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Processos de formação dos concheiros do Sado

4. Entre a tecno-tipologia lítica e a cronometria no Mesolítico final do vale do Sado

4.3. As análises de radiocarbono dos concheiros do Sado

4.3.1. Processos de formação dos concheiros do Sado

Segundo J. Arnaud, a formação dos concheiros do Sado ter-se-á dado sobretudo no 6º e no primeiro quartel do 5º milénio a.C. (Arnaud, 2000, p. 29). Contudo, segundo este, o processo de formação destes sítios – “… em área e não em altura, mais por justaposição do que por sobreposição de depósitos…” (ibidem, p. 32) - coloca dificuldades na afinação dos parâmetros cronológicos de cada concheiro, a não ser que, a seu ver, sejam realizadas datações sobre amostras recolhidas, de forma sistemática, de vários montículos de conchas e de todos os esqueletos humanos subjacentes.

Parece claro, através dos dados das sucessivas intervenções de campo, que estes sítios não são apenas formados por depósitos de conchas - toda a restante estratigrafia necessita de ser entendida, incluindo os processos tafonómicos. Se é um facto que os concheiros do Sado não são constituídos por depósitos conquíferos massivos, mas antes, montículos de conchas com uma reduzida espessura e que surgem dispersos em área, torna-se necessário considerá- los como unidades estratigráficas distintas e entender “a sua própria história”, independentemente da sua periodização. Não bastando apenas datar os montículos, é primordial delimitá-los devidamente e entender as suas relações estratigráficas com os restantes depósitos – o que torna necessárias escavações em áreas suficientemente amplas.

Para G. Marchand, para além dos problemas inerentes às amostras datadas, são notórias as dificuldades de a cronologia absoluta percepcionar eventos pontuais nos contextos conquíferos, quer do Tejo, quer do Sado (Marchand, 2001, p. 70). De facto, a utilização de datações por radiocarbono pode não ser suficientemente precisa para distinguir diferenças temporais entre vários depósitos no mesmo sítio, em particular se estes forem temporalmente próximos (Stucki, 1993, p. 125). Embora não sejam situações exclusivas de concheiros, B. Stucki defende, a partir da sua experiência de escavação de um concheiro no abrigo de Hoko River, Washington, que tendo em conta a complexidade da estratigrafia deste tipo de sítios, os arqueólogos devem privilegiar a escala temporal estratigráfica para correlacionar áreas de actividade:

“Deposits in complex, stratified sites do not accumulate following a unilinear sequence.

Instead, activities may take place in several locations in the site. Some of these activities may overlap in time. Where there is such a complex pattern of site use, there are many threads of relative time. (…)

The succession of areas of activity cannot be inferred directly from a multilinear sequence. This is because deposits from adjacent areas are not directly superimposed. Therefore, to establish a chronology of site use, the archaeologist must first determine the degree of

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correspondence in the stratigraphic position of different areas of activity.” (Stucki, 1993, p.

125).

Vários autores referem que os concheiros do Tejo e do Sado terão sido formados durante pouco mais de um milhar de anos (Marchand, 2001, p. 70; Cunha, Cardoso e Umbelino, 2003, p. 185). A respeito dos montículos de conchas de Amoreiras, J. Arnaud afirma que cada um destes deverá ter correspondido “… a uma ocupação sazonal, de duração limitada…” (Arnaud, 1986, p. 81). L. Larsson defende uma provável acumulação rápida dos montículos do concheiro de Poças de S. Bento, tendo em conta a sua reduzida espessura e extensão e a irregularidade do seu topo (Larsson, 1996, p. 126). Refere, especificamente, que as datas de radiocarbono permitem afirmar que este sítio foi usado por poucos séculos, entre 6100 e 5800 a.C. (idem, 2010, p. 41). No entanto, as opiniões sobre a duração da formação dos concheiros carecem de confirmação estratigráfica e de séries de datas absolutas, a partir de amostras devidamente contextualizadas, por cada sítio. Em Muge, as oito datações calibradas sobre ossos humanos dos enterramentos do Cabeço da Arruda (Beta-127451, TO-10216, TO- 360, TO-354, TO-359a, TO-355, TO-10217, TO-356) permitiram afirmar que este complexo terá tido uma duração possivelmente superior a um milénio (Martins, Carvalho e Soares, 2008, p. 81). No caso dos concheiros do Sado, não há, efectivamente, um escrutínio de datas com tal abundância e rigor que permita sustentar as hipóteses referidas sobre a duração das ocupações. Se, em alguns casos, o início da ocupação dos sítios pode estar marcado por enterramentos humanos no substrato ou nas areias sobrejacentes durante o Mesolítico final – mas poucos são os esqueletos datados – os restantes episódios que fazem parte da formação dos concheiros encontram-se mal caracterizados. As análises da micro-morfologia dos depósitos, que se encontram em curso no âmbito do projecto SADO-MESO, poderão contribuir para o conhecimento dos processos e a velocidade de formação destes depósitos.

A presença pontual de cerâmicas e outros artefactos de diversas cronologias nos concheiros do Sado mostra que estes são contextos particularmente dinâmicos do ponto de vista estratigráfico e cultural, susceptíveis de terem sido alvo de ocupações diversificadas em termos cronológicos e culturais, bem como de perturbações estratigráficas, as quais, com frequência, não se resumiriam às camadas superficiais. L. Larsson refere a presença de trapézios sobre lâmina em níveis inferiores de Poças de S. Bento (Larsson, 2010, p. 41). Menciona, também a descoberta de um crânio humano, que, segundo o autor, pertenceria ao esqueleto XI das escavações de Heleno, enterrado, de acordo com a documentação gráfica, nas areias da base do concheiro. No entanto, a data apresentada – UA-425: 5390±110 BP (ibidem, p. 34) – aponta para um indivíduo de cronologia pós-mesolítica (4447-3982 cal BC, a 2σ). Existe, também, referência a uma mó encontrada in situ num dos níveis superiores do

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sítio do Cabeço do Pez (intervenções de 1983), que atestaria, segundo J. Arnaud, uma ocupação pós-mesolítica após a formação dos níveis conquíferos (Arnaud, 2000, p. 28). Porém, esta é difícil de precisar em termos cronológicos, apesar da presença de fragmentos cerâmicos atribuíveis ao Neolítico médio, no mesmo nível, referida pelo autor.