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Caracteres morais e intelectuais para entrar na polícia

2.2 O TIPO IDEAL DE SOLDADO

2.2.1 Caracteres morais e intelectuais para entrar na polícia

O Exame Intelectual, primeira fase do concurso, consiste numa prova escrita de questões de múltipla escolha e abrange saberes, tais como Língua Portuguesa e conhecimento acerca da atividade militar. Este tipo de avaliação é comum nos concursos públicos no Brasil. Nele, a polícia dá primazia ao policial de habilidades cognitivas desenvolvidas - ou como é dito na linguagem comum, um indivíduo inteligente - atualizado acerca de conhecimentos gerais; que conhece as regras formais de sua língua materna; que conhece o Código Penal e outras leis de seu país. Embora a PM seja uma polícia que lida com ações ostensivas, diferente da Civil que é uma polícia investigativa, ela também requer um ator que além das habilidades físicas, também porte qualidades cognitivas desenvolvidas para atuar na sociedade.

A Avaliação Social, por sua vez, avalia a conduta. No processo seletivo, o presente e o futuro dependem do passado. Segundo Goffman (1974), na prisão e no hospital psiquiátrico as informações degradantes a respeito do indivíduo justificam sua entrada na instituição. Na polícia, ao contrário, elas impossibilitam seu ingresso. Credita-se ao poder Executivo - ou seja, a órgãos que lhe representam, tais como a Secretaria de Estado e Defesa Social (SEDS) e a escola - e ao Judiciário a autoridade de afirmar se o indivíduo possui, ou não conduta moral.

Deste modo, o candidato deve dispor de:

Atestado de Bons Antecedentes, fornecido pela Secretaria de Estado da Segurança e da Defesa Social (SEDS), ou Declaração de Conduta, se se tratar de Militar das Forças Armadas ou de outras PMs; Certidão Negativa de Ação Criminal, fornecida pela Justiça Estadual; Certidão Negativa de Ação Criminal, fornecida pela Justiça Federal; Atestado de Boa Conduta fornecido pelo Estabelecimento de Ensino em que estuda ou estudou (PARAÍBA, 2007).

Neste contexto, instituições públicas decidem se o candidato tem qualidades morais condizentes com o exercício militar. Disto surge uma questão: falar em conduta moral é encerrar a questão nas instituições representantes dos poderes Executivo e Jurídico? O fato de uma pessoa não possuir “passagem” na polícia, significa que ela seja moralmente boa? Um indivíduo pode ser violento e intolerante, por exemplo, e não possuir antecedentes criminais. O que é uma conduta moral? Quem a determina: o indivíduo, ou as instituições? Se é uma instituição, esta é a jurídica?

O fato moral, para Durkheim (1994), tem duas características: obrigação (dever) e desejabilidade (o bem). O objetivo da ação moral não é o indivíduo, mas a sociedade, que é algo desejável e se impõe a nós como dever. A sociedade é a finalidade da ação moral. A

realidade moral se apresenta de dois modos: impessoal e pessoal, ou objetiva e subjetiva. Do mesmo modo que há uma moral geral para todos os homens pertencentes a uma coletividade, há uma multiplicidade de outras e cada indivíduo, ou grupo as vê e compreende sob diversos ângulos (Ibid.). Ora, pensada neste raciocínio, a moral policial militar é aquela de um grupo que não representa os sentimentos morais coletivos, ou todas as instituições, mas a visão de indivíduos particulares sobre o ato moral. A instituição cria um tipo ideal de ação moral e estabelece-o como valor de seleção dos soldados.

Comparando o processo seletivo para o CFSD da PMPB, com outros de diferentes PM’s brasileiras nota-se que as exigências gerais são as mesmas, entre elas, não ter antecedentes criminais. Alguns grupos sociais ligados ao candidato, tais como amigos e vizinhos também podem ser consultados. Na PM de Santa Catarina (2013), por exemplo, o indivíduo deve levar à polícia “o mapa de localização de sua residência, identificando as principais ruas e pontos de referência”, o que dá margem à interpretação de que vizinhos podem ser consultados acerca do comportamento moral do candidato.

No edital seletivo para o CFSD da PM de São Paulo (2013), as exigências sobre o perfil moral do futuro soldado são minuciosamente descritas. São diversas as condutas consideradas “inadequadas e reprováveis”, ou seja, que não condizem com a ética policial, tais como ser alcoólatra, ou qualquer outro tipo de toxicômano; ter convivência com pessoas de ficha criminal positiva, ou ter sido expulso por justa causa de qualquer emprego. Para a Polícia Militar o soldado ideal é aquele que tem “conduta moral irrepreensível”, antes e depois de entrar na instituição (PARAÍBA, 1977).

Um indivíduo com alguns tipos de estigmas não “tem vez” na PM. Um estigma, para Goffman (2004, p. 8), dito em termos breves é “uma característica diferente daquela prevista” pela sociedade, de todo modo, uma qualidade não apreciada socialmente. Um indivíduo pode ser estigmatizado pelo corpo, pelo comportamento, ou condição moral e também pelo grupo a que pertence. A PM se apresenta como reprodutora dos estigmas sociais recaídos sobre grupos tais como os alcoólatras, os atores de face desfigurada e os ex-presidiários.

As informações acerca da vida pregressa do candidato também aparentam ser de utilidade para uma espécie de controle que a instituição exerce sobre a conduta do soldado, tanto na seleção, quanto no pós-curso de formação, ou seja, durante a carreira militar. Para Silvio, o fato de já ter trabalhado com segurança pública, antes de ser soldado, lhe deu credibilidade para estar no setor administrativo da polícia.

A vantagem da instituição é esta: você sabe quem é quem. O que fez de bom, o que fez de ruim. Essa Avaliação Social, que é feita na matrícula do curso,

agente dá informações do endereço de amigos, de familiares [...]. A vida pregressa de cada um, agente sabe, né? Cada um tem uma ficha própria, então se houver qualquer deslize de conduta, algo que a pessoa faça de errado, vai pra ficha (Silvio).

O controle exercido pela instituição sobre o soldado será um tema também retomado no quarto capítulo deste trabalho, na parte relativa ao relacionamento entre Oficiais e Praças. Portanto, ser admitido no Exame Intelectual e a na Avaliação Social significa considerar, isto para a Polícia Militar, que o ator tem boa conduta, ou bom convívio social e é atualizado acerca de conhecimentos básicos sobre seu estado e país.