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Os fatores que influenciam a coerência da petição inicial (R) são o participante (P), o caso a resolver (C)33 e o modelo estrutural que é usado (M),

𝑅 = 𝑓(𝑃, 𝐶, 𝑀) (6.1)

Assim, interessa analisar, para P e C, a influência do modelo M na coerência de R.

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Foram realizadas quatro experiências laboratoriais, distribuídas por três etapas (Figura 6-2). Na primeira etapa foram efetuadas as experiências E1 e E2, na segunda etapa foi feita

a experiência E3 e na terceira etapa foi efetuada a experiência E4.

Para a realização das quatro experiências, foram selecionados dois casos de conflito de baixa complexidade, que se designaram por C1 e C234. Estes casos descrevem situações de conflito entre pessoas singulares e empresas, por “venda de coisa defeituosa” ou por “incumprimento de contrato”. Os casos foram selecionados de um conjunto de trinta processos judiciais dos Tribunais de Primeira Instância e dos Julgados de Paz, obtido dos Acórdãos dos Tribunais da Relação e da Jurisprudência dos Julgados de Paz. Estes casos ilustram algumas das situações em que o cidadão comum é confrontado com a alteração das relações contratuais, como a entrega de bens em desconformidade com o que foi acordado entre as partes, a falta de entrega dos bens e, num âmbito mais geral, problemas relacionados com o cumprimento integral de um contrato, pela outra parte. Para os casos selecionados, foram identificados e transpostos os elementos considerados relevantes para se construir uma descrição do conflito, na perspetiva do autor da queixa. Os nomes e as datas dos acontecimentos foram alterados.

Relativamente à forma como a descrição do conflito foi materializada, para cada um dos casos selecionados, Ci, foram criadas três versões, Cij, tendo em consideração três das

diversas formas comuns de expor um conjunto de acontecimentos – a descrição escrita organizada por ordem cronológica dos acontecimentos, Ci1, a descrição em vídeo

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Nas experiências foi usado um terceiro caso, C3, que permitiu aos participantes aprender como se

construía uma petição visual ou uma petição verbal, a partir da descrição de um conflito. Assim, a todos os participantes foram disponibilizadas uma descrição do caso C3 (Apêndice A) e uma petição visual ou uma

petição verbal.

Figura 6-2 – Distribuição das 4 experiências laboratoriais por 3 etapas.

E3 E4

E1 E2

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organizada por ordem cronológica dos acontecimentos, Ci2, e a descrição escrita dos

acontecimentos sem ordem cronológica, Ci3.

Na primeira etapa, foram usadas as versões com a descrição escrita, organizada por ordem cronológica dos acontecimentos, C11 e C21. Na segunda etapa, foram usadas as versões

C12 e C22 com a descrição em vídeo, organizada por ordem cronológica dos

acontecimentos. Na terceira etapa, foram usadas as versões C13 e C23 com a descrição

escrita dos acontecimentos, não organizada por ordem cronológica, espacial ou causal35.

Nestas experiências, de modo a avaliar o impacto que a utilização do modelo de coerência estrutural tem na coerência da resolução, foi também feito o mesmo tipo de processamento onde o modelo de construção da petição visual foi substituído por um modelo de construção da petição inicial através da narrativa escrita (petição verbal). Para uma amostra P e um caso C, interessa analisar a coerência da resolução em função da alteração do modelo estrutural.

Com base no modelo de tramitação processual usado nos Julgados de Paz, de simplificação dos procedimentos judiciais de conflitos de baixa complexidade, para a realização destas experiências não foi estabelecida a obrigatoriedade da apresentação dos factos por parágrafos, onde cada parágrafo só deve incluir um facto. Assim, para as resoluções verbais foi definido que, na elaboração da petição inicial, o litigante que

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Note-se que, por vezes, o litigante não apresenta um “caso organizado” – ele relata a sua experiência no conflito, por meio de diversas narrativas. A exposição verbal, que caracteriza a prática mais comum de expor os acontecimentos, pode ter uma forma de expressão narrativa muito flexível, possivelmente com a descrição dos acontecimentos a variar ao longo da exposição, a ponto de se poder tornar incoerente. Além disso, a utilização da descrição em vídeo e a utilização da descrição escrita sem ordem cronológica, permitem minimizar o processo de “transcrição direta” da descrição do caso para a petição inicial.

Figura 6-3 – Distribuição das 3 descrições dos casos C1 e C2 pelas 4 experiências.

Vídeo com ordem cronológica

Escrita com ordem cronológica Escrita desordenada

E1 E2 E3 E4

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apresenta a queixa (o autor da petição inicial) deve começar por identificar a outra parte (o réu), com quem ele está em conflito; de seguida, deve expor os acontecimentos que considera relevantes, de acordo com uma determinada lógica de apresentação (em geral, cronológica); no fim, deve fazer o pedido do que pretende que seja decidido pelo tribunal. A Tabela 6-1 estabelece a correspondência entre os elementos da petição verbal e os elementos da petição visual.

Para avaliar a coerência substantiva de uma petição verbal e normalizar a avaliação das resoluções verbais relativamente às resoluções visuais, foi definido um procedimento analítico (descrito na Tabela 6-2) idêntico ao procedimento analítico usado para avaliar a coerência substantiva de uma petição visual (Tabela 4-6).

Tabela 6-1 – Correspondência entre os elementos da petição verbal e os elementos da petição visual.

Elementos da petição verbal Elementos da petição visual

Apresentação: a outra parte do conflito. Partes em Conflito

Narração: os acontecimentos. Acontecimento Inicial Outros Acontecimentos Conflito Avaliação Opinião Final Pedido Pedido

Tabela 6-2 – Procedimento analítico para avaliar a coerência substantiva de uma petição verbal.

Coerência substantiva

Elementos da petição

verbal Questões em análise

Espacial Narração A localização dos acontecimentos foi bem definida?

É possível definir corretamente a sequência espacial dos acontecimentos?

Temporal Narração As datas dos acontecimentos foram bem definidas?

É possível definir corretamente a sequência temporal dos acontecimentos?

Causal Narração Na exposição são percetíveis as relações entre os acontecimentos descritos e

entre estes acontecimentos e o conflito?

Temática Apresentação, Narração e

Pedido

A exposição está organizada em torno de um tema?

A exposição está relacionada sobre quem ou o que está a ser descrito?

Completude Apresentação, Narração e

Pedido Está exposta a informação suficiente para a compreensão do caso em conflito?

Consistência Apresentação, Narração e

Pedido

Existem contradições na exposição?

O pedido está em conformidade com o que é anteriormente exposto?

Credibilidade Apresentação, Narração e

Pedido

A informação exposta é realista?

Os acontecimentos expostos são possíveis, perante a realidade?

Para a realização das quatro experiências laboratoriais foram selecionados quatro conjuntos de participantes (P1, P2, P3 e P4), cada um com cinco elementos. Os elementos

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dos dois primeiros conjuntos, P1 e P2, participaram nas duas primeiras experiências, E1 e

E2. Os elementos do terceiro conjunto, P3, participaram na terceira experiência, E3. Os

elementos do quarto conjunto, P4, participaram na quarta experiência, E4 (Figura 6-4).

Os quatro conjuntos de participantes foram constituídos por pessoas entre os dezanove e os cinquenta e quatro anos, selecionadas por contacto direto, obedecendo a duas restrições: não terem conhecimentos específicos na elaboração e tramitação de processos judiciais; saberem usar um editor de texto e o Microsoft PowerPoint (ou similar). Os participantes podem ser enquadrados em três tipos de litigantes – no geral, litigantes cuja intermediação não é necessária (pelo tipo de casos a resolver) e, em função da especificidade de cada participante, litigantes com escolaridade que podem contratar um advogado ou litigantes com escolaridade mas que não podem pagar a um advogado. Nestas experiências não foi estabelecido um local ou um prazo para a elaboração da petição inicial e não foi providenciada qualquer forma de assistência pessoal, de modo a não influenciar nem enviesar a resolução. Para a construção da narrativa visual foi usada a ferramenta de estruturação proposta na secção 5.1. Para a elaboração da petição verbal foi usado um editor de texto.