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O direito ao trabalho como direito fundamental

CAPÍTULO 2 – O TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

3. O direito ao trabalho como direito fundamental

Pois bem, como foi visto em itens anteriores, no decorrer do processo evolutivo, o trabalho sempre foi inerente à condição humana, sendo base para existência e sobrevivência humana, desde antiguidade até os dias atuais. Todavia, o que história demonstra as modificações na forma de exploração do trabalho humano, desde o sistema de escravidão da antiguidade, passando-se pela servidão e corporações de ofício no feudalismo, até o trabalho “livre” e subordinado do capitalismo.

Neste sentido, conforme já discutido, no Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais dos trabalhadores são fundados na dignidade da pessoa humana, nas suas dimensões jurídica, política e econômica, pois os trabalhadores são sujeitos de direito na ordem social, protegidos os atributos da personalidade de um ser humano, pois vedado em

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IDEM. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonada, 2000, p. 143- 144.

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nosso ordenamento jurídico o domínio de uma pessoa sobre a outra (decorrência elementar do direito a liberdade).

Ademais, a dimensão política dos direitos fundamentais dos trabalhadores qualifica-os como seres humanos partícipes e fim do Estado, de modo que as relações de coordenação entre os trabalhadores individualmente, bem como a relação de subordinação destes com Estado, pressupõem deveres e direitos recíprocos.

Neste sentido, o Estado deve fixar, estabelecer e fiscalizar as condições humanas de acesso e permanência no mercado de trabalho, não intervir na liberdade de associação e organização coletiva dos trabalhadores, e promover a justiça e paz social entre todos os atores que atuam neste palco: trabalhadores, sindicatos e empregadores.

No tocante a dimensão econômica dos direitos fundamentais dos trabalhadores, vale lembrar que a economia deve estar serviço do ser humano, para satisfazer a necessidade de todos, e não o ser humano a serviço da economia.

Neste diapasão é que mecanismos de proteção a dispensa coletiva e em massa de trabalhadores devem ser criados pelo Estado, a liberdade sindical e autonomia privada coletiva devem ser prestigiadas, como forma de proteger os direitos fundamentais dos trabalhadores das regras do liberalismo, que conforme demonstrado anteriormente, representaram a miséria e a fome de massas de trabalhadores no ainda recente século XIX.

Conforme também foi afirmado, o trabalho está intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana como algo inalienável, porque é por meio do trabalho que o ser humano realiza e faz uso das riquezas e aperfeiçoa a personalidade, devendo as melhorias dos sistemas produtivos, virem acompanhadas de melhorias da dignidade moral e material dos trabalhadores.

Neste sentido, Yara Gurgel afirma que a dignidade humana, como base ética da sociedade moderna, é valor absoluto e qualidade inerente a todo ser humano. Não há seres humanos com mais ou menos dignidade, todos têm igual valor e possuem idêntica proteção jurídica.165

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GURGEL, Yara Maria Pereira. Direitos Humanos, princípio da igualdade e não discriminação: sua aplicação às relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 31

O trabalho humano deve ser tutelado como direito fundamental na medida em que não se trata de coisa, de algo tangível, passível de substituição, troca, dação, comercializado como mercadoria, pois não se admite mais a escravidão, conforme Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 166; mas se trata de energia passível de ser sim explorada, mas em condições dignas, isto é com observância de regras e princípios que garantam o direito a igualdade e à liberdade.

Isto pode parecer óbvio, mas nem sempre o foi, pois a evolução passo a passo do direito do trabalho, especialmente, da proteção ao trabalho da mulher, demonstra que as condições desiguais sempre existiriam, e pior, ainda nos dias atuais as mulheres não têm a mesma condição de igualdade que os homens no mercado de trabalho no Brasil, segundo pesquisas recentes do IBGE, citadas na introdução167.

Ademais, não custa lembrar, por exemplo, que somente em 1984, com a publicação da Lei 7.189, de 04 de junho de 1984, houve uma inversão da regra geral do artigo 379 da CLT, que passou a ser a permissão do trabalho noturno da mulher, salvo na indústria.

Como se vê, há cerca de 30 anos, o padrão normativo de “proteção” ao trabalho da mulher ainda era eivado de vícios paternalistas e machistas, pois consideravam culturalmente ou moralmente que mulher fosse um ser inferior aos homens, sendo o trabalho noturno algo não honroso para uma “mulher honesta”.

Para quem entenda que isto está ultrapassado, basta analisar as discussões sobre a recepção ou não do artigo 384 da CLT em nossos Tribunais. Não é possível deixar de observar, antecipadamente, que é evidente que o artigo 384 da CLT traz um texto retrógrado (que tem o condão de proteger de forma diferenciada a mulher em relação ao homem), e assim o fez o legislador porque tinha um “conceito” de inferioridade da mulher, não apenas em relação à sua fisiologia, mas inferior socialmente, culturalmente e moralmente, lembrando

166 (...)

“Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.” Fonte: Sítio oficial do Ministério da Justiça na internet -

http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm – (Acesso: 09.10.2011 21h37min)

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FONTE: Sítio oficial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE – na internet -

http://www.ibge.com.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/retrospectiva2003_2010.p df – ( Acesso 27/07/2011 às 22h22min)

que naquela época o homem era o “chefe de família” a quem a legislação civil atribuía o “pátrio poder”.

Entranho não é o legislador da década de 40 ter redigido esta norma, mas alguns entendimentos recentes da Justiça do Trabalho, que, sempre com intuito de proteger, discriminam a mulher.

É verdade que após a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro 1988, a condição jurídica mulher no Brasil passa, definitivamente, a outro patamar, que há tempos era tão almejado socialmente, sendo expresso no inciso I do artigo 5º que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Mas historicamente e socialmente estas modificações são incipientes, pois não houve tempo suficiente para uma mudança cultural e efetiva do tratamento dado aos direitos humanos em relação às mulheres.

Sem dúvida, o comando do artigo 5º, inciso I da Constituição Federal de 1988 marca o início de uma nova era dos direitos e obrigações das mulheres, não apenas no trabalho, mas um era da mulher na sociedade e a ratificação do novo papel da mulher na nova ordem jurídica brasileira.

Não há dúvidas de que o direito ao trabalho é uma das facetas dos direitos humanos, bem como de que o valor social do trabalho da mulher deve ser tutelado como direito fundamental, pois guarda todas as características supracitadas, sendo o trabalho um direito social e econômico universal, uno, indivisível, inter-relacionado, internacional, e histórico.

Todavia, é preciso que o legislador e os aplicadores da Lei sejam cautelosos, deixem seus conceitos e preconceitos de lado, e enxergue na mulher um ser humano forte, capaz, e que só precisa de condições iguais para concorrer no mercado de trabalho, não de excessos protecionistas, como erroneamente foi feito ao longo de décadas no Brasil.

Como dispõe o item I da Declaração da Filadélfia de 10 de maio de 1944168 e o

artigo XXIII, itens 1 a 4 da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e

168 (...)

“A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia na sua vigésima sexta sessão, adopta, neste décimo dia de Maio de 1944, a presente Declaração dos fins e objetivos da Organização Internacional do Trabalho, bem como dos princípios nos quais se deveria inspirar a política dos seus Membros.I

proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, trabalho não é mercadoria e os homens e mulheres devem ser tratados com igualdade e respeito.169

No ordenamento jurídico brasileiro não faltam normas que elevem o direito ao trabalho ao patamar de direito fundamental, tais como, por exemplo, art. 1º, III, IV; art. 3º, III; art. 5º, I, II, XIII; art. 7º, I a XXXIV; art. 8º, I a VIII; art. 170, VII e VIII, todos da Constituição Federal.

Conforme demonstrado, a evolução do direito do trabalho e, sobretudo, da proteção ao trabalho da mulher é fruto de um processo dialético, com avanços passo a passo e nuances no decorrer do momento econômico, político e social do Estado, de forma que o direito ao trabalho representa social e economicamente um direito fundamental de qualquer cidadão de produzir riquezas, bens ou serviços, e pode, assim, sustentar a si próprio e sua família, de forma digna e respeitosa, e permitir que possa livremente gozar de suas liberdades civis.

Como todo processo histórico, o papel da mulher no mercado de trabalho ainda sofre altos e baixos, erros e acertos, e nem sempre as proteções legais conferidas às mulheres efetivamente são mecanismos de proteção, mas de discriminação, como se destaca o artigo 384 da CLT. Outras vezes, os mecanismos legais de proteção ao trabalho da mulher são

A Conferência afirma novamente os princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização, isto é:

a) o trabalho não é uma mercadoria; (grifos nossos)

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante; c) a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidadede todos;

d) a luta contra a necessidade deve ser conduzida com uma energia inesgotável por cada nação e através de um esforço internacional contínuo e organizado pelo qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, colaborando em pé de igualdade com os dos Governos, participem em discussões livres e em decisões de carácter democrático tendo em vista promover o bem comum.” (grifos nossos)

Fonte: Sítio oficial da Organização Internacional do Trabalho – OIT – em Portugal na internet -

http://www.ilo.org/public/portugue/region/eurpro/lisbon/pdf/constitucao.pdf - (Acesso em: 09.10.2011 às

21h51min)

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(...) “Artigo XXIII

1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. (g.n)

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. (g.n)

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.”

Fonte: Sítio oficial do Ministério da Justiça na internet -

meramente formais, e não trazem resultados práticos para efetivação da igualdade de oportunidades e condições de trabalho (artigo 396 da CLT).

Em razão destas distorções, no próximo capítulo, será feita uma análise das normas de proteção ao trabalho da mulher no plano constitucional e infraconstitucional, à luz dos princípios do direito do trabalho.

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