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Caracterização do Sistema Sucroalcooleiro entre os anos 1930 e 1990

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 Ambiente de Estudo: o sistema setorial sucroalcooleiro

2.4.1 Caracterização do Sistema Sucroalcooleiro entre os anos 1930 e 1990

Os padrões de crescimento do sistema setorial sucroalcooleiro sempre foram suscetíveis às variações das condições do mercado externo de açúcar em seus sucessivos períodos de crise. A forte e prolongada intervenção estatal resultou em uma dinâmica estruturalmente vinculada ao Estado (STOREL JR, 2003). Ramos (1999) aponta existirem traços marcantes da atuação institucional no setor: mudanças não desprezíveis relacionadas à atuação dos governos locais e uma política centralizada na União, notadamente entre os anos de 1930 a 1990.

Essa característica de integração entre o componente fundiário e o industrial na produção açucareira e a preservação desse padrão de expansão esteve também na base das causas da mudança do centro dinâmico da agroindústria canavieira da Região Nordeste (principalmente Pernambuco) para a Região Centro-Sul, principalmente São Paulo (STOREL JR, 2003), já

que o fim do 'Ciclo do Café', encerrado com a Crise de 1929, reforçou a retomada do cultivo da cana para a produção de açúcar e para o mercado interno, que se formava às custas de um incipiente processo de industrialização (PORTAL ÚNICA, 2004). Com a quebra do mercado do café, o ímpeto de entrada de novos capitais e terras foi contido pela intervenção do Estado brasileiro, já sob Vargas, que instituiu o controle sobre a produção dos estados, criando em 1931 a Comissão para a Defesa da Produção Açucareira e posteriormente, em 1933, o Instituto do Açúcar e do Álcool - I.A.A. (STOREL JR, 2003), cuja principal função era controlar a produção para manter os preços em níveis adequados. Cada usina só poderia produzir dentro de uma quota preestabelecida (PORTAL ÚNICA, 2004). Sob o I.A.A., os produtores do setor ficaram sujeitos a uma série de arranjos institucionais que ligavam os interesses organizados do setor às estruturas de decisão do Estado (SHIKIDA, 1998).

O I.A.A. tinha duas missões essenciais: regular o mercado de açúcar e álcool no País e estimular a produção de álcool anidro – a partir do disciplinamento do mercado açucareiro que encaminharia seus excedentes para o fabrico do álcool anidro (INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL, 1972). Coube ao I.A.A. determinar a proporção de álcool anidro a ser adquirido pelos importadores de gasolina, com base na provável produção disponível. O I.A.A. fixava “um mês antes da safra e tendo em vista os cálculos realizados, a percentagem de produção de álcool de cada usina que lhe seria entregue para fins de beneficiamento ou venda aos importadores de gasolina, sendo encargo da Autarquia adquirir toda a produção alcooleira assim obtida” (INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL, 1972, p. 82). Esse controle durou até os anos 90, quando o I.A.A. foi extinto.

Durante o período do I.A.A., os usineiros paulistas passaram a utilizar terras mais férteis abandonadas pelos cafezais e constituíram um complexo regional fortemente integrado. Foram criadas, em São Paulo, empresas produtoras de máquinas e equipamentos industriais voltados à produção açucareira, como os Grupos Dedini e Zanini. Criou-se também um grande e bem-sucedido trust de refino, comercialização e distribuição de açúcar, a Copersucar. Na base de toda essa integração estava a junção das propriedades fundiária e industrial nas mãos dos usineiros. Os mecanismos de intervenção estatal (via administração dos preços e da produção) desestimulavam os ganhos de eficiência com base no progresso técnico e na melhoria de produtividade (STOREL JR, 2003).

Em 1973, veio o primeiro choque do petróleo, criando as condições políticas necessárias para a instituição do Proálcool, um programa governamental para a utilização do álcool, um sub- produto do açúcar, como combustível substituto do petróleo (STOREL JR, 2003). Até o advento do Proálcool, a moagem de cana era destinada à produção de açúcar. O álcool era um produto residual da destilação do mel pobre, considerado um subproduto da fabricação do açúcar (ALVES, 2002).

Numa primeira fase, somente se produziu em usinas de açúcar o álcool anidro para ser utilizado em mistura com a gasolina. Com o segundo choque do petróleo em 1979, o programa foi ampliado para a utilização de álcool hidratado em automóveis movidos exclusivamente a álcool que começaram a ser fabricados a partir do início da década de 80, e com a construção de destilarias autônomas para produção exclusiva de álcool. Além disso, a comercialização do álcool também foi assumida pelo governo pela estatal Petrobrás que inclusive assumia o diferencial (negativo) entre o preço de aquisição do álcool hidratado e o preço de sua comercialização subsidiada no mercado interno, por meio da chamada “conta álcool” (STOREL JR, 2003).

As mudanças ocorridas com a instituição do Proálcool geraram uma série de inovações para o setor, segundo Shikida (1998): o álcool combustível, suas modernas técnicas de produção, as modernas composições agroindustriais constituídas (destilarias autônomas) e o novo motor adaptado ao uso deste combustível. Foi no período do Proálcool que se intensificaram algumas pesquisas visando otimizar a utilização do álcool hidratado como combustível único.

Durante os anos de 1980 e 1985 ocorreram novos desenvolvimentos tecnológicos, como pesquisas sobre variedade de cana realizadas pela PLANALSUCAR, e também por maior eficiência na conversão da sacarose para o produto final. Assim, em 1983, há uma mudança no padrão de pagamento da cana, deixando de ser por tonelada e passando a ser por teor de sacarose e pureza do caldo (SHIKIDA,1998):

Essas inovações, pagamento de cana pelo teor de sacarose e novas variedades de cana, bem como outras (por exemplo, a adaptação dos motores de caros ao álcool hidratado), podem ser consideradas trajetórias tecnológicas pelas quais o Proálcool evoluiu. (SHIKIDA,1998, p. 58)

É a partir da ATR (açúcar total recuperável) extraído da cana no processo industrial que as usinas produzem açúcar e álcool e sua quantidade baseia-se nas análises do teor de sacarose, de fibra e de pureza da matéria-prima, somadas à eficiência produtiva. É um trabalho conjunto entre as áreas agrícola e industrial, que vem da escolha das variedades de cana a ser plantada com maiores teores de sacarose (NEVES e WAACK, 1998). As grandes unidades produtoras enfrentam problemas de deseconomias de escala em transporte de cana, pois o transporte acima de 100km degenera a ATR (BELIK e VIAN, 2003).

O estado de São Paulo se destaca na produção, pois tem o que Shikida (1998) aponta ser uma tecnificação favorável, já que neste estado estão localizados os maiores centros de pesquisa (extinto PLANALSUCAR – atual Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos, Instituto Agronômico de Campinas, Centro Tecnológico Copersucar, Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT, entre outros), além das principais indústrias de equipamentos direcionados a esse setor (Dedini, Zanini – pertencentes às famílias Ometo e Biagi – e Codistil).

Atraídos pelos fartos subsídios, entraram na atividade canavieira grandes grupos empresariais originários de outros setores. Esses subsídios passaram a escassear após 1985, o que fortaleceu mais ainda os grupos canavieiros tradicionais que já eram fortemente integrados com outras atividades industriais como, por exemplo, os Grupos Ometto e Biagi (RAMOS e SZMRECSÁNYI, 2002).

Assim, entre os anos 70 e 90, o setor passou por uma importante transformação ao voltar-se para o setor energético, com a criação do Proálcool, o que incentivou e melhorou sua produtividade. O setor adaptou-se mediante o desenvolvimento de tecnologia para uso do álcool anidro e rapidamente produziu inovações institucionais e organizacionais (NEVES e WAACK, 1998).