

cada actividade para cada recurso ou restrição e 𝑅𝑖 é o conjunto das m restrições ou limitações máximas ou mínimas (Hildebrand et al., 2003).

O objectivo dos agregados familiares é maximizar o bem-estar tendo em conta a sua multidimensionalidade nas componentes produtivas, reprodutivas e comunitárias. A função objectivo cumpre, normalmente, um conjunto de critérios, dos quais se destaca a satisfação do mínimo das necessidades básicas de consumo que permite a reprodução do agregado familiar, maximização do rendimento monetário para a compra de bens desejáveis, mas não essenciais, minimização da utilização da mão-de-obra masculina ou feminina e a maximização da produção de uma determinada cultura vegetal ou animal. Estes distintos objectivos podem ser incluídos directamente na função objectivo ou entãao como restrições, com limites mínimos ou máximos.

Neste modelo existem um conjunto de actividades (Xj) que representam, nomeadamente, a produção (agrícola, animal e florestal), a reprodução do agregado familiar e a relação deste com a comunidade em que está inserida e na qual se inscrevem os deveres e as obrigações.

A matriz básica de um modelo de PLE representa um agregado familiar e normalmente tem três componentes: as actividades de produção disponíveis no agregado e fora do agregado familiar, as actividades reprodutivas comuns e todos os recursos disponíveis expressos através de restrições. Nas primeiras incluem-se as culturas vegetais e a produção animal e todas as actividades realizadas fora da exploração (contratação de mão-de-obra e trabalho assalariado no exterior), incluindo os contributos monetários oriundos de membros da família que vivem e trabalham fora do agregado familiar. As segundas integram as actividades que contribuem para a manutenção do agregado familiar e dos seus membros, assim como a sua inserção e relação (deveres e obrigações) com a comunidade. Na última componente constam os principais recursos como terra, mão-de-obra, água, árvores e arbustos (lenha, plantas medicinais e sagrado), entre outros e as restrições a serem satisfeitas, nomeadamente, a alimentação humana e o fundo de maneio, entre outras dos agregados familiares (Hildebrand, 2012).

Na modelação dos recursos, a sazonalidade ou periodicidade é um elemento importante a considerar, principalmente quando estes podem estar em escassez em

determinados períodos. A desagregação da utilização de alguns recursos, como por exemplo, a mão-de-obra, entre jovens e idosos e por género, é fundamental, na medida em que, em muitos contextos, as tarefas agrícolas e reprodutivas dependem do género (preparação da terra, sementeira, monda, colheita, cuidar dos filhos, recolha de lenha e água, cozinhar, entre outras) e/ou da idade.

No que diz respeito à recolha de dados primários para construir a matriz da PLE, esta é normalmente realizada utilizando um inquérito por questionário para caracterizar os agregados familiares, os sistemas de produção, a disponibilidade de recursos, os modos de subsistência e as relações com a comunidade, incluindo a dimensão sociocultural (festividades e celebrações). A observação participante e a utilização da técnica focus

group são técnicas complementares que ajudam, em muitas situações, a uma

caracterização mais realista dos agregados a modelar e a estudar. Deste modo, todas as variáveis a incorporar no modelo são observáveis e recolhidas junto dos agregados familiares.

Uma vez construídos os modelos, é necessário fazer a sua calibração e validação, que são processos complexos e iterativos. Muitas vezes é necessário voltar a visitar os agregados familiares para ajustar os dados recolhidos de modo a obter uma aproximação que descreva de forma adequada os agregados familiares inquiridos. Uma vez validados, os modelos de PLE podem ser utilizados para testar e simular vários cenários que contemplem alterações nas actividades produtivas, reprodutivas e comunitárias, na disponibilidade dos recursos, nas tecnologias, nos preços (produtos e factores de produção) e, nas medidas de política agrícola e rural.