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Caracterização da unidade escolar e da turma de alunos

A seguir são apresentadas características da unidade escolar em que se localizava a turma de alunos junto aos quais a pesquisa foi desenvolvida.

3.3.1 A unidade escolar

A Escola Municipal de Ensino Básico (E.M.E.B), na qual a pesquisa foi desenvolvida, foi inaugurada em 2000 e está localizada no município de São Carlos, em um bairro periférico que carrega o estigma de ―favela‖. O local onde se localiza a unidade escolar começou a ser ocupado no período entre 1977 e 1979 situando-se ao sul da cidade e pertencendo à 5ª região da Secretaria Municipal de Educação. A escola oferta o ciclo I do Ensino Fundamental de 9 anos (1º ao 5º ano), atendendo a cerca de 200 crianças de 6 a 11 anos de idade, distribuídas em dois períodos - matutino e vespertino – compreendidos entre 7h30min e 12h e entre 13h às 17h30min, respectivamente.

Levantamento de pesquisas correlatas e

estudos teóricos

Intervenção – construção dos dados: aulas desenvolvidas no 2º

ano do Ensino Fundamental; registros orais e escritos

Descrição e análise dos dados e relações

com a literatura Organização dos dados em Episódios

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Quanto aos aspectos físicos, esta unidade escolar é de pequeno porte, possuindo 9 salas de aula de tamanho médio – uma das quais funciona como sala de recursos para os alunos com necessidades educacionais especiais – cozinha, direção, secretaria, almoxarifado, sala de coordenação, sala dos professores, banheiros dos(as) professores(as), banheiros masculinos e femininos para os(as) estudantes, pátio, biblioteca, sala de vídeo, quadra coberta, parque.

Vale informar que a professora-pesquisadora leciona e tem sede nessa unidade desde 2012, ocupando o quadro de docentes efetivas da escola.

3.3.2 A turma – 2º ano B

A turma na qual se desenvolveu a pesquisa foi atribuída à professora- pesquisadora em dezembro de 2016 por meio de processo de atribuição de classe que ocorre todo final de ano letivo, com base nas pontuações das docentes com sede na unidade escolar. O que no primeiro momento pareceu algo problemático, pois nunca havia trabalhado com crianças nessa faixa etária, tornou-se um presente. Em conversas com a professora anterior da turma – após atribuição das séries/anos – esta relatou que havia muitos conflitos relacionados ao preconceito racial e que, em diversas ocasiões, não soube se manifestar para problematizar a situação. Além disso, mencionou que alguns estudantes não se reconheciam negros, o que tornava, segundo a docente, sua intervenção ainda mais complexa.

- Acho que você terá muito trabalho, ano que vem, com essa turma... - Por quê?

- São muito preconceituosos. Brigam por não aceitarem a cor da pele. E eu fico sem saber o que fazer. Não sei nem o que falar para eles.

- Então não haverá problemas, apenas soluções! Falei brincando com a professora. Risos.

Este fato, aliado ao interesse pela temática, impulsionou o desenvolvimento do projeto de pesquisa apresentado no mesmo ano ao PPGE (Programa de Pós-Graduação em Educação) da UFSCar, pois queria mostrar a importância e a possibilidade do trabalho pedagógico com a temática etnicorracial, assim como ações de intermediação em Episódios esporádicos, ou seja, momentos que se efetivam nas vivências e aprendizagens das crianças no currículo em ação.

Para iniciar a pesquisa foi necessário pedir autorização a Secretaria Municipal de Educação (SME), de modo que aprovasse o projeto e encaminhasse à direção da unidade escolar para obtenção de sua autorização. Esta, por sua vez, manifestou-se

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aberta ao trabalho e se colocou á disposição no que fosse preciso. Também foram apresentados aos pais dos alunos ou a seus responsáveis, em uma reunião, os objetivos e ações para esclarecimentos acerca das pretensões do projeto e a autorização por escrito - termo de consentimento exigido pelo Comitê de Ética na Pesquisa10.

No primeiro semestre as atividades sistematicamente planejadas envolvendo a temática etnicorracial, não foram trabalhadas, mas a cada situação conflituosa, fosse ela qual fosse, a professora-pesquisadora interrompia o desenvolvimento das aulas para conversar e entender o que estava ocorrendo. A turma era composta por 22 estudantes na faixa etária de 7 anos de idade, sendo 9 meninas e 13 meninos. Eram crianças comunicativas, barulhentas, ansiosas, inteligentes, espertas e abertas ao diálogo que envolvia diferentes assuntos. Mantínhamos bom relacionamento, de modo que, diante dos problemas ocorridos, conseguíamos – por meio de diálogo – resolver a maioria deles em sala, sem que fossem necessárias intervenções da direção da escola ou dos pais ou responsáveis.

Certa ocasião, no primeiro semestre de 2017, um estudante entrou na sala de aula após o intervalo chorando e com a expressão facial muito triste.

-O que está acontecendo com você? Silêncio

Insisti:

-Diga para mim o que há com você? Seja lá o que for eu preciso saber. Sou sua professora. Talvez possa te ajudar...

-Eu estava brincando e o ... me chamou de macaco! - Por que ele te chamou assim? O que você fez a ele? - Nada! Só porque sou preto.

- O que há de ruim em ser preto?

-Não sei! Só acho que ele é preconceituoso.

Tentamos acalmá-lo dizendo para não se incomodar com palavras que pareciam ser ofensivas. Iria conversar com o agressor e tentar problematizar o ocorrido.

Eram crianças que moravam em um bairro considerado ―favela‖ (ou nas proximidades dele), pois no início de sua formação as casas eram feitas de madeira e não havia saneamento básico. Grande parte das famílias necessitava do Programa Bolsa Família para ajudar na renda familiar, e algumas viviam de trabalhos informais, como a venda de materiais recicláveis, havendo até relatos de casos de prostituição, assim como

10 CAAE 73906017.3.0000.5504:– Número emitido pela Plataforma Brasil (comitê de Ética) que confirma a aprovação do projeto avaliado pelo CEP em 2017 – Em apêndice

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de tráfico e uso de drogas. As crianças relatavam suas experiências de vida, nas quais eram comuns histórias de aliciamento de menores, violência doméstica, entre outras. Também relatavam casos de violência física de seus familiares por traficantes e/ou policiais; e devido aos maus-tratos, muitas delas viviam com seus avós ou tios. Vale ressaltar que essa realidade não era regra geral, mas representava 70% a 80% da turma.

Nesse período do ano letivo de 2017 o trabalho estava apenas se iniciando. O projeto também estava passando por transformações e já sentíamos ―na pele‖ a importância da proposta de inserção da temática etnicorracial negra no currículo com essa turma.

Para caracterização da turma com relação à cor, solicitamos à direção da escola acesso às fichas de matrícula11 nas quais havia o campo ―raça/cor‖. A diretora não fez restrição a esse acesso, de modo que constatamos os dados constantes da Tabela 1.

Tabela 1- Quantidade de alunos do 2º ano B por raça/cor conforme as fichas de matrículas

Cor Freq. %

Brancos(as) 14 63,5

Pretos(as) 01 4,5

Pardos(as) 07 32,0

Total 22 100

Fonte: Elaborada pela autora da dissertação.

Vale ressaltar que as fichas de matrículas são preenchidas pela secretária da escola com base nas respostas dos pais ou responsáveis pelas crianças. Adicionalmente a esses dados, elaboramos uma atividade na qual as crianças deveriam se autodeclarar quanto à cor (Tabela 3) sem interferências ou opiniões externas. Para a realização desta atividade foram dadas às crianças explicações sobre os termos relacionados às cores de pele utilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).

Tabela 2 - Número de alunos por raça/cor com base nas respostas delas a atividade desenvolvida em aula

Cor Freq. % Brancos(as) 10 45,5 Pretos(as)/ Negros(as) 09 41,0 Pardos(as) 02 9,0 Vermelhos(as) 01 4,5 Total 22 100

Fonte: Elaborada pela autora da dissertação.

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Na tabela 2 observa-se que o número de crianças que se autodeclaram negras é consideravelmente maior se comparado aos dados da Tabela 1, na qual o número de crianças brancas e pardas eram maiores. Vale dizer que a mudança do termo ‗preto‘ para ‗negro‘ também foi essencial no desenvolvimento dessa atividade12. Isso porque as crianças pareciam não aceitar o termo ―preto‖ para caracterizar a cor de pele.

Na seção a seguir, detalhamos os dados construídos a partir da intervenção realizada, juntamente com suas análises.

12 Atividade desenvolvida no dia 04 de Setembro de 2017. Seu relato encontra-se na seção 4 –

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4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

―Tem uma diferença minha... Tenho a pele morena, cabelo loiro e os olhos castanhos bem escuros. Olha para o Kau, ele tem o olho bem clarinho. Olha só!‖

Mar

Como se observa na seção teórico-metodológica, constituem dados para esta dissertação as práticas pedagógicas – planejadas e espontâneas – relacionadas à temática etnicorracial, realizadas nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Novembro de 2017 e registradas por meio de diário de campo e gravações em áudio

As referidas práticas pedagógicas foram organizadas em Episódios e sob esta forma serão trabalhados nesta seção, que está organizada em três subseções: a primeira explicita cada conjunto de Episódios segundo a estratégia metodológica empregada; a segunda relata e analisa os Episódios planejados; e na terceira figuram os Episódios espontâneos. Os planejados são apresentados segundo as estratégias metodológicas adotadas, a saber: Discussão de livros; Parcerias; Aulas expositivas dialogadas; Jogos, brincadeiras e artes; e Pesquisa.

4.1 Caracterização geral dos Episódios

Tanto os Episódios advindos de atividades planejadas quanto espontâneas são descritos, com a maior riqueza de detalhes possível, procurando mostrar as manifestações das crianças e da professora-pesquisadora, nas relações estabelecidas durante as atividades envolvendo a temática etnicorracial no currículo em ação. O trabalho com esta temática foi planejado pela professora-pesquisadora quando da elaboração do currículo prescrito para esta turma de alunos. Isto porque, coerentemente com o referencial teórico que fundamenta esta pesquisa e a prática pedagógica da professora-pesquisadora, a intenção era a de não trabalhar separadamente a temática em análise, mas por meio de práticas pedagógicas diretamente relacionadas aos componentes curriculares, tendo por finalidade a educação das relações etnicorraciais.

Essa decisão difere daquela presente no currículo prescrito pela unidade escolar para o 2º ano, no qual o conteúdo sobre Relações etnicorraciais aparece apenas no componente curricular de História, no último bimestre, a saber:

A vida no ambiente rural e no ambiente urbano; o papel social das diferentes ocupações do ambiente urbano e do rural; comunidade em geral; a

diversidade etnicorracial e cultural; as transformações ao longo do tempo

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