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Características do mercado de trabalho brasileiro e o desemprego

TRABALHO E POLÍTICAS SOCIAIS ATIVAS NA CONTEMPORANEIDADE

PROTEÇÃO SOCIAL, TRABALHO E EMPREGO NO BRASIL

1. O SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRO E SEUS VÍNCULOS COM O TRABALHO E O EMPREGO

1.2. Características do mercado de trabalho brasileiro e o desemprego

Compreender os contornos históricos da formação do mercado de trabalho brasileiro contribui para se entender as caracterísiticas que conformam o seu perfil atual. Segundo Theodoro (2005), a ação estatal teve um papel determinante nessa formação, uma vez que a transição do trabalho escravo para o trabalho livre foi feita via intervenção direta e decisiva do Estado. Com a economia inicialmente baseada na escravidão, um contingente de trabalhadores “livres e libertos”, fora do binômio senhor-escravo, se constituia, realizando trabalhos ocasionais e atividades de subsistência. Conforme Kowarick (1994), criava-se assim os desclassificados da sociedade brasileira. Com o fim da escravidão, essa força de trabalho nacional disponível não ocupou, segundo Theodoro (2005), os postos de trabalho liberados pelos escravos, por se acreditar que não se adaptariam ao trabalho assalariado regular e pela dificuldade em recrutar essa mão-de-obra, dispersa em vastas áreas territoriais. Lança-se mão do artifício da imigração subvencionada, financiada em parte pelo governo, permitindo a chegada em massa de trabalhadores europeus em substituição da mão-de-obra escrava. Alcança-se assim outro objetivo, o de “branqueamento da nação”, conforme Lamounier apud Theodoro (2005). Entretanto, a transição para o trabalho livre no país não se desenvolveu de forma homogênea, considerando as diferenças regionais significativas, iniciando pelos centros mais dinâmicos da economia. Essa passagem da escravidão ao trabalho livre, conforme Theodoro, faz parte de um processo mais amplo de reestruturação econômica e social do país, e de um aprofundamento da inserção da economia brasileira no contexto mundial.

O mercado de trabalho no Brasil, no sentido clássico do termo, que pressupõe a existência do trabalho livre, foi “criado” por intermédio da ação estatal pela abolição da escravidão, e foi moldado por uma política de imigração, favorecida por taxações e subvenções, em detrimento da mão-de-obra nacional. Este mercado de trabalho nasceu, assim, dentro de um ambiente de exclusão para com uma parte significativa da força de trabalho. Criando assim o trabalho livre, o Estado criou também as condições para que se consolidasse a existência de um excedente estrutural de trabalhadores, aqueles que serão o germe do que se chama hoje “setor informal” (Theodoro, 2005, p. 105).

Apenas nos anos 1930 tem inicío a efetiva regulamentação do trabalho e do mercado de trabalho no Brasil. No período caracterizado pelo crescimento, modernização e urbanização, ocorridos no país entre aos anos 1930 e 1970, ocorre a a consolidação da economia nacional integrada, com a unificação do mercado consumidor e a intensificação da migração interna em direção às regiões mais ricas e desenvolvidas, concentrando a população nessas áreas. De acordo com Theodoro (idem), com o fim da corrente migratória de origem européia, são os trabalhadores nacionais, sobretudo os que provêm do Nordeste, que farão face às necessidades da indústria crescente. Segundo Kowarick (1994, p. 115) “a absorção dos nacionais – inclusive os negros e mulatos – iria se efetuar quando os novos e dinâmicos setores da economia urbana, a partir de 1930, necessitaram também de trabalhadores”. E foi o que aconteceu.

Conforme Theodoro, o assalariamento, no sentido dado por Castel (1995), teria se estabelecido no Brasil a partir dos anos 30; porém, apenas para uma parte e não para a totalidade da força de trabalho. “O assalariamento responderá pela constituição de uma força de trabalho estável e disponível para o capital, possibilitando, o desenvolvimento de uma indústria relativamente pujante. Entretanto, ele não se generaliza, fica circunscrito a frações, ainda que importantes, da força de trabalho” (2005, p. 110). As ações do Estado, no campo da política de emprego, restrigiam-se à ação de qualificação profissional, estando ausentes quaisquer medidas de proteção contra a situação de desemprego.

Apesar de a economia brasileira, no final dos anos 70, estar entre as maiores economias do mundo capitalista, esse crescimento econômico não foi suficiente para absorver toda a mão-de-obra existente. No fim desse período, havia no

Brasil uma grande concentração de subemprego nas áreas urbanas. Portanto, o período entre 1930 e 1980 reuniu, segundo Theodoro, algumas características importantes para compreender a evolução do mercado de trabalho brasileiro. Dentre essas, inclui-se a significativa migração rural em direção às cidades, resultando na forte concentração da população e o processo de urbanização caracterizado pela concentração da pobreza nas maiores cidades, sobretudo nas regiões metropolitanas. Surge, assim, um excedente estrutural de mão-de-obra ativa que não consegue ser inteiramente absorvido pela dinâmica de expansão da economia brasileira, necessitando criar meios alternativos de sobrevivência à margem dos mercados de produção e de consumo modernos.

Com a proliferação das favelas, a população pobre se engaja em atividades precárias, especialmente no pequeno comércio e nos serviços, como o comércio ambulante, os serviços pessoais, o trabalho doméstico, os serviços de reparação e de renonação de imóveis, etc, os quais vão absorver um contingente significativo da força de trabalho urbana, excluída da proteção social advinda do assalariamento.

Os anos recentes, entre 1980 e 2000, incluem aqueles da chamada “década perdida”, período em que as taxas de crescimento se reduziram e o país enfrentou uma crise econômica prolongada, resultado de problemas estruturais como o aumento da inflação, o crescimento das dívidas interna e externa e a elevação das taxas de juros, causando a queda dos investimentos e a recessão. Além dos aspectos econômicos, durante os anos 1980, houve o aprofundamento de tendências estruturais, como a urbanização, o crescimento da população urbana e o aumento das migrações internas. Nas cidades se concentrou um contingente de pobres e desempregados. Segundo Cardoso Jr. (2000), é desse período as mudanças no padrão de estruturação do mercado de trabalho brasileiro, refletindo no perfil setorial das ocupações urbanas localizadas no terciário (comércio e serviços) e no alargamento dos segmentos considerados não-organizados do mercado de trabalho (trabalhadores sem carteira assinada, pequenos empregadores e trabalhadores por conta própria).

Nos anos 1990, o aumento da informalidade, do desemprego e a redução percentual de trabalhadores protegidos pela legislação – a chamada precarização do trabalho – aparece como a marca mais importante. Para Cardoso Jr. (2000), os anos 90 marcam a desestruturação do mercado de trabalho brasileiro

A ação do Estado, segundo Theodoro (2005), e as políticas de emprego, contudo, privilegiam a parcela da força de trabalho engajada no setor formal, ampliando as desigualdades entre a mão-de-obra protegida e aquela afeta à informalidade. A marca da ação estatal sobre o mercado de trabalho esteve sempre pautada pela idéia do crescimento econômico como única política de emprego relevante. Apesar de o Estado ter forjado as bases da organização do assalariamento no país, esse não se universalizou, ficando uma parte significativa da força de trabalho dele excluída, sem uma efetiva ação do Estado no sentido de combate às desigualdades. O que se instituiu foi uma “gestão da pobreza” que produziu no máximo uma modernização sem mudanças.

O mercado de trabalho brasileiro então, caracteriza-se por ser segmentado, estruturalmente heterogêneo e desigual já em seu nascedouro, com feições de um mosaico que se compõe do novo e do arcaico, de acordo com Theodoro (2005). Essa desigualdade intrínseca tem a marca da urbanização acelerada e acompanhada de forte concentração da pobreza; das diferenças de renda e de acesso ao emprego, em função da origem racial e da existência de um setor informal de dimensões significativas (idem, p.121). Considerando essas características, uma análise do sistema público de emprego no país, a fim de compreender as políticas ativas e passivas existentes e suas ações diante do mercado de trabalho, realizarse-á no próximo item.