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Caracterização da pesquisa e justificação do paradigma adotado

Esta se trata de uma pesquisa qualitativa, que é segundo Creswell (2010):

Um meio para explorar e para entender o significado que os indivíduos ou os grupos atribuem a um problema social ou humano. O processo de pesquisa envolve as questões e os procedimentos que emergem, os dados tipicamente coletados no ambiente do participante, a análise dos dados indutivamente construída a partir das particularidades para os temas gerais e as interpretações feitas pelo pesquisador acerca do significado dos dados. O relatório final escrito tem uma estrutura flexível. Aqueles que se envolvem nessa forma de investigação apoiam uma maneira de encarar a pesquisa que honra um estilo indutivo, um foco no significado individual e na importância da interpretação da complexidade de uma situação (p. 26).

Esta modalidade de pesquisa ganhou notoriedade a partir da crise à experimentação nos anos 60, quando a validade interna, a ética dos procedimentos utilizados e a utilidade do experimento como método para estudos em psicologia social começaram a ser questionados. Assim, a pesquisa qualitativa está interessada no significado que as pessoas atribuem aos fenômenos. Trabalha, portanto, com a interpretação e não com relações de causa e efeito. Busca temas e compreensões particulares e não procura um resultado universal. Possui procedimentos ajustáveis e reconhece que o pesquisador não é neutro, mas interfere no campo. Geralmente são pesquisas que envolvem poucos participantes, escolhidos de forma intencional, de acordo com o recorte da pesquisa. As hipóteses iniciais são revistas ao longo da pesquisa e novas categorias e perguntas podem surgir ao longo do estudo.

Segundo Günther (2006), a pesquisa qualitativa é um ato de construção de realidade onde o indivíduo, como objeto de estudo, é visto em sua totalidade e historicidade. A coleta de dados, que pode se dar, entre outros meios, através de “a) dados verbais por meio de entrevista centrada num problema, b) entrevista narrativa, c) grupo de discussão e d) dados visuais por meio da observação participante” (GÜNTHER, 2006, p. 205) produz textos a serem interpretados.

Esta se trata, portanto, de uma pesquisa qualitativa, pois parte da interpretação do texto gerado a partir de entrevistas semiestruturadas realizadas com poucos participantes e que tem como objetivo compreender o significado que estes indivíduos atribuem a diversos aspectos referentes à psicoterapia. É uma pesquisa que

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privilegia a compreensão e não a explicação da realidade, que é vista como construção social. Reconhece a interação entre pesquisador e entrevistado como fazendo parte do processo de construção de conhecimento, e não trabalha com variáveis fixas, sendo flexível ao longo de seu percurso.

Dentro da pesquisa qualitativa, podemos encontrar uma variedade de métodos que são sustentados por diferentes concepções. Esta pesquisa tem como base o Construcionismo Social, que possibilitou o surgimento da Psicologia Narrativa e influenciou também as terapias pós-modernas (Terapia Narrativa e Abordagem Colaborativa) que se apresentam como os referenciais teóricos deste estudo. O paradigma construcionista social envolve as seguintes premissas básicas, segundo Gergen (2009):

- O que falamos sobre o mundo não é um reflexo dele, mas um “artefato social”, ou seja, uma construção humana realizada dentro de um contexto social específico. Da mesma forma, não se postula um mundo interno que pode ser acessado através da linguagem. Os sentidos e a forma como damos conta do mundo e de nós mesmos são negociados socialmente.

- O conhecimento é construído historicamente e culturalmente. As versões de mundo não se modificam porque a natureza do objeto estudado se modificou, pois não se trabalha com a ideia de natureza.

- A prevalência de uma versão de mundo não provém de sua verdade empírica, pois não há nada que seja uma verdade universal, válida para todas as culturas e tempos históricos. Alguns entendimentos prevalecem mais fortemente que outros pela “capacidade retórica e de negociação” de seus defensores, e pela utilidade social que têm em determinado contexto (GERGEN, 2009).

- A vida social está permeada de “formas de compreensão negociadas”. As explicações sobre o mundo e as normas implícitas de cada cultura servem para sustentar e legitimar certos padrões e valores. Existem padrões de comportamento socialmente mais aceitos e formas de agir mais apropriadas para cada situação, que diferem em cada cultura (GERGEN, 2009).

Portanto, o construcionismo social é uma metateoria (uma teoria da teoria) e uma teoria social sobre as formas pelas quais os indivíduos historicamente situados interpretam a realidade, se relacionam e constroem o mundo onde vivem (ÁLVARO; GARRIDO, 2006, p. 321).

Estas premissas valem para pensarmos tanto o conhecimento científico construído academicamente, como o conhecimento interpessoal construído pelos que participam do processo de psicoterapia. O Construcionismo Social transformou a compreensão contemporânea da psicoterapia, ao focalizar a produção relacional e historicamente condicionada das narrativas no contexto clínico, e os modos como mudanças pessoais e coletivas são alcançadas mediante conversação. A perspectiva construcionista trouxe relevo à potencialidade transformadora das narrativas, e por este motivo, foi escolhida como concepção norteadora desta pesquisa.

Com base no discurso construcionista social, a psicoterapia tem sido descrita por alguns autores como uma construção social, isto é, uma prática discursiva, construtora de determinadas práticas sociais e formas de vida. Eles focalizam, assim, os sentidos produzidos nesse contexto e seus efeitos na criação de possibilidades alternativas de vida e relação social (GUANAES; JAPUR, 2008, p. 119).

O princípio de que as pessoas constroem significado sobre o mundo nas relações sociais é amplamente aceito em diversas abordagens pós-modernas. Através da conversação com o terapeuta, espera-se que o cliente revise os significados que construiu sobre o mundo e sobre si mesmo, podendo (des)construir narrativas em coautoria com o terapeuta e reorientar suas ações. A psicoterapia é concebida, então, como uma prática discursiva que permite a produção compartilhada de sentidos mediante a construção (e desconstrução) de narrativas.

Assim como a psicoterapia, a entrevista, nossa estratégia de investigação, também é considerada uma prática discursiva, entendendo que a fala do participante não é o reflexo de conteúdos de sua mente, mas é construída na relação com o pesquisador. Considerar a entrevista uma prática discursiva significa “entendê-la como ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade” (PINHEIRO, 1999, p. 186).

Por fim, gostaríamos de elucidar que pesquisas influenciadas pelo Construcionismo Social afastam-se do tipo de rigor positivista que oferece um método previsível e que deve ser seguido à risca. Nosso método, ao contrário, foi construído no próprio ato e processo de pesquisar, não havendo um modelo anterior que se encaixasse às necessidades da pesquisa. Nesse caso, o método ajustou-se à medida que se refinou a problemática e reuniram-se as informações do campo. Spink (1999) argumenta que o rigor científico de uma pesquisa se dá na visibilidade de sua construção. Portanto, aqui

descreveremos todos os passos realizados desde a formação do corpus de pesquisa até a construção do modelo de análise, expondo, desta forma, a construção de nosso método.