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CAPÍTULO 2 – O TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

2. Características dos direitos fundamentais

Ao afirmar-se que o direito ao trabalho ou que a proteção ao trabalho da mulher são direitos fundamentais, tal assertiva é verdadeira na mesma medida em que se demonstra que o direito do trabalho tem as características essenciais de direitos humanos positivados. Logo, é importante apontar quais as características dos direitos fundamentais para esclarecer seu significado e orientar a sua interpretação no sentido de obtenção de máxima eficácia, bem como para comprovação e identificação do direito ao trabalho dos homens e das mulheres como um direito fundamental.

Como bem distingue Romita, os direitos fundamentais não são inerentes a cada pessoa, e esclarece “o que é inerente é a dignidade, esta sim é o fundamento dos direitos fundamentais. O que se discute é se os direitos fundamentais são inerentes a cada pessoa. Não são: são um produto histórico”.152

De plano, tem-se aqui uma característica elementar do direito do trabalho que autoriza considerá-lo como direito fundamental, pois é inegável que a origem do direito do trabalho é dialética e fruto do processo histórico, como demonstrado em capítulo anterior.

O conteúdo dos direitos fundamentais pode variar de uma sociedade para outra, porém é possível atestar a existência de um mínimo de direitos que atualmente é universalmente reconhecido. Assim, alguns documentos internacionais declaram direitos de todos os cidadãos universalmente, como a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 26.08.1789 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. A Declaração de Direitos Humanos de Viena - Convenção de Viena - de 1993 declara que “Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, independentes, e inter-relacionados”.153

152

ROMITA, Arion Sayão. op. cit., p. 79 153

Como assevera Flávia Piovesan, fala-se em universalidade porque os direitos humanos clamam pela extensão universal, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos.154

Ainda, pela universalidade dos direitos humanos, tem-se que a proteção aos direitos humanos não deve ser reduzida ao domínio reservado do Estado ou exclusivamente à competência nacional ou doméstica, porque revela legítimo interesse internacional, o que demonstra uma revisão do atual conceito de soberania e a solidificação do cidadão como sujeito de direito na esfera internacional.155

Evidente que este avanço das normas internacionais ganhou força após os horrores da II Grande Guerra em que os Estados foram grandes violadores dos direitos de seus próprios cidadãos, como a lógica nazista de descartar seres humanos.

Neste aspecto, o direito do trabalho é cada vez mais universal, com especial atenção pela comunidade internacional, e assim vem sendo tratado desde a criação da OIT, que tem atuado há décadas para universalização de padrões mínimos de tratamento digno aos trabalhadores. Neste sentido, é universal que o valor social do trabalho, que constitui em um meio de conferir dignidade às pessoas, para que possam suprir suas necessidades básicas mais elementares e inserirem-se socialmente.

Além da universalidade, os direitos fundamentais têm como segunda característica, a indivisibilidade e a interdependência. A dignidade da pessoa humana é indivisível, se privados das liberdades públicas, não há que se falar em gozo de direitos econômicos e sociais. Inversamente, o sujeito que não tem os mínimos direitos econômicos e sociais tem inviabilizada sua liberdade e igualdade. Um direito fundamental só encontra realização plena se os demais direitos fundamentais forem respeitados.156 Somente a efetivação dos direitos econômicos e sociais pode assegurar o gozo dos direitos civis e políticos, mas sem estes últimos os direitos sociais também não tem significado.157

154 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica, e integração regional: desafios do direito

constitucional / coordenação Flávia Piovesan. – São Paulo: Max Limonad, 2002, p.41 155

Ibid., p.42-43 156

ROMITA, Arion Sayão. op. cit., p. 79

157 No mesmo sentido, Flávia Piovesan cita a assertiva de Hector Gros Spiell que “(...) só reconhecimento

integral de todos estes direitos pode assegurar a existência real de cada um deles, já que sem efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais (...)(in Los derechos económicos, sociales y culturales em el sistema interamericano, San José: Libro Livre, 1986, p. 16 – 17) PIOVESAN, Flávia. op. cit., p.41

Como se vê não se pode falar em direitos fundamentais sem falar dignidade da pessoa humana, valor universal e indissociável das garantias civis básicas, como o direito a igualdade, a liberdade, ao trabalho, entre outros. A interdependência dos direitos humanos reside no fato do ser humano estar economicamente e socialmente integrado, não se podendo admitir igualdade sem liberdade ou a liberdade sem igualdade.

Fato é que humanidade tem caminhado muito no sentido de conferir, cada vez mais, proteção e garantias aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, mas a proteção ao direito das trabalhadoras não é universalmente aplicado em todos os países, sobretudo, por fatores culturais e religiosos.

Mesmo no Brasil, que atualmente faz um esforço – ao menos formalmente -para integração das mulheres em condições de igualdade no mercado de trabalho, há pouco tempo (antes da Constituição de 1988 e do Código Civil de 2002), dava um tratamento jurídico desigual às mulheres, como se fossem seres de segunda classe, a exemplo de algumas condições de trabalho da mulher previstas na CLT, o que será discutido em tópico específico.

Outra característica dos direitos fundamentais é a internacionalização ou transnacionalidade, na medida em que tende a alcançar um número crescente de Estados, sobretudo, após a II Grande Guerra, de forma que os três processos de evolução histórica podem ser identificados na consagração dos direitos humanos, segundo salienta Noberto Bobbio: conversão em direito positivo, generalização, internacionalização.158

Ou seja, há uma tendência atual de consagração internacional dos direitos humanos, que dá origem a uma consciência universal sobre o valor e a necessidade dos direitos fundamentais, e a idéia de que eles prescindem de fronteiras e congregam toda humanidade é algo que tende a desenvolver-se cada vez mais.

Todavia, em certas correntes extremistas, bem como no Islã, ainda há oposições a diversos grupos de direitos, notadamente, uma oposição ao reconhecimento dos direitos à igualdade entre homens e mulheres; ao direito de mudar de religião; e o respeito à integridade do corpo humano. Estas oposições tem fundamento no Corão (surata III, vers. 101; surata IV, vers. 38; surata IX, vers. 29).159

158

ROMITA, Arion Sayão. op. cit., p.91 159

Neste sentido, Odete Queiroz, adverte que, apesar das inúmeras diferenças culturais entre o mundo oriental e ocidental, se o objetivo a ser alcançado será sempre o mesmo, o relativismo cultural não pode servir de escusa para conivência com as violações de direitos já consagrados irrestritamente no mundo todo.160

O Tribunal de Nuremberg, em 1945-1946, significou importante incentivo para a internacionalização dos direitos humanos. Ao final da Segunda Guerra, após debates sobre como responsabilizar os alemães pela guerra e pelas atrocidades cometidas, os aliados chegaram ao consenso de que deveria ser convocado um Tribunal Militar Internacional para julgar os criminosos de guerra, sendo considerados sob jurisdição do Tribunal todos os crimes contra a paz; crimes de guerra, crimes contra humanidade, nos termos do art. 6ª do Acordo de Londres.161

A historicidade também é uma característica dos direitos fundamentais, conforme já salientado anteriormente, pois estes, segundo Flávia Piovesan, citando Hannah Arendt (in As origens do Totalitarismo) não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução.

O século XX foi marcado por duas guerras mundiais e pelo horror absoluto como um projeto político e industrial. É nesse cenário que se desenha o esforço de reconstrução dos direitos humanos. Se a Segunda Guerra foi a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar a reconstrução.162 Neste sentido, em 10.12.1948, foi aprovada a Declaração

Universal dos Direitos Humanos, como marco maior do processo de reconstrução dos direitos humanos.

Por fim, outra característica dos direitos fundamentais é unidade, como explica Piovesan. Até 10.12.1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a história demonstra uma dicotomia entre direito à liberdade e o direito à igualdade, como, por exemplo, a Declaração Francesa de 1789 e Declaração Americana de 1776, que traziam uma ótica liberal e contratual, reducionista dos direitos humanos, sob influência de Locke,

160

QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Prisão civil e os direitos humanos. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.74-75

161

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 134-135.

162

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica, e integração regional: desafios do direito constitucional / coordenação Flávia Piovesan. – São Paulo: Max Limonad, 2002, p.41

Montesquieu e Rousseau, em contraposição ao Absolutismo. 163 Já a Declaração dos Direitos

do Povo Trabalhador e Explorado da antiga República Soviética, de 1917, traz um discurso social com influências maxista-leninista, transitando-se para o primado da igualdade em vez de liberdade, como igualmente observa-se na Constituição Mexicana de 1917 e de Weimar em 1919.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, portanto, rompe esta dicotomia e traz o sentido de unidade para valores de liberdade e igualdades, razão pela qual, segundo Piovesan, a geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage, o que afastaria o equívoco de que haveria uma sucessão de gerações de direitos, ao contrário, o que há é uma complementariedade e uma dinâmica de interação, pois os direitos humanos são uno e indivisíveis.164

Trançando-se um paralelo sobre a evolução dos direitos fundamentais e do Estado Democrático de Direito, como o desenvolvimento do direito do trabalho, conclui-se que a evolução do direito do trabalho está intrinsecamente ligada ao reconhecimento dos direitos fundamentais, como direitos humanos positivados. Logo, deve ser feita uma breve abordagem quanto às características do direito trabalho, que o identifica, também, como direito fundamental o que se pretende desenvolver no tópico a seguir.

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