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CARACTERÍSTICAS E PRERROGATIVAS

No documento Defensoria pública (páginas 38-44)

3. DEFENSORIA PÚBLICA FEDERAL E ESTADUAL

3.2 CARACTERÍSTICAS E PRERROGATIVAS

Para a garantia efetiva de acesso à Justiça, faz-se necessário a existência de uma Defensoria Pública atuante. Sem uma instituição desta natureza, todo e qualquer preceito de igualdade de todos perante a lei não passa de letra morta, ou de reiteração de duas realidades: a formal e a realmente existente.

Esta constatação mais geral ganha especial relevo em um país que ostenta fortes indícios de desigualdades cumulativas, na renda, na educação, no desfrute dos bens sociais. Do desempenho da Defensoria Pública pode depender o rompimento de múltiplas exclusões, concretizando-se a igualdade legal e os mecanismos de inclusão social (SADEK, 2006, p. 19).

Desta forma, os esforços no sentido de contribuir para a criação e a implementação de políticas públicas que visem à institucionalização e o fortalecimento das Defensorias Públicas devem ser valorizados.

De acordo com a ANPAF (2009), são 10 as principais características da Defensoria Pública:

1 - Prestar, de forma descentralizada, assistência jurídica integral a pessoas carentes, no campo judicial e extrajudicial;

2 - Defender os interesses difusos e coletivos das pessoas carentes; 3 - Assessorar juridicamente, por meio de núcleos especializados, grupos, entidades e organizações não-governamentais, especialmente aquelas de defesa dos direitos humanos, do direito das vítimas de violência, das crianças e adolescentes, das mulheres, dos idosos, das pessoas portadoras de deficiência, dos povos indígenas, da raça negra, das minorias sexuais e de luta pela moradia e pela terra;

4 - Prestar atendimento interdisciplinar realizado por defensores, psicólogos e assistentes sociais. Estes profissionais também devem ser responsáveis pelo assessoramento técnico aos defensores, bem como pelo acompanhamento jurídico e psicossocial das vítimas de violência;

5 - Promover a difusão do conhecimento sobre os direitos humanos, a cidadania e o ordenamento jurídico;

6 - Promover a participação da sociedade civil na formulação do seu Plano Anual de Atuação, por meio de conferencias abertas a participação de todas as pessoas;

7 - Implantar OUVIDORIA independente, com representação no Conselho Superior, como mecanismo de controle e participação da sociedade civil na gestão da Instituição;

8 - Estabelecer critérios que, no concurso de ingresso e no treinamento dos defensores, realizado durante todo o estágio

confirmatório, garantam a seleção de profissionais vocacionados para o atendimento qualificado as pessoas carentes;

9 - Ter autonomia administrativa, com a eleição do Defensor Público Geral para mandato por tempo determinado;

10 - Ter autonomia orçamentária e financeira conforme estabelecido na Reforma do Judiciário.

De acordo com Pereira e Fensterseifer (2009), a exclusão da Defensoria Pública do rol dos entes legitimados, notadamente para a hipótese dos direitos difusos, segue o caminho inverso do ideal democrático-participativo e da ampliação do acesso à justiça, pois pretende concentrar, e não descentralizar, tal “poder” de intervenção judicial em questões atinentes a direitos difusos. Tal descentralização do “poder” para o ajuizamento da Ação Civil Pública, por exemplo, é salutar à manutenção das bases democrático-participativas que alicerçam axiologicamente os instrumentos processuais de tutela coletiva e o sistema processual coletivo como um todo.

Grinover (2009), em parecer ofertado na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.943,

Saliente-se, ainda, que a necessidade de comprovação da insuficiência de recursos se aplica exclusivamente às demandas individuais, porquanto, nas ações coletivas, esse requisito resultará naturalmente do objeto da demanda – o pedido formulado. Bastará que haja indícios de que parte ou boa parte dos assistidos sejam necessitados. E, conforme já decidiu o TRF da 2ª Região, nada há nos artigos 5º, LXXIV e 134 da CF que indique que a defesa dos necessitados só possa ser individual. Seria até mesmo um contrassenso a existência de um órgão que só pudesse defender necessitados individualmente, deixando à margem a defesa de lesões coletivas, socialmente muito mais graves.

De acordo com essa autora, ao fim e ao cabo, a exclusão da legitimidade da Defensoria Pública para manusear Ação Civil Pública na tutela de direitos difusos traria como consequência a vedação da sua atuação em matérias sensíveis e visceralmente atreladas à sua vocação constitucional, como é o caso de ações civis públicas movidas para assegurar a efetividade de direitos sociais, como é o caso, por exemplo, da saúde e da moradia.

Negar legitimidade à Defensoria Pública para tutela da ordem urbanística, direito difuso por excelência, é destituir a aplicabilidade das normas de ordem pública inseridas no Estatuto da Cidade que elencam a regularização fundiária e urbanização das áreas ocupadas pela população de baixa renda como diretriz geral

da política urbana, e permitem a tutela coletiva de uma “nova ordem urbanística popular” (SUNDFELD, 2002, p. 59-60). Nesse contexto, o asseguramento de condições mínimas de bem-estar (saúde, higiene, alimentação, etc.) no âmbito do sistema penitenciário também se enquadra no plano dos direitos sociais.

Convém frisar ainda, que o pleito judicial dos direitos sociais legitima-se em decorrência da hipossuficiência econômica ou organizacional dos indivíduos ou coletividade privada de tais direitos, o que conduz tais demandas de forma direta à atuação institucional da Defensoria Pública. O direito envolvido em tais questões, quando não se trata de uma demanda individual, toma a forma de um direito difuso, pois atende ao interesse de um grupo indeterminado de pessoas que fazem uso de tais serviços públicos essenciais.

Por exemplo, na hipótese de uma epidemia de dengue, imaginar que a Defensoria Pública não tenha legitimidade para tutelar a saúde pública é subverter a sua finalidade institucional consagrada pela Constituição, uma vez que o principal atingido por qualquer violação à rede pública de saúde e à saúde pública em si é o cidadão necessitado, que não pode valer-se da rede privada de serviços de saúde por falta de recursos econômicos (PEREIRA e FENSTERSEIFER, 2009).

Didier e Zaneti (2007, p. 218) ressaltam que uma interpretação restritiva da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública contraria os princípios da tutela coletiva. Não há que se falar, em sobreposição de atribuições entre o Ministério Público e a Defensoria Pública. Ambas as instituições públicas desempenham funções constitucionais de grande relevância no âmbito do sistema de justiça, sendo a Ação Civil Pública apenas um instrumento processual capaz de dar vazão e efetividade às suas vocações institucionais em termos de tutela de direitos.

Pereira e Fensterseifer (2009), acrescentam que uma questão colocada como entrave ao reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública para a Ação Civil Pública, em especial na tutela de direitos difusos, diz respeito à impossibilidade da individualização dos titulares do direito em questão e, por conta disso, a impossibilidade de identificar se as pessoas beneficiadas seriam pessoas necessitadas ou não, de modo a legitimar ou não a atuação da Defensoria Pública.

Com base no caso concreto, há sempre como identificar ou não a “pertinência temática” da Defensoria Pública para a propositura de

determinada ação civil pública na defesa de direitos difusos. Em termos gerais, deve prevalecer o entendimento de que a Defensoria Pública encontra-se perfeitamente legitimada a propor determinada Ação Civil Pública sempre que tal medida possa beneficiar pessoas necessitadas, mesmo que apenas potencialmente. Tal situação, por óbvio, não ocorreria em uma Ação Civil Pública proposta para tutelar os direitos de consumidores de carro importado, impondo-se obrigatoriamente a ilegitimidade da Defensoria Pública (PEREIRA e FENSTERSEIFER, 2009).

A “barreira” posta por entidades vinculadas ao Ministério Público à legitimidade da Defensoria Pública é uma “barreira” contra o acesso à justiça da população que mais dela necessita. As ações e defesas judiciais individuais, assim como a atuação extrajudicial, a mediação e prevenção de conflitos, a educação em direitos, entre outras práticas realizadas pelos Defensores Públicos são a essência de sua atuação.

A atuação da Defensoria Pública, em termos coletivos, possibilitará a transformação social e a inserção de tais pessoas no pacto político-constitucional delineado pela Constituição Federal de 1988. As entidades públicas encarregadas de tutelar interesses da mais alta relevância social no âmbito do sistema de justiça, como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública, devem somar esforços, e não procurar neutralizar a atuação um do outro.

Quanto as prerrogativas dos defensores públicos, essas não são privilégios, são sim, condições de exercício de uma função. Para melhor desempenhar as suas funções, os defensores públicos são dotados de prerrogativas estabelecidas pela Lei Complementar 80/94, nos arts. 44 e 128. Pimenta (2004, p. 115) sobre o assunto, salienta que:

[...] prerrogativas são privilégios funcionais, normalmente conferidos aos agentes políticos ou mesmo aos altos funcionários, para a correta execução de suas atribuições legais. As prerrogativas funcionais erigem-se em direito subjetivo de seu titular, passível de proteção por via judicial, quando negadas ou desrespeitadas por qualquer outra autoridade.

Importante ressaltar ainda o afirmado pela Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro:

[...] as prerrogativas dos Defensores públicos devem ser determinadas pela natureza da função que exercem, sempre se enfocando a necessidade de proporcionar ao necessitado os

mesmos meios e possibilidades que possam os poderosos obter à custa dos seus recursos financeiros (PIMENTA, 2004, p. 116).

Dentre as prerrogativas existentes nos artigos supramencionados, cumpre equacionar os seguintes: contagem em dobro de todos os prazos, intimação pessoal, desnecessidade de mandato e poder de requisição.

Sobre a contagem em dobro de todos os prazos, tem por finalidade proporcionar uma isonomia substancial, material e real entre as partes envolvidas, na perspectiva de exercício efetivo da igualdade. Rui Barbosa (apud PIMENTA, 2004, p. 96) ressalta que: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhões desigualando os desiguais na medida em que se desigualam. Nessa desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira igualdade”.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, neste sentido diz que:

A contagem, em dobro, dos prazos processuais é privilégio restrito do defensor público e do integrante do serviço estatal de assistência judiciária. Não cabe tal prerrogativa ao advogado particular de beneficiário da justiça gratuita. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 816.526/MT, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 18.10.2007, DJ 03.12.2007, p. 375).

No que tange à prerrogativa de intimação pessoal, inclusive em processos administrativos, esta decorre da necessidade de o defensor público de melhor desempenhar a função prelecionada no art. 134 da Constituição Federal, qual seja, orientação jurídica e defesa dos necessitados em todos os graus, na forma do art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição. Segue decisão do STJ que bem explica tal ponto:

PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – DEFENSOR PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL OBRIGATÓRIA. NULIDADE ABSOLUTA. CERCEAMENTO DE DEFESA CONFIGURADO.

DESNECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA SE O PACIENTE JÁ FOI CONDENADO E LHE FOI NEGADA A POSSIBILIDADE DE RECORRER SOLTO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. RECOMENDAÇÃO FEITA.

1- O art. 5º, § 5º, da Lei nº 1.060/50, acrescentado pela Lei nº 7.871, de 08 de novembro de 1989, dispõe que é obrigatória a intimação pessoal do defensor público ou de quem exerça cargo equivalente de todos os atos do processo, caso da Procuradoria de Assistência Judiciária do Estado.

2- Não realizada a intimação pessoal do Defensor Público para o julgamento do recurso de apelação interposto pela defesa, evidencia- se a ocorrência de nulidade absoluta na decisão.

3- Se o réu já se encontra condenado e não lhe foi permitido recorrer solto, a anulação do julgamento efetuado pelo Tribunal estadual não implica necessariamente na expedição de alvará de soltura em favor do paciente.

4- Ordem parcialmente concedida, para determinar a anulação do julgamento do recurso de apelação interposto pela defesa, para que outro acórdão seja proferido, com a observância da prévia intimação pessoal da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ficando impedida a elevação da pena ratificada no acórdão anterior, evitando-se reformatio in pejus.

5- Recomendação feita.

Sobre a prerrogativa da necessidade de mandato ao defensor público, esta deriva do fato de que a natureza jurídica da representação do assistido, em Juízo, decorre de lei e investidura no cargo, porém, é importante destacar que tal prerrogativa ainda e objeto equívoco, não obstante o entendimento tranqüilo dos tribunais, a exemplo do STJ, conforme decisão em análise:

ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. DEFENSOR PÚBLICO. JUNTADA DE INSTRUMENTO DE

MANDATO OU DE DESIGNAÇÃO. DESNECESSIDADE.

- O Defensor Público incumbido de prestar assistência judiciária acha-se dispensado de apresentar instrumento de mandato ou de comprovar a sua designação.

Recurso especial conhecido e provido.

REsp 216383 / MG, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA , julgado em 03.05.2001, DJ 27.08.2001, p. 341)

O acórdão de tal julgado decidiu que:

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, na forma do relatório e notas taquigráficas precedentes que integram o presente julgado. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Cesar Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar, Aldir Passarinho Júnior e Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Sobre esse assunto, Rocha (2005, p. 5), assim se manifestou:

Ora, uma vez que se procura a Defensoria Pública – cujos órgãos de execução, os Defensores Públicos, tem fé publica – está implícito o estado de carência e por conseqüência, assegurado o direito legal à justiça gratuita. Sendo redundante e desnecessária fazer tal pedido ou assinar a declaração [...].

O poder de requisição, por sua vez, é a ordem a autoridades públicas para providências, diligências, etc, para o melhor exercício de suas funções. É uma oportunidade de articulação positiva.

No documento Defensoria pública (páginas 38-44)