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CAPÍTULO VI. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

6.1. Caracterização das hortas em estudo

6.1.2. Caracterização das hortas

As propriedades da zona de Marvila, cuja posse era detida pelo clero e pela nobreza passaram, com a ascensão da burguesia, “a ser propriedade de comerciantes e industriais”. “Os campos abertos, onde se cultivavam grande parte dos produtos alimentares que abasteciam a região de Lisboa, deram lugar às fábricas e à construção de bairros habitacionais para as famílias operárias” (França citado em Ramos, 2011: 44).

Ao longo dos anos a paisagem alterou-se e “daquela época em que o Beato era ‘campestre’ restam hoje apenas as pequenas hortas, de ocupação espontânea, do Vale de Chelas” (Ramos, 2011: 44).

Do ponto de vista urbanístico as transformações do Vale de Chelas foram sempre lentas,

dado os terrenos nesta área terem sido expropriados – processo que decorreu ao longo de 40 anos, até 1970 - e anexados de forma a formarem uma bolsa de terrenos na posse do município, para que fosse possível levar a cabo as operações urbanísticas para eles formuladas. Os atrasos verificados levaram a que muitas dessas operações não fossem sequer iniciadas e o sistema de vales manteve a sua vocação de canais de drenagem atmosférica e hídrica, de enfiamentos e sistemas de vistas, virtualmente intacto até hoje. (Ramos, 2011:67)

O Parque Hortícola do Vale de Chelas (PHVC)63 (figuras 6.1 e 6.2) integra o Parque Urbano de Chelas e entrou em funcionamento em 2013. Fica localizado no lado norte do vale e integra os terrenos expectantes que eram cultivados de forma ilegal. Após a requalificação, as pessoas que cultivavam esses terrenos tiveram prioridade no acesso aos talhões do novo parque. Dos 120 horticultores ilegais, 93 aceitaram integrar a nova estrutura que ocupa uma área de 32.550 m2 (0,5% da área da freguesia),

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dividida em 217 talhões para outros tantos hortelãos (0,6% da população da freguesia) e que se organiza segundo o regulamento em Anexo G.

Dos critérios para atribuição dos talhões destacamos a ordem de inscrição e a proximidade da área de residência relativamente ao Parque Hortícola. O custo anual é de 1,60€ por m2, sujeito a um

desconto de 80%, não podendo o valor a pagar ser inferior a 58,60€. A este valor acrescem 20€ para comparticipação no pagamento de despesas relacionados com o funcionamento e manutenção das partes comuns.

Os direitos dos hortelãos incluem a utilização de abrigos, de utilização coletiva, para arrumo de materiais relacionados com o cultivo, o acesso a água para rega, formação e acompanhamento técnico, visando a práticas de cultivo segundo o modo de produção biológico.

O Parque Agrícola da Alta de Lisboa (PAAL) distingue-se da iniciativa de Chelas, fundamentalmente por se tratar de uma iniciativa de cariz associativo.

A Alta de Lisboa integra o território da freguesia de Santa Clara, numa zona onde se desenvolveu uma nova área urbana, com aproximadamente 300 hectares, que “se implanta a Norte da Segunda Circular e a Poente do Aeroporto da Portela. A Alta de Lisboa localiza-se ainda no prolongamento das grandes avenidas da cidade, logo a Norte do Campo Grande no seguimento da Avenida da República”64.

64 Alta de Lisboa (2014)

Figura 6.3. Plano geral do Parque Agrícola da Alta de Lisboa.

Fonte: Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (s.a.)

Figura 6.1. Plano geral do Parque Hortícola do Vale de Chelas.

Fonte: Matos e Batista (2013)

Figura 6.2. Hortas do Parque Hortícola do Vale de Chelas.

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“O Parque Agrícola da Alta de Lisboa (PAAL)65,

inaugurado em 2015, é o primeiro Parque Agrícola de base comunitária, num processo liderado pela Associação de Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (AVAAL), um exemplo de envolvimento entre cidadãos e autarquias na definição de um novo modelo de gestão e participação no uso da estrutura ecológica”66.

A AVAAL é uma Organização Não Governamental de Ambiente (ONGA), constituída por cerca de 400 associados e foi fundada em 2009, a partir da “vontade de um grupo de cidadãos em criar um espaço dedicado à agricultura urbana que promovesse a aproximação e coesão da população local”. Tem por missão “a ‘ecologia cívica’, definida como o

desenvolvimento social através da valorização ambiental em comunidades locais”67.

Para promover a participação dos seus associados a AVAAL promove, para além das assembleias gerais estatutárias, reuniões alargadas com os associados onde se discutem assuntos de interesse para a Associação, e reuniões de horticultores do PAAL onde se discutem assuntos relativos à gestão do parque agrícola. Nestas reuniões o nível de participação dos associados oscila entre os 60 a 70 nas assembleias gerais, menos de 10 nas reuniões alargadas e cerca de 90 associados nas reuniões de horticultores, o que revela a importância que é dada aos assuntos relacionados com o parque hortícola.

A 1ª fase do PAAL, inaugurado em Abril de 2015, tem cerca de 20.000 m2 (cerca de 0,5% da área da freguesia) e 103 hortelões instalados (cerca de 0,5% da população da freguesia), estando prevista uma 2ª fase que “constituirá um espaço complementar à produção hortícola, sendo mais virada para a constituição de vinha, pomares, prados e matas, num todo de grande valor ecológico e social”68.

Os critérios para a atribuição de talhões incluem a obrigatoriedade do horticultor ser associado da AVAAL, a proximidade da área de residência relativamente ao Parque Hortícola e a ordem de inscrição. O custo anual é de 1€ por m2, valor que inclui a utilização de abrigos partilhados para arrumo

de materiais relacionados com o cultivo, e o acesso a água para rega.

A Horta do Baldio (HB)69 tem características muito distintas das iniciativas de Chelas e da Alta de Lisboa. Situada na freguesia do Areeiro, teve a sua génese no projeto “Uma horta em cada esquina”, um projeto artístico iniciado em 2013, para celebrar os 20 anos da Culturgest, e que visava promover a arte e a cultura através da agricultura sustentável.

65 Coordenadas: 38°47'01.8"N 9°09'09.7"W

66 Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (s.a.b)

67 Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (s.a.c)

68 Associação para a Valorização Ambiental da Alta de Lisboa (s.a.b) 69 Coordenadas: 38°44’39.7"N 9°08'39.4"W

Figura 6.4. Hortas do Parque Agrícola da Alta de Lisboa (pormenor das hortas acessíveis).

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A iniciativa incluiu diversas atividades como a realização de performances artísticas nas hortas, conferências, workshops e visitas às hortas localizadas na Culturgest, no jardim da Biblioteca Municipal no Palácio Galveias e num terreno expectante, privado, próximo da Estação de Entrecampos e da Praça de Touros do Campo Pequeno.

A esta última horta, iniciada pelos hortelãos da Horta da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), foi dado o nome de ‘Horta do

Baldio’ e é a única que se mantém ativa.

“Esta horta comunitária urbana assenta (…) nos pilares da permacultura e conta com uma comunidade de pessoas de todas as idades interessadas em praticar agricultura urbana dentro da cidade de Lisboa” (fig. 6.5.). A HB produz vegetais, ervas aromáticas e frutos e ‘fabrica’ solo fértil, visando “uma comunidade de pessoas mais saudável e resiliente em pleno centro de Lisboa”.70

A horta está integrada num terreno expectante (fig. 6.6.), com uma área aproximada de 6000 m2 (medição efetuada no

Google Maps), e que pertence a uma entidade privada com a qual foi estabelecido um contrato de comodato71. A área de

terreno efetivamente ocupada pela horta, zona de compostagem, arrumos, espaços de reuniões e convívio e acessos estima-se em cerca de 1000 m2.

70 Horta FCUL (2015)

71 Contrato de utilização do espaço a título gratuito

Figura 6.6. Mapa de localização da Horta do Baldio.

Fonte: https://www.google.pt/maps/@38.7440288,-9.1457238,298m/data=!3m1!1e3

Figura 6.5. Pormenor da Horta do Baldio.

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Trata-se de uma iniciativa informal, não estando estabelecida qualquer estrutura organizativa ou hierárquica para gestão do espaço ou das atividades. Contudo, existe um grupo de pessoas, designadas por ‘guardiões’, que reúnem periodicamente e que têm algumas responsabilidades acrescidas ao nível da gestão e da planificação. Nos processos de decisão procuram seguir princípios sociocráticos, que não estando ainda totalmente implementados, estão a ser continuamente trabalhados.

A horta está disposta em forma circular, em camas elevadas, enriquecidas com matéria orgânica resultante da decomposição de resíduos vegetais. O acesso à horta é livre e as pessoas podem plantar e colher, com uma certa liberdade, desde que sejam respeitados os princípios da permacultura.

Desde o início do projeto o número de horticultores tem variado significativamente. Atualmente estimam-se em cerca de 20 as pessoas que, de alguma forma, participam nos trabalhos hortícolas. Não há lugar ao pagamento de qualquer quotização mas são aceites donativos e realizados cursos e workshops, a preços baixos, que contribuem para a gestão da iniciativa.

Em 2015, no âmbito da iniciativa “Todos queremos um bairro melhor”, da Comunidade EDP e Visão, a HB ganhou um prémio no valor de 5000€ com o projeto “Horta do Baldio – uma horta comunitária feita e gerida pelas gentes para as gentes (Avenidas Novas) - Melhoria de uma horta comunitária/jardim biológico já existente - criação de uma cozinha comunitária ao ar livre, compra de materiais para agricultura e landscaping”72.

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