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CAPÍTULO III. A AGRICULTURA URBANA

3.3. Multifuncionalidade da Agricultura Urbana

Referiu-se no início do capítulo que a multifuncionalidade da Agricultura Urbana representa um importante contributo para a sustentabilidade social, económica e ambiental das cidades e para a resiliência, soberania e democracia alimentares. A Agricultura Urbana possibilita ainda o desenvolvimento de atividades que são do domínio da agricultura social, nomeadamente terapêuticas, educativas e de socialização.

Uma breve análise da evolução histórica da Agricultura Urbana põe em evidência que a principal função desta atividade quase sempre correspondeu à produção de alimentos, para venda ou autoconsumo, particularmente nos períodos de maior escassez, relacionados com períodos de depressão económica ou de guerra.

Atualmente, com uma população mundial mais urbana do que rural e com as crescentes preocupações relacionadas com a segurança e resiliência alimentares, a produção de alimentos tem adquirido um especial significado à escala global.

A Agricultura Urbana oferece uma alternativa ao uso da terra para a integração de múltiplas funções em áreas densamente povoadas. Nestas regiões28, a agricultura urbana oferece uma nova fronteira para os

especialistas em uso do solo e para os paisagistas, envolvendo-os no desenvolvimento e na transformação das cidades para apoiar as terras comunitárias, hortas urbanas, hortas em terraços, jardins comestíveis, florestas urbanas e outros recursos produtivos do ambiente urbano. Apesar do crescente interesse em agricultura urbana, os urbanistas e paisagistas estão frequentemente mal preparados para integrar a lógica dos sistemas alimentares nos planos futuros para as cidades. O desafio (e a oportunidade) é conceber espaços urbanos agrícolas multifuncionais , compatíveis com as necessidades específicas e preferências dos residentes locais, enquanto também protegem o ambiente (Lovell, 2010: 2499).

Zeew e Drechsel (2015: vii-viii) acrescentam outros caminhos para a Agricultura Urbana, não apenas enquanto recurso estratégico para “minorar os efeitos da pobreza, promover a inclusão social e melhorar a segurança alimentar e a nutrição da população urbana pobre”, e que ainda pode proporcionar “oportunidades recreativas para os cidadãos urbanos”. Assim, e segundo as tendências mais recentes:

- Os governos locais começaram a apoiar a agricultura urbana pelos serviços ecológicos que presta (p.e. redução do aquecimento urbano, gestão das águas pluviais, gestão da biodiversidade) e o seu papel na gestão de catástrofes e na adaptação da cidade às alterações climáticas.

- Outras cidades procuram estabelecer circuitos alimentares curtos e promover o consumo de comida produzida nas regiões urbanas de modo a reforçar a resiliência do sistema alimentar urbano e estimular a economia local.

- Verifica-se igualmente uma maior consciencialização para um fortalecimento da relação água-energia- alimentos e de processos em circuito fechado (economia circular, eco saneamento) através da

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recuperação e reutilização de recursos, transformando, por exemplo, resíduos orgânicos e águas residuais, excesso de energia, calor ou CO2 da indústria, em recursos com valor para a produção alimentar

urbana.

- Um alargamento do foco da investigação e do planeamento de uma agricultura urbana para um sistema alimentar urbano (cidade-região/região urbana), incluindo a produção alimentar (intra- e peri-) urbana, bem como o processamento da produção local, o seu marketing/distribuição, a gestão do desperdíc io alimentar (incluindo a recuperação e reutilização de recursos), e os serviços de abastecimento e suporte. - Como consequência, um rápido crescimento de um conjunto de evidências e de conhecimento baseado na experiência (Zeew e Drechsel, 2015: viii).

Contribuir para a resiliência dos sistemas alimentares urbanos é uma das principais funções da Agricultura Urbana. Tal implica, segundo Wiskerke (2015: 15-21):

- “Adotar uma perspetiva de região urbana” (cidade-região), por ser aquela que, por uma questão de escala, permite implementar soluções abrangentes e integradas;

- “Ligar fluxos”, de modo a que recursos desperdiçados possam ser recuperados para os fluxos que criam valor;

- “Criar sinergias”, através do desenvolvimento de uma agricultura urbana e periurbana multifuncional que sirva vários propósitos em simultâneo;

- “Planear sistemas urbanos alimentares resilientes”, introduzindo a alimentação na agenda das políticas e do planeamento urbano e que tornem a “produção de alimentos um meio adequado para a integração das dimensões económica, social e ambiental da sustentabilidade, bem como a abordagem de questões como a justiça e a saúde”.

Numa dupla perspetiva de sustentabilidade ambiental e de saúde pública, a Agricultura Urbana pode igualmente desempenhar um importante papel na promoção de práticas agrícolas sustentáveis , nomeadamente a produção biológica (agricultura biológica), as quais excluem a quase totalidade de produtos químicos de síntese e têm no solo, enquanto sistema vivo, o seu elemento fulcral.

Este modo de produção é, segundo Ferreira et al (2002: 14), “um modo de produção agrícola que procura ser ecológico tanto quanto possível, baseado no funcionamento do ecossistema agrário e utilizando práticas agrícolas que fomentam o equilíbrio desse ecossistema e a manutenção e melhoria da fertilidade do solo”. Tratando-se de uma prática agrícola holística, pelos equilíbrios que procura estabelecer entre o solo, as plantas, os animais e o homem, representa um valioso contributo para a melhoria da qualidade de vida em áreas urbanas.

Mourão e Brito (2013: 5), referem outras funcionalidades da Agricultura Urbana, nomeadamente das hortas urbanas, as quais “podem ter um papel importante para o bem-estar dos cidadãos; para a melhoria da alimentação e da saúde das populações; para a sensibilização ambiental (ex: reutilização e reciclagem de resíduos urbanos orgânicos); e para a conservação de recursos naturais e de ecossistemas no meio urbano”.

Podem ter fins pedagógicos, culturais e, simultaneamente, fins sociais, facilitando trabalho e rendimento para grupos sociais mais desfavorecidos, diminuindo a pobreza e fomentando o empreendimento, nomeadamente junto de idosos, pessoas desempregadas ou sem -abrigo (Mourão e Brito, 2013: 5).

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No meio urbano existem ainda outros locais como escolas, instituições públicas e de solidariedade social (IPSS) e instituições de saúde, onde a implementação de hortas, jardins ou outros espaços como varandas, pátios, janelas, etc., podem ter funções fundamentais, nomeadamente pedagógicas, de educação ambiental, de formação, ocupacionais e terapêuticas, contribuindo para a melhoria da saúde física, mental e emocional dos utilizadores (Mourão e Brito, 2013: 6).

Concluímos com uma proposta de Lovell (2010: 2503) relativamente a um conjunto de estratégias de planeamento para suporte das várias funções que são oferecidas pelas atividades de agricultura urbana e que, resumidamente, se sistematizam no quadro 3.1.

Quadro 3.1. Planeamento urbano para apoiar as diferentes funções da agricultura urbana

Fonte: Adaptado de Lovell, 2010: 2503).

Função Descrição e Justificação Estratégias de Planeamento

Produção

Produção de frutas, vegetais, plantas, plantas aromáticas e medicinais, carne, leite, ovos , queijo e outros produtos.

Disponibilizar terrenos adequados, acessíveis e seguros, com boa exposição solar e uma fonte de irrigação.

Conservação de Energia

Produção local de alimentos visando reduzir os consumos de energia associados a processos como o transporte e embalagem.

Desenvolver sistemas de transporte e redes de distribuição para o fornecimento eficiente de alimentos aos consumidores.

Gestão de Resíduos

Compostagem dos resíduos orgânicos para utilização como fertilizante na produção de vegetais.

Identificar sistemas para recolher, desviar e transportar resíduos orgânicos dos aterros sanitários para a agricultura urbana.

Biodiversidade Produção de grande diversidade de espécies, de plantas autóctones e de sementes. Converter áreas de baixa densidade em jardins e hortas comunitárias. Controlo

Microclimático

Alterações microclimáticas positivas resultantes do controlo da humidade, da proteção contra o vento e do sombreamento.

Permitir a plantação de vegetais comestíveis em áreas construídas para combater o efeito “ilha de calor” e outras condições climáticas desfavoráveis. Espaços Verdes

Urbanos

Contribuição dos jardins comunitários/quintais para aumentar os espaços verdes urbanos , melhorando o bem-estar e aspetos estéticos.

Apoiar os esforços para converter terrenos livres e abandonados em espaços verdes produtivos para uso dos residentes.

Revitalização Económica

Criação de novos empregos para os residentes locais e maior vitalidade resultante do incremento económico da comunidade.

Criar redes de ligação entre trabalhadores , agricultores/horticultores e mercados para ajudar a manter e a criar novas iniciativas/empreendiment os . Socialização

Comunitária

Contribuição da horticultura e jardinagem urbanas, enquanto atividade social, para que os membros da comunidade possam partilhar comida, conhecimento e trabalho.

Juntamente com os espaços verdes comunitários, integrar outras atividades e funcionalidades para encorajar a socialização.

Saúde Humana

Além dos benefícios no acesso a espaços verdes a agricultura urbana oferece comida saudável e promove a atividade física.

Explorar oportunidades para desenvolver programas comunitários em torno da horticultura/jardinagem que promovam um estilo de vida saudável. Património

Cultural

Possibilidade de acesso a alimentos étnicos raros que não estão disponíveis no mercado.

Integrar hortas comunitárias em áreas onde residam emigrantes, ligando-as a aspetos culturais. Educação

Aprendizagem, por crianças e adultos, sobre alimentação, nutrição, culinária, ambiente, economia e culturas, através da agricultura urbana.

Oferecer programas de atividades agrícolas urbanas, particularmente durante o verão.

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