• Nenhum resultado encontrado

2 POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS: ABORDAGENS TEMÁTICAS

2.2 GOVERNANÇA E REGIMES URBANOS: APONTAMENTOS TEÓRICOS

2.2.3 Características dos regimes urbanos

Se por um lado, a governança colaborativa se expressa através do equilíbrio de poder entre os envolvidos e pela presença do governo para atenuar possíveis arestas e promover o diálogo na coalizão (SILVA; CLEMENTINO; ALMEIDA, 2017), por outro, os regimes urbanos concedem lugar mais importante à política, especialmente no interior das relações sociais e econômicas (JOUVE, 2005). A teoria dos regimes urbanos preocupa-se em identificar os mecanismos de construção das decisões coletivas, sobre o desenvolvimento urbano, destacando os atores determinantes e as razões da predominância e durabilidade das coalizões (ORUETA, 2010).

Um regime urbano aporta-se na colaboração como algo sistemático, cuja durabilidade se estende por longos expedientes e tem na cidade os mecanismos necessários à sua manutenção, quer seja a cidade como um todo, quer seja uma arena decisória. Esta perspectiva marca uma característica fundamental na forma de considerar os arranjos colaborativos, uma vez que o regime pode se mostrar como um dispositivo pelo qual se produz o governo, isto é, a tomada e execução das decisões de interesse público (SALAS, 2015).

Conforme destacado por Orueta (2010), numerosos trabalhos sobre os regimes nas cidades estadunidenses apontavam que, pela própria natureza dos regimes urbanos, é possível observar diferenças acentuadas de um regime de uma cidade à outra. Pare este autor, isso deve-se a fatores como o maior ou menor peso do mercado, o papel dos governos locais e suas instituições e a presença de movimentos urbanos que, em certa medida, introduzem variáveis importantes na coalizão, devendo-se serem levados em conta.

Destacar que a manifestação dos regimes não se dá de maneira uniforme não implica na ausência de características subjacentes à sua natureza, mas indica que as coalizões não são comandadas pelos desígnios de apenas um dos atores envolvidos. Nas interpretações sobre os regimes feitos por Jouve (2005), Orueta (2010), Salas (2015) Silva, Clementino e Almeida (2016) e Oubiña (2016) é possível observar a convergências de características comuns:

I. Os regimes são destacados como arranjos informais, abarcando atores políticos, econômicos e sociais com interesses comuns entre si. No entanto, isso não implica ausência das estruturas institucionais formais. Pelo contrário, a colaboração através das políticas públicas desenvolvidas no espaço urbano

passa pelo entendimento de que a coalizão se baseia nas estruturas institucionais constituídas sob a égide da democracia.

II. Nos regimes, o poder de decisão dos governos ocupa um lugar muito importante entre os incentivos à formação da coalizão e o apoio dos atores econômicos à manutenção e durabilidade dos governos locais sugerem a capacidade do mercado de influenciar nas decisões públicas. No entanto, a formação da agenda ainda pode estar sujeita ao controle popular e à cultura política local.

III. Do ponto de vista econômico, o caráter produtivo dos regimes se traduz na oportunidade de reunir recursos espalhados na cidade e canalizá-los em prol de uma agenda de desenvolvimento.

Em razão dessa perspectiva, os regimes urbanos seriam o indicativo de que as decisões públicas teriam se tornado fruto de disputas orientadas à satisfação de pressões exercidas por certos grupos organizados (mercado, grupos associativos locais). Como o equilíbrio de poder é caracterizado pelo intercâmbio assimétrico de barganhas entre os atores envolvidos, os regimes devem ser observados como arranjos flexíveis quanto sua arquitetura, podendo se manifestar de uma forma específica em uma cidade e, em outra, pelas condições locais (maior ou menor pressão popular, incentivos à participação, condições reais de mercado etc.), ter uma estrutura diversa da primeira.

Neste sentido, a agenda de governo tem papel central, justamente pelo conteúdo de ações e políticas cujo propósito seja manter, reformar ou transformar a cidade. Os atores envolvidos buscam a implementação dessa agenda, valendo-se da integração dos atores para realizarem o trabalho coletivo (colaboração). No entanto, não se deve supor que necessariamente toda e qualquer cidade possua um regime urbano. A teoria fornece características-chave, por meio das quais é possível identificar a existência do regime. Salas (2015), com base no trabalho de Mossberger e Stoker (2001), destaca que algumas dessas caraterísticas são:

I. É formado por um grupo informal, mas relativamente estável, com acesso a recursos institucionais que lhes permitem ter papel constante nas tomadas de decisão governamental. A colaboração é alcançada não apenas através das instituições formais, mas também em redes informais.

II. Os regimes reduzem a distância entre o controle popular do governo e o controle privado de recursos econômicos. Para além da inclusão do governo e agentes econômicos locais, os participantes da coalizão podem variar, incluindo lideranças comunitárias, por exemplo.

III. A cooperação não é automática, devendo ser buscada.

IV. Os regimes podem transcender os governos e abranger várias administrações. Não necessariamente uma mudança de governo é acompanhada de uma mudança de regime, assim como mudança de regime não significa mudança de governo.

V. Podem ser identificadas agendas políticas que são influenciadas pelos participantes da coalizão, pela natureza da relação entre os participantes e pelos recursos que eles trazem a coalizão.

VI. O consenso se dá de acordo com a interação e estruturação dos recursos, ou seja, através de incentivos seletivos e oportunidades.

VII. Os regimes não dispõem de um sistema de crenças e valores, mas um histórico de colaboração tenderia a produzir consenso sobre as políticas públicas.

De acordo com as características acima dispostas, podemos depreender que o propósito dos regimes incide na organização do poder político para viabilizar uma determinada agenda, socialmente aceita e democraticamente constituída. Em função disso, o contexto institucional e democrático dos governos locais precisa estar acompanhado da necessária existência de uma distribuição de recursos entre atores de fora do governo que estejam dispostos a canalizá-los em prol de interesses comuns.