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Características das amostras datadas e os seus contextos

4. Entre a tecno-tipologia lítica e a cronometria no Mesolítico final do vale do Sado

4.3. As análises de radiocarbono dos concheiros do Sado

4.3.2. Características das amostras datadas e os seus contextos

Para os concheiros do Sado, as datações até agora realizadas e publicadas incidiram maioritariamente sobre amostras de conchas. Foram também realizadas algumas datações sobre carvões, (provável) fauna e, mais recentemente, sobre esqueletos humanos (Figura 36).

Figura 36. Representação dos tipos de amostras datadas dos concheiros do Sado.

Para além das características das amostras, um importante problema que afecta quase todo o conjunto de datações realizadas prende-se com os contextos de proveniência, em geral, mal definidos (Figura 37). Com efeito, a maioria das amostras foi seleccionada entre os materiais resultantes das escavações dirigidas por Manuel Heleno, desenvolvidas segundo camadas artificiais, pelo que não se dispõem de contextos estratigráficos de grande segurança. As datas sobre carvão, embora escassas (Q-AM85B2A, Q-2494), têm contextos de proveniência mal definidos (Arnaud, 2000) – camada (?) 2a do estrato B de Amoreiras (intervenções de J. Arnaud) e “níveis médios” de Poças de S. Bento (escavações de M. Heleno) – não havendo referências à sua recolha em estruturas isoladas (como lareiras). Esta situação é agravada pelo facto de os carvões constituírem, pela sua reduzida dimensão, elementos facilmente mobilizáveis entre estratos. Há ainda o problema do “efeito de madeira antiga” (“old-wood effect”), que poderá provocar uma maior antiguidade das mesmas,

Carvão 9,09% Concha 59,09% Homo 22,73% Ossos 9,09%

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independentemente da maior ou menor fiabilidade do contexto (Warner, 1990, p. 162; Mataloto e Boaventura, 2009, p. 33). É, neste sentido, de salientar que a publicação destas datas não foi acompanhada pela identificação da espécie vegetal que originou os carvões, desconhecendo-se se corresponderiam a amostras de vida curta ou longa. Desta forma, a representatividade destas datas afigura-se frágil.

Figura 37. Contextos de proveniência das amostras datadas dos concheiros do Sado.

Conhecem-se, também, duas datas sobre “ossos” (Q-2499, ICEN-144), material proveniente das escavações de M. Heleno em Cabeço do Pez e Vale de Romeiras (Arnaud, 2000). Dirão respeito, provavelmente, a amostras de fauna terrestre, mas cujas espécies se encontram desconhecidas. Os contextos apresentados – “níveis superiores” e “níveis médios” – são, também, pouco elucidativos.

A predominância de datas sobre conchas é algo problemática, uma vez que é necessário ter calculado o efeito de reservatório estuarino específico da localização dos sítios para efectuar a sua calibração precisa, trabalho que se encontra em curso por A. Monge Soares. Para além disso, é referido que as conchas têm uma taxa de absorção de 14C diferenciada consoante as espécies e as condições paleoambientais em que os moluscos se têm de adaptar (Marchand et al., 2009, p. 305), pelo que o conhecimento destes dados se revela importante.

Por outro lado, as conchas podem ser alvo de um efeito de “envelhecimento” provocado por outros factores que não o efeito de reservatório, similar ao efeito da “madeira antiga” das datas sobre carvão – o chamado “old shell problem” (Rick, Vellanoweth e Erlandson, 2005). Este efeito é causado pelo aproveitamento humano de conchas significativamente mais antigas do que os contextos arqueológicos em que são encontradas, podendo derivar de vários processos, como a utilização de conchas provenientes de outros sítios arqueológicos

Estrato B 9,09% "Níveis médios" 50,00% "Níveis superiores" 4,55% "Níveis inferiores" 4,55% Inumação 18,18% Desconhecido 4,55% 45-50 cm 4,55% 65-70 cm 4,55%

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localizados perto, recolha de conchas mortas ou provenientes de depósitos fósseis (ibidem, p. 1645). Efectivamente, não é lícito considerar que as conchas que se encontram nos concheiros sejam, na sua totalidade, o reflexo de actividades de consumo alimentar humano de moluscos (Claassen, 1991, p. 253), como exemplificam as conchas perfuradas para adorno. No caso do conjunto de datações absolutas em análise (Q-AM85B2b, Q-2496, Q-2497, ICEN- 273, LU-2769, LU-2770, Q-2495, Q-2493, ICEN-146, ICEN-150, ICEN-278, ICEN-277, Q-2492), considera-se este problema pouco relevante, uma vez que estas terão sido realizadas por análise convencional, implicando a necessidade de amostras relativamente grandes de conchas, o que minora o impacto de eventuais exemplares de conchas envelhecidas que possam existir. No entanto, as datações de amostras de conchas de reduzido tamanho poderão ser mais facilmente afectadas por este efeito de envelhecimento.

Para o Cabeço do Pez (Q-2496, Q-2497), Vale de Romeiras (ICEN-146, ICEN-150) e Cabeço do Rebolador (ICEN-278, ICEN-277), foram obtidas, para cada sítio, datações sobre duas amostras de conchas provenientes dos “níveis médios” das escavações de M. Heleno (Arnaud, 2000), opção que se destinaria à aquisição de uma maior confiança nos resultados. De uma forma aproximada, os intervalos de datas obtidos dentro de cada sítio são genericamente coincidentes, mas em alguns casos – como no Cabeço do Pez – apresentam uma grande dimensão. Por outro lado, não se conhecem com precisão os contextos a que estas amostras estavam associadas, nem se sabe que organismos foram datados.

A ausência de valores do efeito de reservatório estuarino calculados especificamente para os vários concheiros sadinos, com excepção de Vale de Romeiras, tem, também, implicações na calibração das datas realizadas sobre amostras de esqueletos humanos. Ainda assim, do conjunto de material proveniente de intervenções arqueológicas antigas, os esqueletos humanos preservados in situ deverão constituir as amostras mais seguras para serem datadas. Os esqueletos, quando se encontram articulados e bem conservados, testemunham uma acção antrópica clara, que consiste na deposição do morto, maioritariamente ocorrida, segundo os desenhos de campo publicados ou esquematizados (Santos, 1985; Arnaud, 1989, 2000; Araújo, 1995-1997; Marchand, 2001), sob os níveis conquíferos, em níveis de areias brancas ou cortando a rocha-base. A sua deposição individual consiste, pois, numa única unidade de acção, constituindo o esqueleto uma amostra de vida curta, directamente relacionada com a actividade humana – em concreto, a utilização do sítio enquanto espaço funerário. Não obstante, o conjunto de amostras de osso humano datadas dos concheiros do vale do Sado é reduzido, sendo estas apenas quatro, provenientes de Amoreiras (Beta-125110), Cabeço do Pez (Beta-125109 e Sac-1558), Arapouco (Sac-1560) e Poças de S. Bento (UA-425). Quanto ao crânio datado de Poças de S. Bento, encontrado nas intervenções dos anos 1980, desconhece-se qual seria a sua posição

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estratigráfica exacta, embora este tenha sido associado ao esqueleto XI descoberto nas escavações de M. Heleno, por razões não totalmente esclarecidas (Larsson, 2010, p. 34).